Rainha Elizabeth II — Jubileu de Diamante


21/08/2012

Marcelo Dufaur
Correspondente na França


Cerimônia da coroação da rainha Elizabeth II em 1952

 

As comemorações motivadas pelos 60 anos de um reinado aureolado de prestígio atestam quanto uma monarquia é benéfica para uma nação

 

Paris – Em 6 de fevereiro de 2012 a rainha Elizabeth II completou 60 anos de reinado, tornando-se a segunda soberana do Reino Unido a celebrar o Jubileu de Diamante. Antes dela, apenas a rainha Vitória (1819-1901), cujo reinado durou 63 anos. As comemorações vêm se sucedendo ao longo deste ano com manifestações entusiásticas dos súditos britânicos. Só dos britânicos?

Em Paris, predominam sentimentos desencontrados a respeito deste evento, porque o sulco de sangue aberto pela Revolução Francesa (1789) ainda divide os franceses. Enquanto os ingleses se encantam com sua rainha e com a família real, aos franceses é oferecido o espetáculo de uma briga inglória — para dizer só isso — de duas mulheres. Uma delas faz questão de exibir-se como companheira não-casada do atual presidente socialista, François Hollande (questionando-se se deve ser chamada “primeira dama”), e a outra é a ex-concubina deste. Segundo alguns, a disputa entre as duas mulheres tem como fundamento os ciúmes, segundo outros seriam razões políticas. Em qualquer caso, é deprimente.

Enquanto milhões de súditos da monarquia inglesa se reuniram às margens do Tâmisa ou permaneceram diante dos aparelhos de TV para se regozijarem com as homenagens prestadas à monarca, os franceses fugiam em massa de sua democracia eletiva: mais de 40% de abstenção em decisivas eleições legislativas.

O jornalista David Randall, do “Independent”, lembrou que alguns meses antes ocorreram motins nas ruas em Londres e que as conversas giravam sobre a crise econômica. Porém, com o Jubileu, “todo o mundo está dizendo como a rainha é maravilhosa e, por extensão, nós também somos muito bacanas”. Do outro lado da Mancha, um largo e crescente setor da França quis experimentar, ao menos fugazmente, a tranquilizadora sensação de que seu país pode ter um lastro firme para avançar de modo coerente rumo ao futuro, se voltar seu olhar para a tradição como os súditos da Rainha olham para esta. Esse setor dos franceses, oficialmente abafado, sente saudades de um passado que lhe foi tirado no decorrer de anos de revolução, demagogia, desvario e terror.

Aqui na França, é politicamente incorreto perguntar por que os ingleses sim e nós não. Mas vendo mais de mil barcos desfilarem no Tamisa diante do iate real, a pergunta não pode ser silenciada: como uma monarquia de raízes medievais pode comemorar 60 anos de reinado sobre o trono de Santo Eduardo numa Europa modernizada pelos “ideais” de 1789?

Ninguém ousa comparar os índices de popularidade, mas os números estão aí: segundo pesquisa do jornal socialista “The Guardian”, para cerca de 80% dos britânicos, o Reino Unido pioraria sem a monarquia e somente pouco mais de 20% desejam a república. O sentimento monárquico prevalece em todas as classes sociais, em todas as regiões do Reino Unido e, mais incrível, em todos os partidos políticos: aprovam-no 96% dos conservadores, 84% dos liberais democratas e 74% dos trabalhistas (socialistas)!

As festividades reais ameaçavam pôr na sombra os Jogos Olímpicos de Londres. Também forçaram a mudança de data da “Rio+20”, pois os governantes do mundo tinham razões de sobra para achar que a opinião pública acompanharia muito mais as pompas reais do que as discussões artificiais sobre a agenda ecológica planetária.

Entretanto, o bom hábito de raciocinar é ainda forte na França. E no magazine da intelligentsia socialista francesa “Le Nouvel Observateur”1, Stéphane Bern chegou a conclusões inesperadas ao lembrar o sagaz comentário do príncipe de Metternich (século XIX): “A verdadeira obra- prima consiste em durar”. Os chefes de repúblicas fogem das consultas populares por medo de serem banidos dos cargos ou frustrados em suas políticas e acabam não durando. Mas a rainha da Inglaterra comemora seis décadas de governo envolta numa auréola de prestigio. Ela não obteve sua legitimidade de nenhum pleito democrático. Pelo contrário, séculos de história e o berço a puseram acima de partidos e jogos de interesses.

* * *

A soberana inglesa – como também outros reis e rainhas da velha Europa – encarna a identidade nacional que a nova e convulsionada União Europeia ameaça lhes tirar. Na França, os adeptos da Liberté-Égalité-Fraternité mordem os lábios de inveja vendo os britânicos exibir com ufania seu supremo símbolo hierárquico: Elizabeth II, pela graça de Deus rainha da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, do Canadá e da Austrália, da Nova Zelândia e de um total de 16 Estados independentes, chefe da Commonwealth, que reúne 54 Estados e por volta de dois bilhões de leais súditos.

Ela não governa, mas com seus 86 anos influencia mais que qualquer governante. Segundo Bern, ela é um ícone fora do tempo que se burla das modas, uma figura materna e protetora, uma espécie de mãe benfeitora da nação que permite ao povo acreditar sempre num destino fora do comum. Elizabeth II é como uma fada que permite à nação atravessar todas as provas sem perder sua identidade nem sua dimensão moral. Ela conheceu inúmeros chefes de Estado e recebeu “em confissão”, todas as tardes de terça-feira, às 18h, doze primeiros ministros, desde Winston Churchill até David Cameron. Conta-se que, numa troca de opiniões opostas, o então premiê Tony Blair ousou dizer à Rainha que ele era o seu primeiro-ministro, ao que Elizabeth II lhe teria lembrado que ele não era o primeiro, mas antes dele passaram pela sua sala dez outros, a começar por Churchill...

O poder da Rainha – observa Bern – é muito superior ao das instituições: ela encarna a Inglaterra que ama seus cavalos e seu campo, porque vibra em uníssono com seu povo. “O essencial de seu trabalho é preservar a mística da monarquia”, conclui Bern, aludindo àquele superior desígnio que faz dos monarcas uma imagem viva d’Aquele Rei supremo, Criador de todas as coisas, que governa e sustenta tudo quanto existe como Senhor e Rei do universo. Ungida pelos santos óleos na abadia de Westminster, o trono de Elizabeth II é a Cruz onde exalará seu último suspiro.

* * *

Uma jornalista brasileira2, julgando talvez fazer uma crítica palatável ao jet set, qualificou a vida da rainha de “chatice eterna”: “A rainha nunca chama a atenção, nunca faz banzé”, escreveu, como fazem — constatamos todos — inúmeros presidentes de um e outro sexo. E explicou: “Há 60 anos, Elizabeth jogou pela janela todas aquelas microglórias que nós conhecemos por pequenos prazeres da vida. [...] aos 25 anos, a idade que tinha quando ascendeu ao trono, deve ter sido duro abdicar de certos deleites”.

O Papa Bento XV (reinou de 1914 a 1922) ensinou que as famílias nobres estão chamadas a exercer um sacerdócio peculiar na ordem temporal: o “sacerdócio da nobreza”. Esse “sacerdócio”, obviamente, cabe em máximo grau ao soberano. No citado comentário da jornalista, aparece um aspecto pouco considerado nas pessoas reais: o holocausto de si próprio no exercício de uma missão que visa ao bem do povo. Holocausto que, se bem aceito, as assemelha a Nosso Senhor Jesus Cristo e está na base das graças que a instituição monárquica atrai para o país, ainda quando a rainha — hélas! — é chefe mesmo de uma falsa igreja!

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Notas:
1. http://leplus.nouvelobs.com/contribution/317081-elizabeth-ii-fete-ses-60-ans-de-regne-a-quoi-sert-vraiment-la-reine-d-angleterre.html.
2.http://salvador2012.blogspot.com/2012/02/rainha-encara-vida-de-chatice-eterna.html.

Veja:
Revista Catolicismo

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