Festa de Glória e de Paz


18/12/2007

Plinio Corrêa de Oliveira

“A sociedade temporal cristã é toda ela refulgente da glória de Deus. Ela a canta a seu modo, como também a canta com acentos inefáveis a sociedade espiritual, que é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. E aqui na Terra a vida do homem é um prenúncio daquele cântico de glória que entoará no Céu pelos séculos sem fim”.

Aproxima-se o Natal — época de luz e de paz — deste ano marcado profundamente por crises que poderão arrastar o mundo a uma época de trevas e de guerras. Para fundamentar essa sombria perspectiva, basta recordar a matéria de capa da edição anterior de Catolicismo, queanalisa a situação político-ideológica da América Latina.

Para esta edição natalina, escolhemos como tema de capa um artigo de Plinio Corrêa de Oliveira, no qual tece considerações a propósito do tão belo quanto conhecido canto angélico descrito por São Lucas –– “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na Terra aos homens de boa vontade!”. Entretanto, inúmeros são aqueles que somente preocupam-se com a “paz na Terra”, sem se incomodar com o “Glória a Deus no mais alto dos Céus”.

Bem sabemos que os homens foram criados para a glória de Deus. Nos dias atuais, estão eles mais voltados para essa suma finalidade sobrenatural? Ou dão mais valor aos prazeres da vida terrena? A essas questões o Prof. Plinio responde magistralmente no artigo que segue, publicado originalmente em nossa edição do Natal de 1959.

O ilustre autor do artigo redigiu-o há 48 anos, período em que o comunismo — através da União Soviética, de países a ela subjugados e de partidos comunistas no Ocidente — atuava no Mundo Livre, especialmente mediante ações subversivas no plano político-social. Após a queda do Muro de Berlim e da Cortina de Ferro, o comunismo — no dizer do próprio Prof. Plinio — sofreu uma metamorfose, continuando porém sua ação deletéria sob a forma de Revolução Cultural. Aplica-se, assim, a esta tudo o que o autor afirma no artigo sobre o comunismo.

“Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade!” (Lc 2, 14). É impossível a qualquer católico meditar sobre o Santo Natal sem que lhe venham à mente –– e, quase diríamos, aos ouvidos –– as palavras harmoniosas e iluminadas com que os anjos, cantando, anunciaram aos homens a grande nova do advento do Salvador. Assim, é a propósito dessas palavras que faremos junto ao presépio, aos pés do Menino-Deus e bem unidos a Maria Santíssima, nossa meditação de Natal.

“Glória”. Como os antigos compreendiam o significado deste vocábulo, quantos valores morais refulgentes e arrebatadores viam nele! Foi para conquistá-la, que tantos reis dilataram seus domínios, tantos exércitos enfrentaram a morte, tantos sábios se entregaram aos mais árduos estudos, tantos desbravadores se embrenharam pelas solidões mais temíveis, tantos poetas fizeram suas produções mais altas, tantos músicos arrancaram do fundo de si mesmos as suas notas mais vibrantes, e tantos homens de negócios se atiraram aos mais ingentes trabalhos. Sim, porque até na riqueza se procurava, não só um fator de fartura, conforto e segurança, mas também de poder, de prestígio — em uma palavra, de glória.

De que vale a glória? Em que sentido ela engrandece a alma?


“Glória”. Como os antigos compreendiam o significado deste vocábulo, quantos valores morais refulgentes e arrebatadores viam nele! Foi para conquistá-la, que tantos reis dilataram seus domínios, tantos exércitos enfrentaram a morte.
Mas que elementos se continham nessa noção de glória? Alguns eram inerentes à pessoa: alta mentalidade, virtude insigne, prática de ações relevantes. Outros estavam ligados ao que hoje se chama opinião pública. A glória, vista deste ângulo, seria o reconhecimento notório, largo, altissonante, dos eminentes predicados de alguém.

De que vale a glória? Em que sentido o desejo de glória engrandece a alma?

Pode-se responder facilmente à pergunta, comparando um homem ávido de glória com outro que coloca todos os seus anelos em bens de natureza diferente: dormir muitas e longas noites em cama macia, nutrir-se com regalo e abundância, sentir-se a salvo de riscos e incertezas, viver sem luta nem esforço, imerso em diversões e prazeres, etc.

Não há dúvida de que os bens materiais foram criados para nosso uso, e que, na justa medida e com os devidos conformes, pode o homem apetecer estes bens. Mas se os erigir em valores supremos da existência, o que se dirá dele? Que é um espírito baixo, egoístico, estreito. Em uma palavra, que pertence à categoria daqueles que a Escritura Sagrada marca com um estigma significativo: têm por deus o seu próprio ventre (cfr. Fil. 3, 19). Espíritos que só compreendem o que importa ao corpo, que ignoram todos os verdadeiros bens da alma, e que, se pudessem, fariam as estrelas caírem do céu e se transformarem em batatas, como escreveu Claudel.

Pessoas que aceitam qualquer ignomínia para “viver em paz”

O que se insinua é precisamente essa cosmovisão: a sociedade humana teria por único fim sólido, palpável, autêntico, promover uma vida farta e aprazível. Todas as questões religiosas, filosóficas, artísticas, etc. não teriam senão uma importância secundária, ou mesmo não teriam importância nenhuma. Se, pois, o mundo está dividido, o importante na divisão não seria a divergência ideológica, mas a contradição dos interesses econômicos. No plano das vantagens materiais, o que mais importa é evitar uma guerra. E isto ainda que o mundo se resigne implicitamente a uma bolchevização gradual. Assim — para as pessoas de espírito estreito — o que o Ocidente deve acima de tudo preservar é o tranqüilo convívio entre os povos. A paz deve ser alcançada a todo preço, porque a restauração dos danos de uma guerra não tem preço.

Que isto traga uma vida de ignomínia, pouco importa. Seremos escravos do Estado onipotente, perdidos em uma imensa massa de anônimos, desfigurados por uma “cultura” que visa eliminar as personalidades e padronizar os homens, que nega a moral, a existência da alma e a de um Deus justo e misericordioso. Pouco importa, pelo menos teremos evitado para nós e nossos filhos as devastações e as privações da guerra. A infâmia é um preço bem pago para obviar tantos males. E por isto mais vale cessar toda polêmica com o comunismo.

A tentação de se viver num mundo sem glória


O Muro de Berlim, muro da ignomínia. O Ocidente suportou por décadas essa barreira levantada pelo comunismo no coração da Alemanha.
Ora, que se faça o possível para evitar a guerra, empregando todos os recursos da diplomacia, inclusive encontros de cúpula, nenhum coração cristão negará a isto seu ardente assentimento. Mas o que de nenhum modo se pode admitir é que, para chegar a tal resultado, se deseje uma desmobilização geral dos espíritos em relação ao perigo comunista, e assim se dê ocasião ao comunismo para promover a penetração ideológica fácil e eficiente de seus erros no orbe inteiro.

Nisto reside entretanto, para milhões de almas, a tentação suprema a que ficaram expostas, por viverem em um mundo para o qual a palavra “glória” já não tem quase significado. Ela ainda existe nos dicionários, emprega-se um pouco na linguagem corrente — há, por exemplo, no Rio de Janeiro um Outeiro da Glória, um Bairro da Glória, um Hotel Glória, há gente que fuma charutos Glória de Cuba — mas quase se diria que, fora desse gênero de aplicações, o vocábulo está morto. E, com o desuso dessa palavra, vão também desaparecendo outras que lhe são correlatas: honra, prestígio, decoro...

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