As estruturas do mundo ameaçam ruir, enquanto crescem as saudades da Cristandade
30/01/2012
Luis Dufaur
Indignados espanhóis, Occupy Wall Street e congêneres
A “Primavera árabe” recrutou imitadores no próprio Ocidente. Os mais promovidos foram os “indignados”, movimento de jovens com celular na mão que acamparam notadamente na praça Puerta del Sol, em Madri, e depois — com muito menos participantes, aliás — em outras cidades da Espanha.
Eles pretendiam tão-só ser os “indignados” diante de uma democracia que perdeu a representatividade e de uma economia que dava sinais de cair aos pedaços. Diziam não professar nenhuma ideologia nem depender de qualquer partido ou corrente organizada; diziam-se apenas profundamente “indignados” e inspirados pela “Primavera árabe”. Mas esta fachada foi ruindo gradualmente. A Espanha não demorou muito a identificar neles os velhos grupos anarquistas e anticapitalistas que, sob nova fachada e aproveitando-se da crise financeira e econômica em que o país foi submerso, tentavam provocar o caos e a anarquia.
Multiplicaram-se as tentativas de imitar o exemplo dos “indignados” espanhóis, com parcos resultados. Na Inglaterra, seus êmulos partiram para a violência, depredação, saques e crimes. Apelando às redes sociais e aos celulares, eles inauguraram uma guerrilha urbana particularmente violenta e eficaz. Numerosos prédios e lojas das periferias de Londres e outras cidades inglesas foram entregues às chamas. Os agitadores — desempregados, mas jogadores assíduos de videogames e frequentadores dos ambientes do rock e da droga —, provinham em geral de famílias desfeitas não raro ricas, e eram contemplados pelos “planos sociais”.
Dentre esses grupos anarquistas e anticapitalistas, poucos foram tão contemplados pela mídia quanto a versão americana Occupy Wall Street. “A maioria das pessoas os considera um grupo de baderneiros em busca de sexo, drogas e rock’n’roll”, disse um gestor de fundo de investimentos. O acampamento americano acabou sendo proibido pela polícia por razões de higiene. Porém, nada indica que os propulsores da agitação tenham desistido de seus planos revolucionários anticapitalistas.
“Epidemia” de câncer e paralisia
Na América Latina, os populismos perderam fôlego. Uma estranha “epidemia” de câncer atingiu seus líderes mais dinâmicos. Destarte passaram a assemelhar-se ainda mais com Fidel Castro o mandatário venezuelano Hugo Chávez — gravemente adoentado — e o ex-presidente Lula, que até antes do câncer ainda exercia sua influência na política nacional. Somadas à doença conhecida dos atuais presidentes do Brasil e do Paraguai — e sem levar em conta rumores sobre a saúde da presidente da Argentina —, o certo é que não faltou quorum para o ex-presidente brasileiro propor uma reunião internacional de “presidentes com câncer”. Como seria melancólica uma reunião de líderes que tendo tomado a peito implantar o socialo-comunismo no continente, se viram de repente reduzidos a um possível encontro para troca de informações sobre o prolongamento de suas vidas...
Pior sem dúvida foi a sorte dos líderes das FARC mortos pelas Forças Armadas da Colômbia em bem-sucedidas operações militares. No Equador, Bolívia e Nicarágua, os presidentes, discípulos de Hugo Chávez, escolheram a discrição. No Peru, Ollanta Humala, eleito presidente com o auxílio do socialismo chavista e do PT, rapidamente escolheu o mesmo caminho. No fim do ano, as esquerdas populistas latino-americanas exibiam singular paralisia, esperando talvez que da crise europeia viessem estímulos ou pretextos para retomar a avançada revolucionária.
As carências de ativismo revolucionário nos poderes Executivo e Legislativo foram supridas por estarrecedoras sentenças do Poder Judiciário. Entre elas, destacou-se a decisão do STF brasileiro de equiparar as uniões homossexuais estáveis às do casal constituído por homem e mulher, bem como de legalizar as polêmicas e repudiadas “Marchas pela maconha”. A respeito desta última decisão, explicou o ministro do STF, Marco Aurélio Mello: “Vale para tudo. Para cocaína ou para qualquer outro crime”. A esse propósito, é oportuno lembrar que o consumo médio de crack é de 1 tonelada/dia, segundo a Polícia Federal. O sistema de saúde passou a atender mensalmente a 250 mil viciados, um aumento de mais de dez vezes em relação a 2003.
Ofensiva laicista e revolta progressista, aliadas contra Roma
A ofensiva contra a Igreja Católica explorando casos de pedofilia — autênticos, forjados ou inverificáveis — fez devastações. Para isso cooperaram figuras do clero progressista que durante décadas contestaram a moral sexual da Igreja e procuraram reformá-la. O padre e sociólogo belga François Houtart, 85, um dos idealizadores do Fórum Social Mundial e candidato ao Prêmio Nobel da Paz, admitiu por escrito ter abusado sexualmente, nos anos 70, de um primo menor. A notícia constrangeu figuras da esquerda católica brasileira como Plinio de Arruda Sampaio, Frei Betto e Oded Grajew. Na Bélgica, o bispo de Bruges, D. Roger Vangheluwe, que renunciou por semelhante escândalo, faz declarações ao canal de TV VT4 sobre um segundo caso de sedução de que foi protagonista, desta feita em relação a um sobrinho.
Em julho, o Vaticano convocou o Núncio na Irlanda para consultas, após o primeiro-ministro Enda Kenny acusar a Igreja Católica e a Santa Sé de obstruírem as investigações sobre atos de pedofilia. A Irlanda revidou fechando sua embaixada ante a Santa Sé.
O Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, membro da Comissão da Santa Sé para a Igreja Católica na China, foi um dos porta-vozes mais salientes e ouvidos dessa respeitosa reação de fiéis chineses que resistiram com vigor e espírito de fidelidade a uma política de distensão que para eles era inaceitável |
Rebelião organizada no clero
Em maio, o Vaticano destituiu o bispo de Toowoomba, Austrália, Mons. William M. Morris, por pregar a ordenação sacerdotal de mulheres e a celebração da Missa por ministros protestantes. Na Áustria, por sua vez, a rebelião progressista contra a Santa Sé subiu de grau com o movimento Pfarrer-Initiative (Iniciativa dos párocos), que lançou o manifesto “Apelo à desobediência”. O movimento diz contar com a adesão de mais de 300 párocos austríacos. Porém, um exame atento das assinaturas permitiu identificar muitos leigos e até o caso de religiosos cujos nomes foram incluídos falsamente para fazer número. O movimento prega objetivos convergentes com a onda anticatólica que age invocando casos de pedofilia: abolir o celibato eclesiástico; substituir as Missas — em muitos casos, aliás, de fato abolidas por uma simulação inimaginável, com as chamadas “eucaristias secas” [ou “missas secas”] presididas por leigos, homens ou mulheres; distribuição da comunhão a divorciados, hereges e cismáticos; readmissão ao uso de ordens dos sacerdotes casados, amasiados ou em situações irregulares; inclusão de mulheres e homens casados no sacerdócio. A nota dominante do apelo é a incitação à desobediência ao Direito Canônico, à ordem hierárquica da Igreja e ao próprio Decálogo.
Alguns dos signatários promoveram liturgias que são verdadeiras pantomimas, como a “Missa Harry Poter”, na qual o sacerdote se exibia a caráter; ou a “Missa do peão”, em que os participantes, sentados em torno de mesas, comiam churrasquinho, bebiam cerveja ou refrigerantes enquanto o sacerdote celebrava com vestimentas à moda cow-boy, ao som de violões e canções country. O episcopado austríaco não reagiu ante esses espetáculos blasfematórios, tentou minimizar a revolta e até explicá-la com argumentos trabalhistas. O cardeal de Viena se fez portador junto ao Vaticano de algumas dessas inaceitáveis exigências. O “Apelo à desobediência” recolheu adesões na Bélgica, na Alemanha e na França. Na maior parte dos casos tratou-se de sacerdotes idosos, outrora ativistas do chamado “espírito do Concílio”, que hoje sofrem duplamente angustiados: tanto pela falta de continuadores como pela aparição de uma nova geração de sacerdotes desejosos do retorno às formas autênticas e tradicionais na liturgia, na disciplina e nos costumes eclesiásticos.
Um fato ocorrido na arquidiocese de São Paulo revela a dimensão simbólica da penetração na Igreja do espírito permissivista, de abertura ao mundo e a seus costumes revolucionários. Um artista instalou uma escultura na Rua Apa, em pleno centro da “cracolândia” paulistana, com a invocação de “Nossa Senhora do Crack”. A iniciativa foi naturalmente considerada como ofensiva a Nossa Senhora e uma incrível exposição de uma imagem d’Ela à profanação. O Arcebispo de São Paulo, D. Odilo Scherer, elogiou o gesto e julgou que a iniciativa não representava profanação. “Vi e fiquei comovido. Nossa Senhora do Crack, rogai por eles e por nós também!”, comentou. No dia seguinte, a imagem apareceu destruída. “Crack não é de Deus e a santa é coisa divina”, disse um dos drogados que cometeram o ato de vandalismo e que parece não se ter conformado com a idéia de ligar Nossa Senhora ao crack.
A Ostpolitik vaticana e o drama dos fiéis chineses
Pouco noticiada no Brasil, a política de aproximação da diplomacia vaticana com a ditadura marxista de Pequim atingiu extremos de dramaticidade. Após beneficiar-se de pronunciados gestos de abertura e concessão da Santa Sé, o governo chinês procedeu à sagração ilegal e sacrílega de bispos. Os fiéis, já muito perplexos com as boas relações dos representantes vaticanos com os seus algozes, resistiram com vigor e espírito de fidelidade a uma política de distensão que para eles era inaceitável. O Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, membro da Comissão da Santa Sé para a Igreja Católica na China, foi um dos porta-vozes mais salientes e ouvidos dessa respeitosa reação de fiéis. “Por meio da violência o governo limita as liberdades individuais; ofende a dignidade das consciências [...] e ainda ousa dizer que tem vontade sincera de diálogo. É a maior mentira do mundo! Nossos fiéis não têm medo [...] ou superarão seu medo com a fé e a oração, que lhes darão forças para imitar os mártires canonizados”, escreveu o purpurado.
Em 16 de julho, numa medida que os fiéis chineses consideravam inexplicável que não fosse tomada, a Santa Sé confirmou oficialmente a excomunhão do Pe. Joseph Huang Bingzhang, sagrado ilegal e sacrilegamente no dia 14. Aliás, tal sagração havia sido deplorada no mesmo dia pela Santa Sé. Enquanto isso, em Brasília, na noite do dia 14, o secretário geral da CNBB, D. Leonardo Ulrich Steiner, recebia, em amável audiência na sede da entidade, uma comitiva da Administração do Estado para Assuntos Religiosos do governo chinês, a qual é responsável também pelo delito canônico. Essa audiência causou indignação e pesar entre católicos.
Apetências da ordem opõem resistência
Apesar de as interpretações midiáticas da crise atual glosarem subrepticiamente a velha teoria de Karl Marx sobre uma revolta planetária que provocaria a queda do capitalismo, a opinião pública do Mundo Livre inclinou-se por governos conservadores e reforçou sua adesão aos princípios da livre iniciativa e da propriedade privada. Em abril, o partido Autênticos Finlandeses multiplicou oito vezes o seu eleitorado e emergiu como grande vencedor das eleições parlamentares, após fazer campanha contra os males da UE e as ajudas à Grécia e à Irlanda, julgadas desproporcionadas. Nisto a Finlândia acompanhou as tendências manifestadas no ano anterior na Suécia, Itália, Hungria e Holanda. Em maio, o Partido Conservador canadense obteve a maioria absoluta no Parlamento. Em junho, o Partido Socialista português foi varrido do governo. Nessa eleição, o altíssimo índice de abstenções (42,1%) foi emblemático do desinteresse crescente dos europeus por líderes de todas as tendências que impulsionam o continente para um desastre em nome da utopia.
A queda do socialismo português só não foi a pior do ano porque em novembro o socialismo espanhol sofreu a maior derrota da história espanhola. Contudo, talvez em nenhum lugar a virada conservadora de filões dinâmicos da opinião pública foi tão carregada de simbolismo quanto numa ex-república comunista de gloriosa história: a Hungria. Lá, o Parlamento aprovou uma nova Constituição que contraria a política radicalmente antifamiliar e essencialmente anticristã posta em prática pela UE, da qual a nação magiar faz parte. O preâmbulo da Carta começa rogando que “Deus abençoe os húngaros”, e afirma: “Orgulhamo-nos pelo fato de nosso rei Santo Estêvão ter criado o Estado húngaro há 1000 anos sobre base sólida e inserido nossa pátria como parte da Europa cristã”. A Constituição define o casamento como “união entre um homem e uma mulher”, “base para a sobrevivência da Nação”, e protege a vida do nascituro desde a concepção até a morte natural.
Admiração e saudades da ordem autenticamente cristã
A ausência universal de líderes e de rumos sensatos, a incerteza do presente, as ameaças potenciais de futuros próximos possíveis, a insegurança generalizada, o desfazimento da instituição familiar seguido de um agravamento generalizado dos problemas psiquiátricos foram despertando no mais íntimo das pessoas a apetência de algo profundamente diverso do que constitui hoje a rotina quotidiana.
Por ocasião do casamento do príncipe William com Kate Middleton, na Inglaterra, verificou-se uma espécie de plebiscito planetário em favor da tradição. Em todo o mundo, cerca de 2,5 bilhões de pessoas assistiram às quatro horas da boda real. Elas admiraram e até se entusiasmaram com uma cerimônia nupcial que misturava pompas monárquicas medievais e vitorianas numa catedral gótica. O príncipe e a cinderela, as carruagens douradas, reis, rainhas e princesas, regimentos de couraceiros a cavalo e guardas reais com chapéus de pele de urso, lacaios de libré em ouro e vermelho fogo: o cerimonial esplendoroso de uma Corte régia foi acompanhado até nos menores detalhes, como o tamanho de sua cauda do vestido da noiva, por multidões cansadas do espetáculo vulgar da modernidade.
Na Áustria, o enterro solene do herdeiro da coroa do Império Austro-Húngaro, Otto de Habsburgo, foi ocasião para uma explosão de saudade pelo passado imperial da Cristandade. Exprimiu essa saudade o impressionante e intérmino cortejo fúnebre com toda espécie de uniformes históricos, bandeiras e insígnias do passado. Símbolos amorosamente conservados e renovados por associações que cultivam a admiração da época do império em todas as nações outrora reunidas sob o cetro dos Habsburgos. O arquiduque Otto — ou o Dr. Otto, como preferia infelizmente ser tratado — renunciara a todos os direitos à coroa e liderara um movimento democrático para a instituição da hoje desastrada UE. Entretanto, o fabuloso desfile de saudades da era imperial parecia não considerar essa renúncia e olhava para o defunto como se fosse o arquiduque de sonhos, o herdeiro das glórias dos Habsburgos. O cortejo fúnebre depositou seu corpo na cripta da família dos imperadores, localizada na igreja dos capuchinhos de Viena. Esse verdadeiro espetáculo fúnebre evidenciou a força e a aspiração que palpitam em inúmeras almas por um futuro católico continuador das glórias da Cristandade medieval. Força que mostrou ser um elemento sem o qual não se compreenderá bem o desenrolar dos eventos nas décadas futuras.
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2012: rumo à explosão do colosso?
David Cameron, Primeiro Minis tro inglês, encabeçou a recusa de ampliar os poderes da EU |
O ano de 2011 encerrou-se com mais uma “cúpula da última chance” realizada em Bruxelas para tentar salvar a coesão de uma UE que os povos europeus parecem amar pouco. No final de tal “cúpula”, a Grã-Bretanha recusou a ampliação dos poderes da UE, abrindo, assim, uma rachadura de uma extensão sem precedentes e que poderá acarretar grandes consequências. O caos econômico e social disseminado sobre a Terra deixou uma impressão: o gigantismo colossal do mundo interdependente, que parecia ser adorado por todos, apareceu trincado até em suas vísceras ao termo de 2011. Até o menor de seus componentes, instalado em qualquer degrau dessa imensa estrutura, pode desencadear uma crise que precipite o desabamento final do colosso de pés de barro do século XXI.
Foi assim que a imensa, super-programada e super-complicada estrutura que deveria preparar a República Universal acabou o ano: pressagiando um desastre gigantesco mais ou menos iminente. Ela poderia se comparar a um avião nunca antes construído: estupendo, velocíssimo, agradável, com grandes poltronas, até com expressões artísticas internas que o ambiente aeronáutico não tem nenhuma preocupação em apresentar. Nesse suposto avião os diversos passageiros têm na mão uma alavanca que pode a qualquer momento fazê-lo explodir. Quem gostaria de viajar nessa colossal aeronave? Entretanto, é nela que o mundo entrou em 2012.
Mas, com confiança na Santíssima Virgem e uma certeza inabalável no triunfo prometido por Ela em Fátima, poderemos entrar neste novo ano com a alma em paz
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