O Muro de Berlim e o último cartucho do comunismo russo
07/12/2009
Luis Dufaur
Há 20 anos caia o Muro de Berlim |
Quando em 13 de agosto de 1961 os “vopos” (guardas comunistas da Alemanha) começaram o levantar o Muro de Berlim, erigiram um monumento ao declínio do poder persuasório e de liderança do comunismo. Lenine tinha previsto que a revolução bolchevique “não se manteria no poder nem se desenvolveria se não fosse protegida, apoiada e seguida por outras revoluções em países mais desenvolvidos”. Para ele, os sovietes constituíam um dos lados de uma ogiva que devia ser completada pelo outro lado, isto é, pelo comunismo no Ocidente. Sem um dos lados, a revolução mundial que ele pregava não atingiria sua finalidade. A necessidade era tão grande que Lenine engajou-se em revoluções no exterior, antes mesmo de garantir o controle da Rússia. Mas elas faliram sem exceção.
Crise do comunismo internacional
Ao mesmo tempo, na própria Rússia surgiram resistências de envergadura. Por causa delas, Lenine teve que fechar as comunas auto-governadas, internar os “intelectuais” na Sibéria, alistar criminosos comuns na KGB (polícia política) como braço armado da revolução popular, e desencadeou um terrorismo de massa que matou milhões. A utopia da igualdade plena sem Estado nem autoridades ficou para depois, e a nova ordem não se definiu ainda “comunista”, mas apenas “socialista”.
Lenine e seus sequazes nunca desistiram da revolução mundial, embora amargando fracassos e metamorfoses. Mas as “revoluções em países mais desenvolvidos” demoraram, porque o comunismo revelava-se cada vez mais incapaz de convencer e manipular as massas operárias. Para piorar a situação, o regime soviético se decompunha, apesar dos sucessivos expurgos.
O Muro de Berlim e o malogro da persuasão
No fim da II Guerra Mundial, os acordos de Yalta entregaram à URSS metade de Europa. Porém os povos escravizados revoltaram-se: exemplos típicos dessa rebelião ocorreram em Berlim (1953), na Polônia e Hungria (1956). Mais de dois milhões de alemães fugiram pelas fronteiras ainda abertas. Tais acontecimentos constituíram um plebiscito incessante, atestando a recusa popular do paraíso operário. O Muro e seu prolongamento — a Cortina de Ferro — contiveram aquela sangria desmoralizante. Mas o sistema comunista deperecia na miséria, na paralisia e num crescente descompasso técnico e econômico com o Ocidente. Os fracassos das guerrilhas na América Latina, a frustração do “eurocomunismo” e a vergonhosa derrota no Afeganistão foram episódios finais da agonia dos sovietes.
Nessa fase terminal, tomou corpo a idéia de salvar a chama comunista, com a tentativa de sacrificar o esclerosado regime dos sovietes e dar um “salto para frente” para imergir na utopia.
“Autogestão”: a Rússia tenta a aventura
Hoje a “nova KGB” tenta reconstituir o poder da antiga URSS sob o comando do premiê Vladimir Putin, ex-coronel da temida polícia secreta. |
Em artigo para a “Folha de S. Paulo” em 23-11-1969, com larga antecipação, Plinio Corrêa de Oliveira previu as fases da manobra: “Consistiria na implantação de um regime federativo entre as duas Alemanhas, gradualmente homogeneizadas: a Alemanha Ocidental se bolchevizaria um tanto e a Oriental se ‘capitalizaria’ outro tanto. Bem se vê que, se isso der certo em escala alemã, poderia ser aplicado em escala européia: uma federação continental incluindo a Rússia, por sua vez ‘homogeneizada’. Seria, segundo os simplórios... ou os velhacos, o meio de evitar a guerra. Com a semicomunistização da Alemanha e da Europa, quem lucra velhacamente, senão os que querem conduzir a Alemanha e a Europa à comunistização completa?”.
Para essa homogeneização era indispensável que o capitalismo privado e o capitalismo de Estado convergissem num novo sistema, que se apresentaria como um meio termo — nem comunista, nem capitalista. Qual? Em 1977, a fórmula para a “homogeneização” recebeu um nome oficial na Rússia — autogestão — e foi incluída na nova Constituição: “O objetivo supremo do Estado soviético é edificar a sociedade comunista sem classes, na qual se desenvolverá a autogestão social comunista”. Na Rússia, o PC encarregar-se-ia da transformação. Mas, e no Ocidente?
Autogestão à francesa: tentativa e malogro
Foi a vez, então, do presidente socialista francês François Mitterrand, eleito em 1981. Ele apresentou a nova fórmula da autogestão, envolvida nos charmes e no prestígio que o mundo ainda reconhecia à França.
O plano, pouco depois de lançado, foi retirado precipitadamente e de um modo que só se entende bem à luz do manifesto-denúncia de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira –– “O Socialismo Autogestionário: Em vista do comunismo, barreira ou cabeça de ponte?”. Mais de 33 milhões de exemplares foram publicados no mundo, e a autogestão à francesa foi abortada.
“Perestroika” de Gorbachev: última tentativa
O sanguinário tirano marxista Nicolae Ceausescu (na foto de 1985 com Garbachev) foi julgado e fuzilado apressadamente no Natal de 1989. “Foi feito de tudo para apagar os crimes do regime comunista”, explicou o Prof. Horia Terpe. |
O socialismo russo encontrava-se num processo de desagregação. Em desespero de causa, o secretário geral do PC da URSS, Mikhail Gorbachev, tentou relançar a manobra apoiado no seu “carisma”. Ele promoveu, como último cartucho, a “perestroika” ou “reforma” do socialismo, convidando o capitalismo privado a fazer outro tanto e prometendo que, dando curso a essa convergência, ficaria afastado para sempre o pesadelo de uma guerra nuclear mundial.
No cerne da “perestroika” estava a autogestão. Se o Ocidente caísse na lábia do “carismático” Gorbachev, o líder do Kremlin podia esperar que o urso russo levasse a melhor; e o mundo, dentro de algum tempo poderia, entrar numa fase de comunismo universal que beirasse a utopia. Porque, como observou o ex-presidente tcheco Vaclav Havel, um dos personagens centrais daquela época, “Gorbachev não queria acabar com o comunismo ou contribuir para a desintegração da União Soviética” .
Cai o Muro e falha a manobra russa
O lance simbólico dessa convergência deveria acontecer em Berlim com a queda do Muro. Depois viria por etapas a unificação das duas Alemanhas e da Europa desde o Atlântico até os Urais.
Porém, com o processo em pleno desenvolvimento, o “carisma” do chefe soviético esvaeceu-se abruptamente. Ele reprimiu de modo sangrento a revolta do povo lituano que desejava a independência. O Prof. Plinio promoveu um abaixo-assinado com as TFPs dos cinco continentes, tendo estas obtido mais de cinco milhões de assinaturas em apoio à independência da Lituânia. A campanha alertou a opinião pública mundial contra os verdadeiros intuitos do chefe supremo do Kremlin e precipitou o esvaecimento de sua “magia”.
O Ocidente então recusou o cântico de sereia do líder soviético. Gorbachev caiu e a Rússia afundou na confusão. O Muro entrementes havia sido derrubado, os países da Europa do Leste subtraíram-se do jugo soviético. O império da estrela vermelha desfez-se, e sua degringolada acabou extinguindo “a chama dos projetos revolucionários”. Vinte anos depois, Putin esforça-se para recuperar as imensas perdas sofridas pela ex-URSS.
Obama e regimes populistas: última esperança?
No 20º aniversário da queda do Muro de Berlim, o próprio Gorbachev lembrou aquele plano num encontro com o ex-presidente George H. Bush (pai) e o ex-chanceler alemão Helmut Kohl, os três personagens-chaves de 1989. Gorbachev disse ao ex-presidente americano: “Meu amigo Bush, os Estados Unidos também precisam de uma perestroika”. E acrescentou: “Os EUA estão maduros para a mudança. As pessoas estão esperando pelo presidente Barack Obama”.
De fato, duas décadas após a queda do ignominioso Muro, Obama encarna as derradeiras esperanças das esquerdas comunistas e socialistas para abalar o capitalismo ocidental, e tem a seu lado os regimes populistas latino-americanos. Mas este plano enfrenta sérias oposições na opinião pública. Basta considerar a perda de prestígio de Obama e a heróica resistência da pequena Honduras ao processo de “chavização”.
O Muro ruiu e a utopia socialista ficou sem fôlego. É na luta pelo domínio dos EUA e da América Latina que se jogam os lances principais que poderão decidir o futuro do combate entre o comunismo e o anticomunismo.
20 anos depois: perversos frutos da Nuremberg que não houve
Assim como houve o processo de Nuremberg (foto acima) para julgar os delitos dos nazistas, não se realizou essa indispensável nova Nuremberg que deveria ter denunciado e julgado os crimes marxistas... |
Duas décadas após a queda do Muro de Berlim, imensa dívida não paga paira sobre o ex-império soviético, sobre o Ocidente e a Igreja. Pesadas ameaças abalam o mundo, devido à recusa de realizar um processo contra o comunismo, análogo ao realizado em Nuremberg no fim da II Guerra Mundial. Tal processo fora solicitado pelo presidente da Lituânia, nação que se libertou heroicamente das garras marxistas, e foi proposto também pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
Assim que teve notícia da sugestão do presidente lituano Vytautas Landsbergis, o Prof. Plinio enviou-lhe a seguinte mensagem: “Levo ao conhecimento de V. Exa. o intenso gáudio que reina nas TFPs e Bureaux-TFP dos cinco continentes por seu gesto, sugerindo a formação de um tribunal internacional do gênero de Nuremberg, para julgar o crime dos comunistas soviéticos. E, ademais, o de haver V. Exa. oferecido o território lituano para que nele se realizassem as sessões do dito tribunal. O senso de justiça, inerente a todos os espíritos retos e elevados, está a clamar por uma punição adequada dos grandes crimes que o comunismo internacional praticou no mundo inteiro”.
Houve, por certo, processos individuais como na Romênia, onde o sanguinário tirano marxista Nicolae Ceausescu foi julgado e fuzilado apressadamente no Natal de 1989. Em virtude do caráter vertiginoso do procedimento, “muitas perguntas ficaram sem respostas. Foi um grande erro ter matado Ceaucescu”, explicou o Prof. Horia Terpe, diretor do Centro de Análise de Desenvolvimento Institucional (CADI) romeno. “Foi feito de tudo para apagar os crimes do regime comunista”, acrescentou Terpe[1].
Os partidos comunistas encerraram suas atividades em muitos países da Europa Oriental, mas seus quadros continuam articulados sob rótulos como “Partido Socialista”. É o caso da Romênia, da Hungria e da Bielorússia. A escritora Herta Muller, prêmio Nobel de Literatura 2009, denunciou que 40% da classe política romena é composta de ex-funcionários da Securitate, a polícia secreta responsável por um banho de sangue no país. Na Alemanha, 17.000 agentes da polícia secreta Stasi fazem parte do funcionalismo público alemão, especialmente na polícia e nas escolas.
E é típico o caso da Rússia, onde a KGB — cerne do esquema de espionagem, repressão e extermínio soviéticos — assumiu as rédeas do poder e vem extinguindo as frágeis liberdades que surgiram no país, após os fatos de 1989. Hoje a “nova KGB” tenta reconstituir o poder da antiga URSS sob o comando do premiê Vladimir Putin, ex-coronel da temida polícia secreta.
Tal situação paradoxal ocorre porque não houve essa indispensável nova Nuremberg. Ela deveria ter denunciado os crimes marxistas — derivados em linha direta dos falsos princípios da Revolução Francesa — que escravizaram a Rússia, e por meio dela flagelaram a humanidade toda.
Uma Nuremberg equitativa teria exigido o desmantelamento da rede de cumplicidades montada pelo Kremlin no Ocidente, composta por seus colaboracionistas conscientes, seus cooperadores “centristas” e seus “idiotas úteis”. Essa Nuremberg, além do mais, poderia ter aberto os olhos dos irmãos na fé que militam na esquerda católica e colaboraram com o processo comunista de conquista e opressão mundial. O Prof. Plinio apresentou um ponderado elenco dessas cumplicidades num manifesto que continua com atualidade candente: “Comunismo e anticomunismo na orla da última década deste milênio”[2] .
Esse salutar e necessário dever de justiça não foi cumprido. A rede comunista e seus erros, na realidade, ficaram intocados. Hoje sob outros rótulos –– como por exemplo socialismo do século XXI, bolivarianismo –– e organizadas em movimentos sociais como as FARC, o Sendero Luminoso, etc., os mesmos erros e subversões estão sendo disseminados pelo mundo.
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Notas:
1. “O Estado de S. Paulo”, 5-11-09.
2. “Folha de S. Paulo, 14-2-90. |
Veja:
http://www.catolicismo.com.br
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