História “saborosa” da Capitania de Pernambuco


25/03/2010

Plinio Vidigal Xavier da Silveira

Pesquisadores resgatam fatos históricos do período colonial: qualquer morador poderia dirigir-se à Coroa portuguesa; a figura emblemática de Santo Antonio; papel saliente das ordens religiosas –– eis alguns dos temas que emergem de 34 mil documentos analisados.

 Na Capitania de Pernambuco, durante o Brasil colônia,“ouvidores, donatários, loco-tenentes, advogados, procuradores, governadores e mesmo o homem do povo, através de seus procuradores e, principalmente, dos escrivães, tiveram voz, ainda que nem sempre voto. [...] A qualquer morador era dada a liberdade de se corresponder e reivindicar o que julgava ser seu direito frente à Coroa. [...] Apesar da aceitação de uma relação de vassalagem junto ao monarca, os colonos de Pernambuco não abdicaram de fazer valer os seus direitos”.

Essas informações, tão contrárias ao que muitas vezes se ensina nas escolas em nosso País, estão no livro Fontes repatriadas, das historiadoras Socorro Ferraz, Vera Lúcia Costa Acioli e Virgínia Maria Almoêdo de Assis.1

Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) resgataram no Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal nada menos que 34 mil documentos da então Capitania de Pernambuco. SegundoSocorro Ferraz, diretora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE e coordenadora do Projeto Resgate, 75% dos documentos são inéditos.

Centralização muito matizada

Os primeiros estudos já realizados a partir do material questionam o poder absolutista da metrópole portuguesa, mostrando que desde a época das capitanias, redes de autoridade locais foram se estabelecendo regionalmente com bastante força. Cartas do acervo mostram, até mesmo, negociações feitas diretamente por escravos com autoridades centrais. Na documentação há cartas de cativos pedindo interferência de autoridades em questões pessoais.

Durante muito tempo a historiografia oficial atestava que a relação portuguesa com o Brasil era só de domínio. Mas, pelo que os documentos mostram, nem a centralização do poder de Portugal era tão intensa nem o poder do monarca era tão absoluto.

A pesquisadora destaca que, a partir do momento em que os governantes eram nomeados pela Coroa, começavam a se relacionar diretamente com a população, transformando-se em agentes de negociação; é o caso também dos ouvidores, juízes, desembargadores, câmaras municipais, dos chamados “homens bons” (na realidade, gente rica).

“As redes de poder passam a ser construídas sem se limitar ao absolutismo régio. E esse é o foco da nova historiografia”— destaca Virgínia Almoêdo, coordenadora do Departamento de História da UFPE (cfr. reportagem Segredos da Colônia, de Letícia Lins, in “O Globo”, 7-11-09).

Santo Antonio vence o quilombo dos Palmares

 

No episódio a seguir narrado, o pitoresco se une à fé, pois ao mesmo tempo que se glorifica Santo Antonio e se dão provas de confiança na força de sua intercessão nas lides militares, presta-se uma pequena ajuda ao convento dos frades franciscanos:

“Chama igualmente a atenção o conteúdo da Ordem Régia, datada de Lisboa de 30 de abril de 1717, enviada ao provedor da Fazenda da Capitania de Pernambuco, referindo-se à Consultora do Conselho Ultramarino sobre a petição ‘do glorioso Santo Antonio’, na qual se alega que ‘tendo muita quantidade de anos de serviço não cobrava mais que a praça de soldado’. Seguindo o parecer do Conselho, o monarca resolve elevar a patente do santo de soldado para tenente com vencimentos de vinte e sete tostões por mês, soldo considerado justo ‘para um soldado tão glorioso’.

“Com efeito, Santo Antonio ocupou alguns postos militares no Recife: foi soldado no antigo Forte do Buraco, promovido a tenente pela decisão supracitada, o que rendia aos frades franciscanos soldos, segundo notícias diversas, até o século XIX.

“Também em Igarassu, em 1754, a Câmara pedia ao Conselho Ultramarino para que Santo Antonio recebesse o título de vereador perpétuo com as devidas propinas. Para um santo com tantos méritos e folha de serviços prestados, não é de se estranhar que em 1685 o então governador da Capitania de Pernambuco tenha baixado uma ordem para que o santo fosse tomar parte na guerra contra os Palmares, uma vez que recebia pagamento para isso, o que assim aconteceu. A imagem do santo acompanhou os soldados, só regressando terminada a destruição do conhecido quilombo”.2

Males do laicismo moderno

Santo Antonio foi vereador em Igarassu até 2008 — informa Letícia Lins — e só foi removido do cargo (e do salário) por pressão do Ministério Público, em aras ao laicismo. Ele recebia um salário-mínimo mensal, que era revertido para um convento com seu nome, que atende ainda hoje 300 crianças.

A iniciativa de destituí-lo do posto despertou muita polêmica. Os vereadores se recusavam a revogar uma tradição herdada do Império. Para não entrar em conflito com o Ministério Público, decidiram custear o salário do santo, rateando as contribuições a partir do próprio bolso. “Não podemos sepultar uma tradição que foi criada pelo próprio rei de Portugal”, justificou o presidente da Câmara Municipal em 2008, Waldemir Nunes.

Mulheres na administração

Sem nada do feminismo revolucionário moderno, mulheres assumiam com naturalidade cargos de administração, conforme narra Fontes repatriadas:

“Identificar o papel das mulheres na administração da Capitania é uma questão que ainda está por merecer estudos mais aprofundados. Cabe aqui notar o exemplo de Brites de Albuquerque, mulher do primeiro donatário, que como se sabe assumiu o governo de Pernambuco nas ausências do marido e filhos. Muitas vezes depara-se com mulheres proprietárias de ofícios públicos, o que abre um leque de possibilidades para o estudo do próprio papel assumido por mulheres na administração pública do Brasil colonial”.

Bom senso no corte das árvores

 

Sem os exageros, absurdos e desvios doutrinários, tantas vezes presentes no moderno ecologismo, o bom senso se manifestava no manejo do corte de árvores. Nesse sentido, é significativo o texto a seguir:

“A respeito do corte das madeiras, Filipe III, em longo e minucioso regimento de 12 de dezembro de 1605, determinou que, nos referidos cortes, se tivesse ‘muito tento à conservação de árvores’ para que tornassem a brotar, ‘deixando-lhes varas, e troncos com que o possam fazer, e os que o contrário fizerem serão castigados’. Também no regimento em relação à Bahia, em 1609, foram exigidos dos governadores cuidado e proteção às madeiras em geral e, principalmente, às destinadas aos engenhos. Foi também criado o cargo de Juiz Conservador das Matas”.

As ordens religiosas, uma bênção para o Brasil

“Não se pode deixar de apresentar em grandes linhas no que consistiram as Ordens religiosas regulares para essa sociedade [colonial], e em especial as quatro que formaram por assim dizer, ‘a coluna vertebral’ do aparelho eclesiástico no Brasil: a Companhia de Jesus e as Ordens de São Francisco, de São Bento e do Carmo. [...] Saem seus membros a catequizar indígenas, assistir a população colonial, fundar e manter entidades educacionais, celebrar serviços religiosos nas terras senhoriais, vilas e povoados, criar e manter seminários, destacando-se neste ponto os colégios fundados pelos jesuítas.

“Oratorianos, Mercedários e Capuchinhos igualmente exerceram influência em alguns setores da sociedade.

“Ainda sobre as ordens religiosas que atuaram em Pernambuco vale salientar o papel que elas desempenharam no ensino público, assunto tão pouco comentado nos livros de História. Dos beneditinos deve-se dizer que foram eles os fundadores da Faculdade de Direito de Olinda, primeiro estabelecimento de ensino superior do Brasil. Também criaram a Escola de Agricultura e veterinária, hoje Universidade Federal Rural de Pernambuco”.

 

Em Olinda, esboço de universidade moderna

O bispo de Pernambuco, D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, “foi talvez o primeiro brasileiro a sonhar para Olinda e os seus montes um futuro tranqüilo de cidade universitária. Ele fez do velho colégio dos Jesuítas um esboço de uma universidade moderna, desenvolvendo o ensino secundário em ensino superior. Olinda seria uma espécie de Coimbra (Gilberto Freire)”.

Como ganhariam os atuais alunos, caso os professores de História se ativessem à verdade dos fatos e deixassem de ser subservientes às interpretações marxistas e imorais que tantas vezes pervadem o ensino no Brasil de nossos dias!

*       *       *

Poder-se-ia perguntar: que relação têm os fatos narrados com a situação do Brasil de hoje, para serem inseridos nesta seção de política nacional?

Sintetizando, basta o leitor ter presente as atuais e absurdas demarcações de terras para quilombolas e indígenas; e as expropriações do INCRA, destinadas a contemplar invasores do MST e formar assentamentos de uma Reforma Agrária socialista e confiscatória, cujo fracasso é notório.

Comparando essa situação com a descrita nos documentos supra-citados, o contraste é pungente. Estamos assistindo à construção de um novo e infeliz Brasil, desligado de suas gloriosas tradições cristãs. Além das distorções históricas inseridas nos atuais livros escolares, tenta-se impor à nossa Pátria estruturas marxistas. A Terra de Santa Cruz não merece tal castigo!

E-mail do autor: plinioxavier@catolicismo.com.br

__________

Notas:

1. O livro pode ser consultado, em grande parte, na Internet: http://books.google.com.br/books?id=0ZqQuBChgowC&printsec=frontcover#v=onepage&q=&f=false

2. A respeito do quilombo dos Palmares e de seu chefe mais conhecido, Zumbi, uma reportagem da revista Veja (19-11-08) esclarece: “A figura de Zumbi que passou à posteridade é idealizada. Ao longo do século XX, principalmente nos anos 60 e 70, sob influência do pensamento marxista, Palmares foi retratada por muitos historiadores como uma sociedade igualitária, com uso livre da terra e poder de decisão compartilhado entre os habitantes dos povoados. Uma série de pesquisas elaboradas nos últimos anos mostra que a história de Zumbi e do quilombo dos Palmares ensinada nos livros didáticos tem muitas distorções. [...]

“Os novos estudos sobre Palmares concluem que o quilombo, situado onde hoje é o estado de Alagoas, não era um paraíso de liberdade, não lutava contra o sistema de escravidão nem era tão isolado da sociedade colonial quanto se pensava. O retrato que emerge de Zumbi é o de um rei guerreiro que, como muitos líderes africanos do século XVII, tinha um séquito de escravos para uso próprio. ‘É uma mistificação dizer que havia igualdade em Palmares’, afirma o historiador Ronaldo Vainfas, professor da Universidade Federal Fluminense e autor do Dicionário do Brasil Colonial. ‘Zumbi e os grandes generais do quilombo lutavam contra a escravidão de si próprios, mas também possuíam escravos’, completa”.

Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

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