A conversão de Clóvis, rei dos francos


10/07/2010

Guilherme Félix de Sousa Martins

Outra poderia ter sido a História, caso Clóvis não se tivesse convertido à fé católica, num acontecimento-marco da constituição do reino franco e do nascimento da civilização européia

 Durante os primeiros séculos da Era Cristã, aos olhos de muitos a civilização romana, cujas instituições ainda eram tributárias do paganismo antigo, parecia ter atingido um patamar definitivo, no qual a humanidade deveria fixar-se. Seus pensadores o afirmavam, e boa parte do gênero humano dividia com eles tal convicção. Não imaginavam outra organização dos poderes públicos, outra constituição da família, um princípio de classificação social diferente, outra forma de repartição das riquezas, outra interpretação do belo. Por mais tacanha que hoje nos possa parecer tal concepção, ela entretanto tinha cidadania no império dos césares.

Impregnados de tal convicção, as pessoas fechavam os olhos para o atuante germe de corrupção que levaria essa civilização à ruína: o fundo de podridão moral, que já se havia instalado e se tornava cada vez mais patente. Desejo desenfreado de prazeres, diminuição da natalidade daí decorrente, sobrecarga de impostos sobre a classe rural — foram fatores decisivos, aliados a muitos outros, que enfraqueceram as fibras do império.


Estátua de Átila na Hungria

Somados e articulados, esses fatores acabaram por abrir de par em par as comportas para as invasões bárbaras:(1) Em 406, grande onda de investidas, numa ação conjunta de diversos povos; em 451, os hunos chefiados pelo temível Átila, cognominado “o flagelo de Deus”, varrem novamente a Europa; em 476, por fim, havendo ruído todas as resistências, o último imperador romano do Ocidente, Rômulo Augusto, foi destituído por Odoacro, rei dos hérulos.


Os hunos saqueiam um palácio da Roma decadente

A Providência Divina atuava por detrás dos acontecimentos visíveis, e a queda do império abria caminho para uma nova civilização gerada pela inspiração e pelo trabalho benéfico da Igreja Católica. Nessa época, a Igreja já havia adquirido grande influência. O imperador Constantino lhe outorgara a liberdade em 313, pelo Edito de Milão; e seu filho Constâncio II, 40 anos depois, havia declarado ilegais todos os ritos pagãos. Restabelecidos tais ritos por Juliano, o Apóstata, coube ao imperador Joviano fazer com que o império retornasse ao cristianismo.

Após as devastações produzidas pelas invasões bárbaras, só a Igreja permanecia de pé, como ponto de referência e de apoio, qual rochedo em face das tempestades. 


Mapa do Reino dos Francos durante o governo de Clóvis

 Primórdios da formação do reino franco

Dentre os povos vizinhos do Império Romano por ocasião da derrocada deste, e que foram aos poucos se apropriando de seus domínios, encontravam-se os francos,(2) mescla de grupos diversos de origem germânica, provenientes dos Países Baixos.

No ano de 481, os francos salianos ou sálios (uma das tribos francas), situados a oeste do Reno com sede na cidade de Tournai, reconheceram como seu rei o jovem Clóvis (ou Luís, como hoje seria chamado), de 15 anos de idade, mas já maduro, exibindo como símbolo de seu poder uma longa cabeleira loira. Seu pai Childerico descendia de Meroveu, personagem um tanto desconhecido que emprestou seu nome à dinastia. Clóvis foi conquistando as outras tribos francas, tornando-se rei de um povo enérgico, aguerrido, mas já sedentário e afeito ao trabalho do campo; era um povo ainda pagão como seu novo soberano, em meio a tantos outros bárbaros, estes pervertidos pela heresia ariana.

Aproveitando o potencial guerreiro de seu povo, e vendo diante de si enormes espaços sem dono, Clóvis avançou em direção ao sul, ocupando o que restava da Gália romana. Já os visigodos tinham se apoderado do sudoeste da Gália, e os burgúndios da parte sudeste. No centro-norte governava Syagrius, sucessor do último administrador do império romano. Não detinha nenhum título de legitimidade, pois já nada restava da estrutura do governo imperial.


Santa Clotilde suplica a Clóvis que se converta ao cristianismo

Clóvis e Clotilde: matrimônio providencial

Os francos resolveram avançar sobre Soissons, a capital do território de Syagrius, dominando-o como também a todo o pretenso reino deste, após alguns poucos enfrentamentos. Syagrius refugiou-se junto aos visigodos, sendo depois entregue a Clóvis, que o fez decapitar secretamente. Soissons, cidade ainda impregnada pelo esplendor do império, tornou-se capital dos francos. Clóvis passou a dominar toda a parte norte da Gália, limitada pelo rio Sena. Seu prestígio atravessou rapidamente as fronteiras do território franco.

Aos 25 anos casou-se com Clotilde, filha de um dos reis burgúndios, cristã como sua mãe, famosa por sua beleza e por suas virtudes. Apesar das resistências da princesa, motivadas pelo temor de unir-se a um pagão, o matrimônio celebrou-se em 492, após alguns bispos a convencerem da grande utilidade daquela união para o futuro da fé católica na Europa.

Clotilde procurava por todos os modos a conversão de seu real esposo, e conseguiu deste autorização para que seu primeiro filho fosse batizado. Planejou uma festa repleta de solenidades, para impressionar o esposo, mas o herdeiro morreu pouco depois. Clóvis estava convencido de que uma conversão significaria um rebaixamento, uma diminuição das forças do reino, além do perigo de distanciamento em relação a seu próprio povo.

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