A nova Constituição européia perante a consciência católica
24/11/2004
José Antonio Ureta
Em
junho último, foi aprovada pelos chefes de Estado e de governo dos países
membros da União Européia uma nova Constituição, que viola priípios
básicos da doutrina católica
e a própria Lei natural.
Símbolo laico da União Européia, cuja Constituição ignorou...
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O novo texto da Constituição européia substituirá todos os
tratados já assinados até o presente, no processo de unificação continental,
e, para entrar em vigor, é necessário a ratificação dos 25 países membros
da União, cada qual segundo seus mecanismos legislativos próprios. Vários
governantes — notadamente os da França e Reino Unido — anunciaram que convocarão
os respectivos eleitorados para se pronunciarem mediante referendum.
Isso
coloca desde já sérios problemas de consciência para os católicos europeus:
podem eles aprovar o texto constitucional elaborado pelo Præsidium da
Convenção que trabalhou sob orientação do ex-presidente francês Valéry
Giscard d'Estaing? Com efeito, esse texto constitucional apresenta uma
lacuna fundamental: omite propositadamente qualquer referência à herança
cristã da Europa.
Mais
grave ainda, em aspectos fundamentais, o texto entra em choque frontal
com a moral natural e com os dez Mandamentos da Lei de Deus. A redação
final estabelece que a visão européia da pessoa humana e de seus direitos inspira-se “nas
heranças culturais, religiosas e humanistas da Europa”, nascidas das civilizações
grega e romana e marcadas posteriormente “pelas correntes filosóficas da
Ilustração”. Omite-se a referência aos 15 séculos de cristianismo, sem
os quais Europa é incompreensível. Consta nele apenas a alusão a um vago
“impulso espiritual” que vem alentando a Europa e continua presente em
seu patrimônio…
...as raízes católicas de sua história
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Negar
as raízes cristãs da Europa equivale
a desnaturá-la
A
questão está longe de ser inócua. Já tinha sido abordada durante a redação
da nova Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, que constitui
hoje o Preâmbulo da nova Constituição, e da qual também havia sido eliminada
qualquer referência religiosa. Segundo o socialista francês Guy Braibant,
representante do governo de seu país e vice-presidente da Convenção redatora
da Carta, a omissão de qualquer referência a uma “herança religiosa” impunha-se,
para evitar que esta fosse considerada como a “fonte de inspiração dos
direitos fundamentais”.(1)
Não
tendo nenhuma base religiosa, os direitos da pessoa humana passam a ser
relativos e podem evoluir ao sabor de teorias jurídicas atéias que aceitam
como autênticos direitos humanos o aborto, a eutanásia, o “casamento” homossexual,
a revolta dos filhos contra os pais etc.
De
outro lado, a Religião passa assim a ser eliminada da vida pública e relegada à mera
esfera privada dos cidadãos. Ou seja, o ideal de vida pública sonhado pelos
mais furibundos anticlericais. Eis as sugestivas palavras do Sr. Braibant,
a propósito do caráter laico da Carta de Direitos Fundamentais:
“A
maior parte dos países que a compõem [a UE] não são laicos eles próprios,
e algumas de suas constituições referem-se a Deus. Essa é, aliás, a razão
pela qual a laicidade não pode ser incluída entre os valores comuns da
Europa. [...] Esse caráter não laico da maior parte dos países da Europa
não impede que a Europa ela própria seja laica. Segundo o conhecimento
que tenho, nenhum dos textos [jurídicos] europeus –– e eles são numerosos –– tem misturado o espiritual e o temporal.
Fazê-lo hoje seria desnaturar a Europa”.(2)
Pelo
contrário, consiste em desnaturar a Europa arrancar de sua alma e de sua
história os valores cristãos e a influência da Igreja Católica, que fizeram
sua grandeza e são a garantia do respeito aos direitos pessoais e
sociais por parte dos Poderes Públicos!
Já havia
alertado para as conseqüências dessa grave omissão João Paulo II. Perante
os participantes de um encontro em Roma, destinado a analisar o projeto
de nova Constituição européia, o Pontífice afirmara que se a herança cristã e
o papel social das igrejas não for levado em consideração, “corre-se o
risco de legitimar essas orientações do laicismo e do secularismo agnóstico
e ateu, que levam à exclusão de Deus e da lei moral natural dos diferentes âmbitos
da vida humana”.(3)
Rompimento
com o glorioso passado cristão
Infelizmente,
eis a triste realidade: Deus e a Lei moral foram banidos da Constituição
européia, já aprovada pelos Chefes de Estado e de governo e em via de ratificação.
Para
verificar tal realidade, basta analisar a Carta dos Direitos Fundamentais
da União Européia, que, como dissemos, faz parte do Preâmbulo da nova Constituição
e representa, segundo o Sr. Braibant, “um novo ato fundador da União
Européia”, e “pode-se sonhar que ela venha a ser um dia a ‘alma da Europa’”.(4)
Analisemos
algumas de suas disposições:
1
— Favorecimento do aborto e da eutanásia
Essa
concepção atéia, que mesmo a Santa Sé denuncia, torna-se patente já no
artigo 2º da Carta, que trata do direito à vida. Após ser estabelecido
no primeiro artigo que “a dignidade humana é inviolável”, e que “ela deve
ser respeitada e protegida”, o artigo seguinte limita-se a afirmar: “Toda
pessoa tem direito à vida”, sem mais.
Alguns
membros da Convenção haviam apresentado emendas, precisando que dita proteção
devia abranger desde a concepção até a morte natural. Mas elas não foram
aceitas. Pois, de um lado, como explica ainda o Sr. Braibant, não era conveniente
alterar o status quo em matéria de aborto, que é legalizado na maioria
dos países europeus; e, de outra parte, “alguns Estados, como os Países
Baixos, orientam-se para um reconhecimento parcial e progressivo do ‘direito
a uma morte digna’”(5) — eufemismo indecente para referir-se à eutanásia.
O ex-presidente francês Giscard d’Estaing dirigiu a elaboração
da Constituição européia
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2
— Autorização da “clonagem não reprodutiva”
Igualmente,
o artigo 3º sobre o “Direito à integridade da pessoa” estabelece que, no
quadro da medicina e da biologia, “deve notadamente ser respeitada: […]
a interdição da clonagem reprodutiva dos seres humanos”. Dessa forma, as
clonagens ditas “terapêuticas” — ou seja, a fabricação imoral de embriões
humanos para servir de peças de reposição de pessoas doentes — não ficam
proibidas.
3 — A porta fica aberta ao eugenismo
No
mesmo artigo 3º sobre a integridade da pessoa, são teoricamente interditadas
“as práticas eugênicas, notadamente aquelas que têm por finalidade a seleção
das pessoas”. Porém, na explicação do texto, o Sr. Braibant mitiga o alcance
da interdição, observando que “uma tal fórmula não deve ser interpretada
com um rigor excessivo; ela não se opõe a interrupções voluntárias de gestação
[ou seja, aborto] destinadas a evitar, naturalmente com o consentimento
dos pais e sob controle médico, o nascimento de seres que ficariam destinados
por toda a vida, por razões genéticas, a sofrer handicaps insuportáveis
para si próprios e para os que os rodeiam”.(6)
O
que significa selecionar para a morte os “geneticamente incorretos”, senão
o velho eugenismo propiciado pelos nazistas?
4
— Promoção do pseudo-casamento homossexual
O
artigo 9º da Carta reconhece “o direito de casar-se”, sem especificações.
Com essa formulação, ela introduz uma inovação em relação ao artigo 12
da Convenção Européia dos Direitos do Homem, do Conselho da Europa, que
dizia explicitamente: “a partir da idade núbil, o homem e a mulher têm
o direito de casar-se e de formar uma família”.
Segundo
o vice-presidente da Convenção redatora, o desaparecimento dessa referência
ao homem e à mulher “traz consigo o reconhecimento implícito dos casamentos
homossexuais, já admitidos em vários países”.(7)
O
“casamento” entre homossexuais, que clama ao Céu e pede a Deus por vingança
(como ensinavam os antigos catecismos), é assim permitido pelo documento
fundador da Europa nascente!
5
— Orientação homossexual é protegida
A
homossexualidade é também protegida pelo artigo 21º da Carta, consagrado à “não
discriminação”. Em virtude de tal artigo, “é interditada toda discriminação
fundada notadamente sobre […] a orientação sexual”.
Nesse
particular, a Carta também introduz uma inovação no tocante aos precedentes
instrumentos internacionais de proteção dos direitos da pessoa humana.
É preciso
assinalar igualmente que a Carta estendeu o campo de interdição da discriminação.
Segundo o Sr. Braibant, “o acento não é mais posto somente nos atos das
autoridades públicas, […] mas na interdição geral de ‘toda discriminação’,
quem quer que seja o autor, público ou privado, em relação a qualquer direito
e qualquer que seja o fundamento”.(8)
A
sodomia, assim, não fica apenas equiparada ao matrimônio, mas protegida
por uma cláusula específica de não discriminação. Contraria-se abertamente,
desse modo, o ensino da Igreja segundo o qual a homossexualidade, por ser
intrinsecamente desordenada, não pode jamais ser fonte de um direito.
Assim
sendo, como tem acontecido em vários países, uma escola católica seria
condenada em virtude desse artigo, caso excluísse de seu quadro acadêmico
um professor que praticasse o homossexualismo.
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Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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