Felipe II, o rei Prudente Figura exponencial no século XVI


11/11/2004

José Maria dos Santos

O soberano em cujos domínios o sol não se punha, odiado pelos protestantes que o cognominaram Demônio Negro do Sul, era admirado por seus conterrâneos, que lhe atribuíram o título de Prudente


Felipe II: soberano de vasto Império, com a anexação de Portugal

Sir Charles Petrie, que escreveu abalizada biografia de Felipe II, diz no início de sua obra: “Escrever a vida de Felipe II em seis volumes seria relativamente fácil. Mas fazê-lo em um, supõe a omissão de muitas coisas de grande interesse e importância”.(1) Se isso se diz de um livro, quanto mais se aplica aos limites de um artigo. Por isso, abordaremos aqui somente alguns aspectos e fatos salientes da vida desse homem de tão rica personalidade. Ele tem tanto ardorosos defensores quanto radicais opositores; em torno dele levantou-se toda uma legenda negra, que só no século passado os estudiosos conseguiram em grande parte desfazer. Figura ele nesta seção por seus lados de grandeza e pelo que fez em defesa da fé católica, apesar de aspectos negativos que sua existência apresenta.

Felipe II nasceu em Valladolid em 21 de maio de 1527, filho do Imperador Carlos V, do Sacro Império, que nesse momento era “tão feliz como raramente pode ser um homem na Terra. Dono do Império mais vasto que o mundo havia conhecido; esposo, aos vinte e seis anos, da mulher mais bela da Europa”, Isabel de Portugal.

Segundo seu biógrafo Carrera, logo cedo o menino aprendeu “a amar e a temer a Deus; a ler, a escrever; a aritmética, que sabia melhor; e a língua latina, a italiana e a francesa”,(2) o suficiente para ler e entender uma conversação, mas não para falá-las corretamente.

Aos 12 anos faleceu sua mãe, a quem era muito apegado, visto que seu pai estava constantemente em viagens. Começaram a proporcionar-lhe então uma educação política mais rigorosa. Para isso, recebeu a estreita colaboração de um Conselho de Regência, integrado por D. Francisco de Cobos, o Cardeal Tavera e o Duque de Alba.

Regente da Espanha com apenas 14 anos

Em 1541, aos 14 anos, Felipe “aparentava mais idade, pois era comedido em suas maneiras e cauto na conversação; quando falava, era digno de ouvir-se”.(3) Fez uma incursão no Rossilhão invadido pelos franceses, onde foi armado cavaleiro.

No mesmo ano seu pai, empenhado em guerra com a França, nomeou-o regente.

Felipe II não foi feliz em seus casamentos, que duraram pouco. O primeiro deles foi com sua prima-irmã Maria Manuela, princesa de Portugal, em 12 de novembro de 1543. Durou pouco mais de um ano, falecendo a princesa depois de dar à luz um filho, o infeliz D. Carlos.

Em 1554 casou-se com Maria Tudor, rainha da Inglaterra, que havia restaurado havia pouco o catolicismo nesse país.(4) Contudo o matrimônio foi infecundo, falecendo Maria quatro anos depois.

No ano seguinte a esse matrimônio, Felipe recebeu a soberania dos Países Baixos. Dirigindo-se para lá, converteu-se em um monarca muito querido por seus súditos. Em 1556, abdicando Carlos V, ele se tornou soberano de Castela e Aragão, e um dos monarcas mais importantes de seu tempo.


Fachada do Mosteiro - Palácio do El Escorial construído por Felipe II

Defensor da fé e da verdadeira religião

“Tornando-se rei, devotado ao catolicismo, Felipe defendeu a fé através do mundo, opondo-se ao progresso da heresia; e essas duas coisas são a chave de todo o seu reinado”.(5)

Em 10 de agosto de 1557, conseguiu uma das mais importantes vitórias de seu reinado, sobre os franceses, na batalha de Saint Quentin. Em ação de graças, projetou a construção do Mosteiro-palácio do El Escorial, considerado por muitos como a 8ª maravilha do mundo. No ano seguinte, derrotou novamente os franceses na batalha de Château-Gravelines, e em abril de 1559 assinou com eles a Paz de Cateau-Cambresis, que previa, para consolidá-la, seu casamento com a princesa Isabel de Valois, filha de Henrique II da França. Deste enlace nasceriam duas filhas: Isabel Clara Eugênia e Catarina Micaela. A Rainha Isabel morreria em maio de 1568, aos 23 anos de idade, sem descendência masculina.

Felipe continuou a política dos Reis Católicos, e empenhou-se a fundo na supressão da heresia luterana, que começava a grassar em alguns lugares do reino, principalmente em Valladolid e Sevilha. Os recalcitrantes que não queriam abjurar a seita, após condenados pelo tribunal da Inquisição, sofriam a pena de morte. Respondendo a um nobre condenado à morte, que reprovava sua enérgica atitude, Felipe afirmou: “Se meu próprio filho fosse culpado como você, eu o levaria com minhas próprias mãos ao cadafalso”. Com louvável severidade, Felipe conseguiu exterminar a heresia na Espanha.(6)


As esquadras cristãs derrotaram os muçulmanos em 1571

Em Lepanto: intervenção miraculosa de Nossa Senhora

Entretanto, outro inimigo apareceu ameaçando o reino: os mouros. Vencidos no antigo reino de Granada, continuavam eles na Espanha, quase formando um Estado à parte, pois conservavam suas leis, sua religião, seu modo de vestir, seus usos e costumes. E ameaçavam a segurança do país, constantemente em contato com seus correligionários do norte da África. Como Felipe desejava que os mouros se integrassem à população espanhola, deixando assim de ser uma ameaça, os maometanos se revoltaram, dando origem a uma batalha que durou três anos (1567-1570). Felipe II escolheu seu meio-irmão, D. João d’Áustria, para combatê-los. Este desbaratou de vez os islamitas, acabando com tal perigo.

Mas o poderio muçulmano continuava atuante no mar, ameaçando a Cristandade. Para liquidá-lo, Felipe II entrou na Liga formada pelo Papa São Pio V – constituída pelos Estados Pontifícios, Veneza e Gênova –– que redundou na célebre Batalha de Lepanto (7 de outubro de 1571), sob o comando de D. João d’Áustria, e cuja vitória foi devida à intervenção de Nossa Senhora do Rosário.

Felipe II teve que enfrentar a sublevação dos Países Baixos. Para debelá-la, enviou o seu mais famoso general, o Duque de Alba, que prendeu dois dos chefes rebelados, os Condes de Horm e de Egmont, e mandou-os executar.

Voltou a casar-se em 1570, desta vez com sua sobrinha Ana d’Áustria. Tiveram cinco filhos, sobrevivendo somente o futuro Felipe III. A Rainha Ana faleceu em 1580, e Felipe permaneceu viúvo o resto de seus dias.

Anexado Portugal, o maior império jamais conhecido

Em 1580, tendo perecido na batalha de Alcácer-Kibir o jovem rei de Portugal, D. Sebastião, e morrido o velho Cardeal D. Henrique, Felipe II pleiteou o trono português, por ser o descendente mais direto do Rei D. Manuel ainda vivo. O Duque de Alba entrou com seu exército no país, assegurando sua anexação à coroa da Espanha. Com isso, Felipe II somou também a seus domínios todas as possessões portuguesas do ultramar, inclusive o Brasil. Tal união durou 60 anos (1580-1640).

Pode-se calcular a alta responsabilidade desse homem que governava meio mundo. Considerando só a Espanha, já era muito: “A Espanha não era um estado unificado, era mais propriamente uma associação de autonomias, cada uma com suas próprias leis e instituições; o país não tinha exército permanente nem marinha; não tinha burocracia de Estado nem um sistema de imposto com vigência em todo o território peninsular; e o rei herdou uma fazenda em bancarrota”.(7)

Lamentável fracasso da Invencível Armada

Por isso, na intimidade, às vezes o grande rei queixava-se: “Não creio que haja forças humanas que bastem para tudo, quanto mais as minhas, que são muito fracas”. E ainda: “Certo, não se pode mais. E quem visse o que hoje passei, veria que estou feito mil pedaços. Deus me dê forças e paciência”.(8)

A situação dos Países Baixos continuava a causar constante preocupação ao Rei Prudente. Mesmo com o envio do competente general Alexandre Farnésio para aquela região, os conflitos não cessavam. Os rebeldes protestantes de lá eram insuflados por Isabel I, da Inglaterra, que almejava o triunfo dessa heresia em toda a Europa.

Felipe II decidiu então tomar uma medida drástica e corajosa: invadir a Inglaterra. Para isso organizou a chamada Invencível Armada, no ano de 1588. Mas, seja porque essa tarefa tenha sido atribuída a um homem incompetente em matérias navais, seja devido às tempestades que dispersaram os navios, a iniciativa redundou num desastre. Fracasso este que determinou o início de um declínio do reinado do grande monarca espanhol.

Fortaleza nos derradeiros sofrimentos

Felipe II foi submetido a terríveis provações no fim de sua vida. À medida que envelhecia, os ataques de gota repetiam-se com mais freqüência; e, devido à artrose, não podia mais assinar.

No fim do mês de junho de 1598 foi atacado de febres terçãs, que o prostraram na cama com tão intensas dores, que o impediam de se mover até para lavar-se e trocar de roupa. Ele próprio, tão cioso da limpeza, teve que suportar a falta de asseio em seu próprio corpo, situação penosa a que a moléstia o submetia. Chamou seu filho à cabeceira, para mostrar-lhe como é que cessavam as grandezas do mundo.

Sua agonia durou 53 dias, vindo a falecer aos 71 anos de idade, no dia 13 de setembro de 1598, no Escorial, que ele havia edificado e tanto amara.

*     *     *

Notas:

1. Sir Charles Petrié, Felipe II, Editora Nacional, Madrid, 1964, p. IX.

2. William Thomas Walsh, Felipe II, Espasa-Calpes, SA, Madrid, 1968, p. 41 

3. Sir Charles Petrié, op.cit., p. 22.

4. Maria Tudor era filha de Catarina de Aragão, a mais nova das filhas dos Reis Católicos, Isabel e Fernando. Era prima segunda de Felipe, ou, à moda espanhola, sua tia, pois era prima em primeiro grau de seu pai. Tal casamento foi predominantemente político, mas com louvável objetivo religioso, pois visava reforçar o partido católico na Inglaterra.

5. Godefroid Kurth, The Catholic Encyclopedia, Volume XII, 1911, by Robert Appleton Company – Online Edition, Copyright © 2002 by Kevin Knight.

6. Id., ib.

7. www.el-mundo.es/larevista/num124/textos/felipeii.html

8. Id., ib.

Veja:
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