Rochedo de São Miguel
Escalada rumo ao sublime


24/04/2008

W. Gabriel da Silva


268 degraus para chegar até a capela no cimo
Na França, tão rica em lugares extraordinários, Le Puy-en-Velay é um dos mais impressionantes, sem ser dos mais conhecidos. A pequena cidade de 20 mil habitantes, situada numa bacia povoada de rochedos de origem vulcânica no extremo sudeste da região do Auvergne, é marcada pela fé, pela História e pela beleza natural.

Ela tira seu nome de uma montanha (este é o significado de “puy”) –– o Puy d’Anis, hoje conhecido como Rochedo Corneille — em cujo pico os católicos erigiram gigantesca estátua de Nossa Senhora da França, dominando toda a cidade. Na Idade Média, Le Puy-en-Velay chamou-se Le Puy Notre-Dame ou Puy Sainte-Marie.

Juntamente com Chartres, Le Puy-en-Velay abriga um dos mais antigos santuários votados ao culto marial na Gália celto-romana. Aparições da Virgem Santíssima e curas miraculosas fizeram do lugar um centro de peregrinação. Já no século III seus habitantes abraçavam a fé cristã, e o Anuário Pontifício registra a presença ali de uma diocese desde essa remota época. Na Idade Média, tornou-se um dos principais pontos de partida do “caminho de Santiago”, para os peregrinos que iam a Santiago de Compostela.

O mais célebre bispo de Puy foi certamente Adhemar de Monteil, nomeado em 1087. Ardoroso adepto da reforma da Igreja, empreendida por São Gregório VII, ele desempenhou papel essencial na preparação da primeira Cruzada, convocada pelo Papa Urbano II em Clermont, capital do Auvergne, em 1095. Conhecedor da Terra Santa, que visitara como peregrino, Adhemar de Monteil foi escolhido pelo Papa como seu legado na direção da Cruzada, enquanto o comando militar foi confiado ao Conde de Toulouse, Raymond de Saint-Gilles. Quando as divergências se manifestaram entre os barões que chefiavam os principais exércitos, o legado pontifício foi a única autoridade capaz de impor-se a todos, por sua virtude e sua habilidade diplomática. Morreu em 1098, durante o cerco de Antioquia.

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Almas com sensibilidade notam ainda hoje em Puy –– nesta França infelizmente cada vez mais laica e distante da Religião de seus maiores –– os sinais de predileção providencial e de proteção particular de Maria Santíssima. Às vezes parece notar-se a bênção divina na própria paisagem.

A primeira impressão religiosa é realçada pela própria configuração topográfica, que o senso católico dos habitantes transformou em homenagem a seus padroeiros celestes. À distância, o olhar distingue três pináculos que falam por si.

Primeiro, a imensa estátua de Nossa Senhora de França, que mede 16 metros de altura e pesa 110 toneladas. Fundida em 1860 com o bronze de 213 canhões conquistados como troféus na tomada de Sebastopol, durante a guerra da Criméia, ela figura como símbolo apropriado da realeza de Maria sobre a cidade.

O segundo pináculo corresponde ao campanário da bela catedral, que abriga a Virgem Negra do Puy, trazida do Oriente por Luís VII ou São Luís IX. Edificada em austero e recolhido estilo românico, ela revela influência bizantina e oriental. O afluxo de fiéis e de peregrinos exigiu sua ampliação no século XII, e no século XIX foi objeto de importantes restaurações. Seu rico tesouro abriga preciosas jóias e obras de arte.

Finalmente o menos alto, mas não menos sublime, Rochedo de São Miguel ou St-Michel d'Aiguille, coroado por uma encantadora e secular capela votiva em homenagem ao Arcanjo, patrono da França.

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A milenar chaminé de pedra bruta, originária das fúrias de um antigo vulcão, brota da planície e sobe de um só lance a uma altura de 82 metros, para servir de pedestal à secular capela românica ali construída, não se sabe como, em honra de São Miguel. A ela pode-se subir através de 268 degraus. Jóia de arquitetura, revela o gênio de arquitetos que souberam aproveitar todos os espaços de uma simples ponta de rochedo para ali erigir e combinar com maestria a arte e a técnica. Os especialistas ressaltam seu portal oriental, sua graciosa decoração de arabescos, seus mosaicos de pedras negras, cinzentas e brancas, seu complicado sistema de abóbadas. Tudo tão original e tão belo, que se diria inspirado. Em todo caso, fruto do espírito autenticamente cristão.

O edifício atual remonta ao século XI, mas o perfume sobrenatural que em seu interior se respira parece transportar-nos ao ambiente de uma gruta dos primeiros ermitãos do Cristianismo. O silêncio e o isolamento que ali imperam convidam o visitante ao convívio com o Arcanjo ou com o próprio Deus.

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Capela românica em honra de São Miguel
O que dizer na contemplação de tais maravilhas?

Diríamos que elas falam de homens profundamente imbuídos de espírito católico, de almas que praticavam a virtude, e por isso transmitiam o espírito de Cristo em todas as suas obras, dando um sentido sobrenatural à vida humana.

O panorama que descrevemos muito sumariamente fala de hierarquia, de um lado; de uma procura do sublime e do Céu, de outro. No mais alto está o reinado dos Corações de Jesus e de Maria, simbolizado pela estátua de Nossa Senhora com o Menino Jesus. Em segundo lugar a Igreja, que representa a autoridade de Cristo na Terra. Em terceiro lugar, um Arcanjo celeste, que representa também os santos, nossos intercessores junto a Deus, nossos aliados nas batalhas da vida terrena, difícil e incerta.

Todos os píncaros apontam para o céu, mas o Rochedo de São Miguel o faz com particular audácia. Aí se conjugam a força da pedra e a leveza da arte. A linda capela no alto bem simboliza a Jerusalém celeste, de beleza atraente e sublime, que devemos atingir galgando escarpados caminhos. É o convite para a luta, para as santas ousadias, para o heroísmo, a fim de alcançar o tão elevado prêmio da felicidade eterna, prometido a todos que combaterem o bom combate.

Veja:
http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm/

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