Auto-retrato filosófico de Plinio Corrêa de Oliveira
22/07/2004
Plinio Correa de Oliveira
Principais
elementos doutrinários de Revolução
e Contra-Revolução
Tudo
isto dito, ficam aqui resumidos os principais elementos doutrinários em
que baseei Revolução e Contra-Revolução :
a) a missão da Igreja como única
Mestra, Guia e Fonte de Vida dos povos rumo à civilização perfeita;
b) a contínua oposição das paixões
desordenadas, particularmente do orgulho e da luxúria, à influência da
Igreja;
c) a existência, para o espírito
humano, de dois pólos opostos, para um dos quais necessariamente ruma:
de um lado a Fé católica, que induz ao amor da ordem, da austeridade e
da hierarquia; e de outro lado as paixões desordenadas, que induzem ao
desbragamento, à revolta contra a lei, contra a hierarquia, contra qualquer
forma de desigualdade, e que levam por fim à dúvida e à inteira negação
da Fé;
d) a noção de um processo entendida a expressão sem prejuízo
do livre arbítrio pelo qual gradualmente os indivíduos ou os povos,
sofrendo a atração dos dois pólos opostos, se vão aproximando de um deles
e distanciando do outro;
e) a influência desse processo
moral sobre a elaboração das doutrinas. As más tendências inclinam ao erro.
As boas tendêcias inclinam à verdade. As grandes modificações no espírito
dos povos não são um mero resultado de doutrinas elaboradas por pequenos
cenáculos de intelectuais que elucubram serenamente à margem da vida. Para
que uma doutrina encontre ressonância num povo, é mister o mais das vezes
que as tendências desse povo tenham afinidade com tal doutrina. E não é raro
que a própria reflexão feita pelos doutos, nos gabinetes, seja mais influenciada
do que se pensa por essas apetências do ambiente no qual eles mesmos vivem.
Algumas
definições fundamentais: Ordem, Revolução, Contra-Revolução
Tendo
tudo isto em mira, é fácil definir os conceitos de:
1. Ordem , que não é apenas
a disposição metódica e prática das coisas materiais, mas, conforme o conceito
tomista, a reta disposição das coisas segundo o seu fim próximo e remoto,
físico e metafísico, natural e sobrenatural;
2. Revolução , que não é essencialmente
uma agitação de rua, um tiroteio ou uma guerra civil, mas todo esforço
que visa dispor os seres contra a Ordem;
3. Contra-Revolução , todo
esforço que vise circunscrever e eliminar a Revolução.
Revolução
A, tendenciosa e sofística; Revolução B, nas leis, estruturas, instituições
e costumes
Como
se vê, tanto a Ordem como a Revolução e a Contra-Revolução podem existir:
a) nas tendências; b) nas idéias; e c) nas leis, nas estruturas, nas instituições,
nos costumes.
Assim,
chamo de tendenciosa a Revolução enquanto existente nas tendências.
E de sofística enquanto
se desenvolve no terreno das doutrinas, ao sopro das tendências.
Estas
duas modalidades de Revolução constituem um fenômeno eminentemente espiritual,
isto é, têm como campo de operação a alma humana e a mentalidade das sociedades.
Elas formam portanto um todo, que denomino Revolução A .
Quando
a Revolução passa do interior das almas para os atos, produzindo convulsões
históricas, desordenando as leis, estruturas, instituições, etc., ela constitui
o que chamo de Revolução B .
Claro
está que estas noções, apresentadas assim com o máximo de brevidade, pedem
uma série de ressalvas e de conformes, que exponho em Revolução e Contra-Revolução ,
e que não caberia aqui explanar.
Limito-me
a esclarecer que, delineando nesses traços o que há de mais essencial na
História, não pretendo que ela se reduza a isto. A observação mais elementar
indica que um sem-número de fatores, entre os quais os étnicos, geográficos
e econômicos, condicionam possantemente o curso da História.
Quem
for igualitário terá forçosamente objeções contra a Fé
Resta-me
dizer uma palavra sobre o nexo existente entre o igualitarismo absoluto
e metafísico, e a Fé. Quem for radicalmente igualitário terá forçosamente
um sem-número de objeções à doutrina católica. Os conceitos de um Deus
pessoal, perfeito e eterno, que paira infinitamente acima de suas criaturas
imperfeitas e contingentes; da ordem sobrenatural, que transcende a ordem
natural; da Lei promulgada por Deus, à qual cumpre obedecer; da Revelação,
que comunica à mente humana verdades superiores à sua capacidade natural
de conhecimento; do Magistério infalível da Igreja; das notas monárquica
e aristocrática da estrutura desta; tudo, enfim, e até a noção de um Juízo
em que os bons vão ser premiados e os maus castigados, irrita o igualitário
e o convida à negação.
A
contrario sensu , o católico aprende em Santo Tomás ( Summa Theologica , I,
q. 47, a. 2) que a desigualdade é uma condição necessária para a perfeição
da ordem criada. E, em conseqüência, as desigualdades de poder, ciência,
categoria social e fortuna são intrinsecamente legítimas e indispensáveis à boa
ordem, desde que não se acentuem a ponto de negar a cada homem a dignidade,
a suficiência e a estabilidade de vida a que tenha direito por sua condição
de homem, por seu trabalho, etc.
Primeira
Revolução: Humanismo, Renascença, Protestantismo
Isto
posto, descobre-se o sentido profundo da Revolução A sofística e
da Revolução B ocorridas
na Europa, no século XV, em conseqüência da anterior Revolução A tendenciosa ,
acima descrita.
O
declínio da Idade Média foi marcado por uma explosão de orgulho e sensualidade.
Essa explosão gerou tendências igualitárias e liberais, que não fizeram
senão progredir nos séculos seguintes.
No
Humanismo e na Renascença revela-se a hostilidade ao sobrenatural, ao Magistério
da Igreja, bem como à austeridade dos costumes. No Protestantismo se encontram
o livre-exame, o minimalismo em face do sobrenatural, o favorecimento do
divórcio, a abolição do estado religioso, das austeridades e sujeições
expressas nos votos de pobreza, castidade e obediência, e a eliminação
virtual da hierarquia eclesiástica. Com efeito, em quase todas as seitas
protestantes há o estado eclesiástico. Mas a diferença nítida e profunda
entre o eclesiástico e o leigo, existente na Igreja Católica, ficou nelas
debilitada em virtude do modo pelo qual entendem o sacerdócio. Ademais,
a estrutura hierárquica do estado eclesiástico, como é instituída na Igreja,
também foi profundamente mutilada, nas seitas protestantes, pela negação
do elemento monárquico, que é o Papado. Se entre os anglicanos a tendência
igualitária não chegou a suprimir a dignidade episcopal, já entre os presbiterianos
não há dignitários intitulados bispos , mas apenas presbíteros .
Em outras seitas o sopro do igualitarismo chegou a ponto de abolir mesmo
a condição de sacerdote .
Ao
realçar a importância do fator liberal e igualitário no Humanismo, na Renascença
e no Protestantismo, não pretendo negar, é claro, que outras causas tenham
concorrido para a gênese e expansão desses movimentos. Digo apenas que,
na origem, na psicologia, nas doutrinas, no que hoje se chamaria de êxito
propagandístico e nas realizações desses movimentos, a Revolução A tendenciosa ,
de sentido radicalmente anárquico e igualitário, representou o papel de
força mestra.
Também
não pretendo afirmar que essa força mestra tenha atuado apenas nas nações
que se separaram da Igreja. A Renascença e o Humanismo sopraram com toda
a intensidade mesmo nos países que continuaram nominalmente católicos.
E ainda que a Revolução A tendenciosa não tenha chegado a provocar uma ruptura explícita
deles com a Igreja, despertou entretanto formas larvadas de protestantismo,
das quais a principal foi o jansenismo. Este produziu um progressivo esfriamento
religioso, que culminou no ceticismo. Um estudo atento do absolutismo real,
que em nenhum país protestante assumiu formas mais radicais do que na França
católica, mostra que a política dos monarcas absolutos, em tudo quanto
não dizia respeito à sua própria autoridade, era marcada por certo espírito
igualitário. A redução dos privilégios do clero e da nobreza, feita progressivamente
pelos reis absolutos, rumava para uma equiparação política de todos os
cidadãos sob o poder do monarca. O favorecimento contínuo, pelos reis,
da parte mais atuante e desenvolvida da plebe, isto é, da burguesia, contribuiu
ainda mais para a igualdade política.
Segunda
Revolução: Enciclopedismo, absolutismo, Revolução Francesa
A
corrupção dos costumes, que vinha crescendo desde o fim da Idade Média,
atingira no século XVIII um grau que espantava até alguns de seus corifeus.
A
sociedade francesa, túmida dos fatores que nos países nórdicos haviam produzido
o Protestantismo, se preparava, através do enciclopedismo e do absolutismo,
para uma convulsão profunda, que outra coisa não seria senão a projeção,
na esfera política, social e econômica, com novos desdobramentos no campo
religioso e filosófico, daquilo que fora a essência do Protestantismo.
Assim,
quando este último, em fins do século XVIII, já cansado e envelhecido,
se mostrava falho de força de expansão, minado por dentro pelos progressos
crescentes da dúvida e do ceticismo, e conservando uns restos de vida graças
principalmente ao apoio do Estado, na França as tendências liberais e igualitárias
atingiam um ápice. O Humanismo e a Renascença estavam mortos havia muito
tempo. No Protestantismo, como acaba de ser dito, tudo estava gasto. Mas
o que esses três movimentos tinham de mais dinâmico e fundamental o
espírito que os suscitara a eles sobrevivera e estava mais forte
do que nunca. Esse espírito haveria de lançar a França, e depois a Europa
inteira, num cataclismo liberal e igualitário.
A
Revolução Francesa de tal maneira era marcada pelo espírito protestante,
que a Igreja constitucional por ela organizada não era senão um mal velado
instrumento para implantar na França um verdadeiro Protestantismo. O sentido
igualitário, antimonárquico e antiaristocrático da Revolução Francesa é a
projeção, na esfera civil, da tendência igualitária que levou o Protestantismo
a rejeitar os elementos aristocrático e monárquico da hierarquia eclesiástica.
O fermento comunista, que trabalhava a extrema esquerda da Revolução, e
que acabou por se explicitar em movimentos como o de Babeuf, não era senão
o símile laico dos movimentos comunistas, como o dos irmãos Morávio, que
brotaram daquilo que se poderia chamar a extrema-esquerda protestante.
A completa laicização do Estado, a mascarada greco-romana, a contínua evocação
das repúblicas do paganismo clássico, mostravam na Revolução Francesa o
efeito do Humanismo, da Renascença e do Enciclopedismo.
Cumpre
insistir. O Protestantismo, o Humanismo, a Renascença não foram senão aspectos
que o espírito anárquico e igualitário tomou em sua longa trajetória histórica.
Esses aspectos se extinguiram, em parte porque o espírito que os suscitara,
destruidor por excelência, os aniquilara no seu próprio foco. A Revolução
Francesa não foi senão um aspecto novo e ainda mais enérgico desse mesmo
espírito.
A
Revolução Francesa propagou-se por toda a Europa nas
mochilas das tropas de Napoleão
Através
de vicissitudes históricas bem conhecidas, a Revolução Francesa, aparentemente
encerrada com a instauração do Império, propagou-se na mochila das tropas
de Napoleão por toda a Europa. As guerras e revoluções que marcaram o período
de 1814 a 1918, isto é, da queda de Napoleão até a queda dos Habsburg,
dos Romanov e dos Hohenzollern, foram um conjunto de convulsões ao longo
das quais toda a Europa se metamorfoseou segundo o espírito da Revolução
Francesa. Os resultados da II Guerra Mundial não fizeram senão acentuar
ainda mais essa metamorfose. Hoje, das antigas monarquias européias só resta
uma meia dúzia, todas tão tímidas em se afirmarem e tão dóceis em se deixarem
modelar cada vez mais pelo espírito republicano, que se tem a impressão
de que a todo momento estão a pedir desculpas por ainda viverem...
Ao
fazer estas observações, de modo nenhum quero negar que houvesse, nas estruturas
assim destruídas, reais abusos que estavam a pedir corretivo. Nem quero
dizer que a adoção de uma forma de governo eletiva e popular só possa resultar
do espírito igualitário e liberal que venho analisando. Isto não seria
verdade em doutrina, nem se justificaria em vista da História. A Idade
Média conheceu várias estruturas políticas aristocráticas, se bem que não
monárquicas, como a República de Veneza, e várias estruturas sem caráter
monárquico nem aristocrático, como certos cantões helvéticos e cidades
livres alemãs. Todas essas formas de governo conviviam pacificamente entre
si. Pois se compreendia a legítima diversidade de formas de governo segundo
os tempos, os lugares e as demais circunstâncias.
A
Revolução que eclodiu em fins da Idade Média era animada de um espírito
completamente diverso do que levara à formação dos Estados aristocráticos
ou burgueses da Europa medieval. Esse espírito importava na afirmação da
liberdade absoluta e anárquica, e da igualdade completa, como únicas regras
de ordem e justiça, válidas para todos os tempos e todos os lugares.
Por
sua vez, esse espírito minou a sociedade burguesa, politicamente igualitária,
a que dera origem. E passou por fim a se manifestar na mais audaciosa de
suas afirmações, na terceira grande Revolução do Ocidente, que é o comunismo.
Os
princípios de 1789: tendência para a liberdade e igualdade completas
A
tese igualitária exprimiu-se na Declaração dos Direitos do Homem magna
carta da Revolução Francesa e da era histórica por esta inaugurada em
toda a sua nudez: Os homens nascem e permanecem livres e iguais
em direitos . É claro que este princípio é suscetível de uma
boa interpretação. Fundamentalmente, isto é, considerados em sua natureza,
os homens realmente são iguais. É apenas pelos acidentes que são desiguais.
Por outro lado, sendo dotados de uma alma espiritual, e portanto de inteligência
e vontade, são eles fundamentalmente livres. Os limites dessa liberdade
estão apenas na lei natural e divina e no poder das diversas autoridades
espirituais e temporais às quais os homens devem sujeitar-se.
Que
em todos os tempos tenha havido autoridades que violaram a fundamental
igualdade e a fundamental liberdade do homem, ninguém o pode negar. Que
ao longo da História se notaram, em contrapartida, sucessivos movimentos
de defesa em face dos excessos da autoridade, procurando contê-la em seus
justos limites, é evidente. Que tais movimentos, enquanto circunscritos
a esse objetivo, só merecem aplauso, também é inquestionável. A igualdade
e a liberdade retamente entendidas podiam ser lembradas utilmente
no século XVIII, como em qualquer outra época.
É bem
certo que em 1789, entre os revolucionários das primeiras horas, havia
pessoas que não desejavam senão uma justa contenção do Poder Público, e
entendiam a igualdade e a liberdade promulgadas pela Declaração dos Direitos
do Homem no seu sentido mais favorável.
Mas
o texto da famosa Declaração era por demais genérico: afirmava a igualdade
e a liberdade sem lhes mencionar qualquer restrição. Isso propiciava uma
interpretação lata e desfavorável: uma igualdade e uma liberdade absolutas
e onímodas.
Bem
entendido, esta interpretação é a que correspondia ao espírito da Revolução
nascente. Ao longo do seu curso, foi ela alijando todos aqueles de seus
partidários que não comungavam nesse espírito. A caça aos nobres e aos
clérigos foi seguida pela caça aos burgueses. Só o trabalhador manual devia
subsistir.
Caído
o Terror, a burguesia, desejosa de eliminar por toda a Europa as antigas
classes privilegiadas, continuou a afirmar os imortais princípios de
1789. Ela o fazia de modo ambíguo e imprudente, não duvidando em suscitar
nas massas populares a tendência para a igualdade e a liberdade completas,
a fim de obter o apoio delas na luta contra a realeza, a aristocracia e
o clero.
Esta
imprudência facilitou em larga medida a eclosão do próprio movimento que
haveria de pôr em xeque o poder da burguesia.
Se
todos os homens são livres e iguais, com que direito existem os ricos?
Com que direito os filhos herdam, sem trabalhar, os bens de seus pais?
O
comunismo utópico proclamou que, desacompanhada da igualdade social e econômica,
a igualdade política burguesa seria uma burla
Já antes
de que a industrialização formasse as grandes concentrações de proletários
subnutridos, o comunismo utópico denunciava como uma burla a mera igualdade
política instituída pela burguesia e exigia a igualdade social e econômica
absolutas. O anarquismo, que sonhava com uma sociedade sem autoridade,
se propagava. Esses princípios radicais, que na fase do comunismo utópico
tiveram um número restrito de militantes, não obstante alcançaram mais
tarde, no Ocidente, uma prodigiosa difusão. Eles minaram aos poucos a mentalidade
de numerosos monarcas, como também de potentados e notabilidades civis
e eclesiásticas. E instilaram assim, em larguíssimas camadas de beneficiários
da ordem então vigente, certa simpatia pela generosidade dos
ideais libertários e igualitários, bem como uma má consciência quanto à legitimidade dos poderes de que se
encontravam investidos.
A
grande realização de Karl Marx não foi, a meu ver, a elaboração do comunismo
dito científico, doutrina confusa e indigesta que poucos conhecem. O marxismo é tão
ignorado pelas bases comunistas e pela opinião pública de nossos dias quanto
as elucubrações de Plotino ou Averróis. Marx conseguiu, isto sim, desencadear
a ofensiva comunista mundial coligando os adeptos de uma tendência radicalmente
igualitária e anárquica, toda ela inspirada no comunismo utópico.
Em
outros termos, se os líderes marxistas, em medida maior ou menor, estão
imbuídos de Marx, os soldados rasos que eles comandam são em geral incapazes
de lhe conhecer a doutrina. O que os move a se aglutinarem em torno dos
seus chefes são vagas idéias de igualdade e justiça, inspiradas no socialismo
utópico. E se os quadros marxistas encontram fora de si mesmos, em certas
zonas da opinião pública, uma aura de simpatia, devem-no ainda à irradiação
quase universal dos princípios igualitários da Revolução Francesa e do
sentimentalismo romântico inerente ao socialismo utópico.
Um
substrato igualitário e anárquico continua a influenciar a fundo a opinião
pública
De
todas estas considerações ressalta com clareza o principal fator do caos
em que o Ocidente vai afundando, e para o qual vai levando o resto do mundo.
Esse fator é a aceitação muito generalizada das tendências e doutrinas
de substrato igualitário e anárquico, as quais, inteiramente démodées nos
círculos propriamente intelectuais, continuam no entanto a influenciar
a fundo a opinião pública. E assim servem de isca aos comunistas para arrastarem
atrás de si, em determinadas conjunturas políticas passadas e presentes,
as turbas com que pretendem arrasar os últimos resquícios de sacralidade
e hierarquia da civilização cristã ainda existentes.
Tudo
isso não importa em afirmar que o pensamento de Proudhon e de seus congêneres
constitua a grande alavanca ideológica dos acontecimentos contemporâneos.
Os utopistas estão mortos, e quase ninguém deles cogita em nossos dias.
Eles não foram senão uma etapa na grande trajetória aberta com os movimentos
ideológicos e culturais do século XVI. Eles contribuíram para dar universalidade às
aspirações de nivelamento econômico-social que a Revolução Francesa continha
apenas em germe. Tais aspirações de total igualdade econômico-social, de
que os utopistas foram apenas os porta-vozes, alcançaram um eco difuso
por todo o mundo. Esse eco continua ao longo da História, muito depois
de terem eles e suas obras caído no olvido.
Se
queremos pois deter os passos à nova catástrofe que nos espreita, cumpre
principalmente desfazer o trágico erro doutrinário que identifica a igualdade
absoluta com a justiça absoluta, e a liberdade verdadeira à qual
a Verdade e o Bem fazem jus com o livre curso e até com o favorecimento
de todos os erros e de todos os desregramentos.
Isto
nos leva a pensar na Contra-Revolução.
A
Contra-Revolução deve apontar os erros metafísicos
fundamentais da Revolução
Ao
longo dos últimos séculos, muitos movimentos se têm erguido contra o processo
revolucionário. Mas o êxito concreto por eles alcançado foi transitório,
e às vezes nulo. Não que a esses movimentos faltasse o apoio de talentos
brilhantes, de pessoas altamente colocadas e até de largos setores populares.
Mas esses movimentos o mais das vezes se limitaram a combater a Revolução
em uma ou outra de suas expressões religiosas, políticas, sociais ou econômicas.
Se bem que, de quando em quando, fizessem aceno aos erros revolucionários
mais profundos e de porte metafísico, eles não insistiam suficientemente
neste ponto. Daí o fato de a Revolução continuar incólume o seu curso.
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