A dor eleva a alma e faz dela um paraíso


18/04/2011

Gregório Vivanco Lopes

A dor faz parte da contingência humana


Cristo da igreja da Ordem Terceira de São Francisco, São João del Rei (MG). Foto: Frederico Viotti

Um pressuposto para se poder aceitar bem a dor é aceitar a nossa contingência, isto é, aceitar que não somos deuses, mas simples criaturas imperfeitas, que precisam de apoio e de misericórdia para realizar sua missão nesta Terra. Admitindo a contingência, devemos aceitar pacífica, contente e enlevadamente não ter uma série de atributos e bens que vemos nos outros. A aceitaçãohorizontal dessa contingência [em face do que os outros têm e eu não tenho] é o modo prático de me comprazer com minha contingência perpendicular em relação a Deus. Só depois de ter aceitado essa dor causada pela situação de sua contingência é que o indivíduo abre a alma para aspirar a uma felicidade que não é palpável.

A felicidade palpável atrai tanto porque é fácil, está ao alcance e enche completamente a alma da pessoa, dando-lhe a falsa sensação de que ela não é um ser contingente. É o caso do homem que acredita na seguinte ilusão: dinheiro, honras, cargos, afetos, prazeres sensuais, são coisas que podem satisfazê-lo totalmente.

Retenhamos duas noções fundamentais.

Primeiro, a noção de que a dor não é apenas fruto, corolário do pecado original, mas uma conseqüência da contingência. A prova que nos cabe enfrentar nesta Terra inclui necessariamente algo à maneira de dor; do contrário não seria prova.

Segundo, as piores dores neste mundo — as dores más, não as dores boas — são causadas pelo fato de não querermos caber em nosso próprio limite e desejarmos extravasá-los, procurando de algum modo ser mais do que somos. Esta é a causa dos nervosismos, em grandíssimo número de casos.

A prova para os descendentes de Adão e Eva

Pode-se perguntar se a prova no Paraíso terrestre não seria muito dolorida para os descendentes de Adão e Eva, caso não tivesse ocorrido o pecado original. De outro lado, a prova dos anjos no Céu não terá sido muito dolorida também? E não foi essa dor que Satanás se recusou a sofrer?

Considerando a tentação de Adão — “vós sereis como deuses” (Gen. 3,5) — percebe-se claramente que Adão tinha um desejo de ser como deus, e doía nele o fato de não ser deus. A não ser assim, ele não teria aceitado aquela promessa da serpente, através de Eva.

Não temos bem idéia de como, em certos momentos de prova, a dor da contingência pode se apresentar terrível: Uma dor inexprimível, uma dor santamente humilhante, em que o homem se sente pequenino. Há horas em que algo raspa no homem, e ele se reconhece pequeno. Houve momentos em que um Carlos Magno sentiu-se pequeno: Eu não sou senão homem, filho do pecado. Não é porque pecou, mas porque se sente fraco.

Deve-se sentir deliciosamente a própria inanidade

Trata-se então de aceitar esta singular e deliciosa autenticidade de ter atingido os meros limites de si mesmo. É delicioso quando a pessoa cai em si e diz: Eu não sou senão eu mesmo, e sou tão pouco. Há uma paz, uma tranqüilidade, um aroma interno de castidade, um debruçar-se de Deus sobre a alma, que é uma coisa única.

E nós temos que sentir a nossa inanidade, assim como a Terra era “inanis et vacua” (informe e vazia – Gen. 1,2). E então Deus começa a encher a alma, como fez com a Terra.

Só quando o homem se coloca verdadeiramente neste seu zero, é que consegue adquirir a perspectiva mediante a qual toda hierarquia, toda desigualdade e todas as grandes superioridades aparecem na sua beleza. Fora disto, ele se coloca em espírito de competição e fica cego.

Santa Joana d’Arc, por exemplo, percebia que não era senão uma pastorinha, e vivia no perpétuo enlevo de uma mera pastora chamada a realizar grandes feitos.

A fidelidade à inocência primeva batismal vem como conseqüência de sentir-se deliciosamente a própria inanidade, o próprio vácuo. Fora disto a inocência primeva nem é verdadeiramente compreensível, é mais um flatus vocis (um sopro da voz) do que uma realidade.

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* - Sobre o conceito de inocência primeira, ver: A inocência primeva e a contemplação sacral do universo no pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira, Artpress, São Paulo, 2008. Obra lançada por iniciativa do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira.

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