João Sobieski, o “Invencível Leão do Norte”


18/01/2005

José Maria dos Santos

Sobieski, o Rei João III da Polônia, foi um dos maiores capitães de guerra do século XVII, e a ele se deve a salvação da Europa ao derrotar os turcos na batalha de Viena

João Sobieski nasceu em 1624, filho de Jaime Sobieski, castelão de Cracóvia, da pequena nobreza polaca. João e seu irmão Marcos foram educados com o maior esmero. Passaram grande parte de sua juventude em Paris e estiveram na Itália, residindo por três anos em Pádua, onde freqüentaram a Universidade local. Estiveram também na Inglaterra e na Alemanha.

Ambos estavam na Turquia quando, em 1648, à morte de seu pai, tiveram que voltar à pátria. Nessa ocasião os poloneses tinham sido derrotados pelos russos na batalha de Pilawiecz, os dois irmãos quiseram desagravar seus conterrâneos e entraram na liça. Marcos foi feito prisioneiro pelos tártaros, e por eles assassinado.

Terror dos tártaros e herói nacional

Em pouco tempo a coragem extraordinária e a bravura de João Sobieski o cobriram de glória em sua nação e o tornaram o terror dos tártaros. Assim chegou ele a ser nomeado grande Marechal da Coroa e, logo depois, Comandante-em-chefe do exército polonês.

Seu primeiro grande feito nessa qualidade realizou-se em Podhajce, que estava sitiada por um exército de cossacos e de tártaros. Ele levantou, a suas expensas, um exército de 8 mil homens, guarneceu de trigo a praça sitiada e derrotou completamente o exército inimigo.

Quando em 1672 os turcos tomaram a cidade de Kamieniec, Sobieski derrotou-os completamente, tendo eles deixado 20 mil mortos e grande quantidade de armamento no campo de batalha. Esse feito provocou alívio geral na Polônia, tornando-se então Sobieski o grande herói nacional.

Sobieski aclamado rei por unanimidade

Com a morte do Rei Miguel, em 1674, Sobieski foi aclamado rei da Polônia por unanimidade, entre 17 pretendentes, sendo seis deles cabeças coroadas. A monarquia polonesa era eletiva.

Entretanto, mesmo antes de sua coroação, foi ele forçado a repelir as hordas turcas que mais uma vez tinham invadido a Polônia. Derrotou-as no ano de 1675 em Lemberg, chegando a tempo para fazer levantar o cerco de Trembowla e salvar seus defensores.

No ano seguinte, foi solenemente coroado em Cracóvia com sua esposa, Maria Casemiro Luisa, filha do marquês francês Lagrange d’Arquien.

Não teve muito tempo para gozar esse triunfo, pois foi necessário combater os russs nas províncias rutenas. Com um exército de apenas 20 mil homens, tinha diante de si um outro 10 vezes maior. Por meio de estratagemas e escaramuças, Sobieski logrou causar tanto dano ao inimigo, que o forçou a um tratado mediante o qual foi-lhe cedida boa parte da Ucrânia.

O destemido guerreiro salva a Europa


Sobieski na Batalha de Viena, por Julius Kossak

Sobieski pôde, enfim, gozar algum tempo de paz, pois os turcos haviam aprendido a temer o “Invencível Leão do Norte” — como o chamavam.(1)

Foi outro, porém, o alvo dos islamitas: a Áustria. “Havia sete anos eles se armavam desde o Danúbio até o Eufrates, desde o Mar Adriático até as Cataratas do Nilo; em todos os portos se embargavam os navios estrangeiros, para passar da Ásia e África à Europa”. Assim, com uma impressionante armada, “cuja descrição traz à memória a expedição de Xerxes contra a Grécia”,(2) com  cerca de 300 mil homens os turcos atravessaram a Hungria, uma grande parte da qual havia sido por quase 150 anos dominada por eles, e encaminhavam-se para Viena.

A situação era alarmante, pois se os turcos dominassem a Áustria, estaria ameaçada toda a Cristandade. “Foi um momento transcendental na História do mundo; importante como o ano de 732, quando os árabes, diante de Tours, lutavam pelo senhorio da Europa. [...] Pode-se dizer, com razão, que a independência da Alemanha estava nos muros de Viena; a meia-lua plantada de um modo duradouro nas muralhas de Viena teria mudado o curso da História universal”.(3)

Lancinante apelo do Papa Inocêncio XI

Percebendo toda a transcendência do perigo turco, o Papa de então, o Bem-aventurado Inocêncio XI, fez todo o possível para procurar auxílio em prol da ameaçada Áustria: “Conjuro-te pela misericórdia de Deus — escrevia a Luís XIV — que acudas em auxílio da oprimida Cristandade, para que não caia sob o jugo do horrível tirano”.(4) O monarca francês respondeu evasiva e friamente, com vãs desculpas e com acusações à corte de Viena.

O Soberano Pontífice apelou então para a Polônia. João Sobieski não foi surdo ao pungente apelo. Sabia bem que se Viena caísse, a Polônia tornar-se-ia fácil presa para o Islã.

“Em 31 de março de 1683, por mediação do Papa, ajustou-se uma aliança defensiva e ofensiva com o Imperador, contra os turcos, da qual se fez garantia o Papa, e que não só juraram os dois soberanos [o Imperador e Sobieski], mas também seus plenipotenciários e os cardeais” que os representavam.(5) O Imperador comprometia-se a mandar 60 mil homens para a campanha, e o rei da Polônia, 40 mil.

O astuto rei polonês, baseado nos seus espias, e contra a opinião geral, afirmava  que os turcos iriam diretamente sobre Viena. Por isso, pôs-se a caminho da capital austríaca, levando consigo seu filho Jacó Luís, de apenas 16 anos de idade. Passando por Czestochowa, as tropas rezaram pedindo à Mãe de Deus a bênção para suas armas.

Enquanto isso, o Vizir Kara Mustafá havia chegado próximo a Viena e organizado o cerco da cidade, que era defendida pelo valente Conde de Stahrenberg, à frente de 15 mil homens. O Imperador teve que deixar a cidade. Os turcos devastavam tudo nos arredores, praticando incêndios, assassinatos e violências. Faziam muitos prisioneiros nas aldeias em redor de Viena. Parte da população levavam como escravos, e parte matavam sem misericórdia. Vendo o estado de muitos desses infelizes que conseguiram escapar, mais de 60 mil habitantes de Viena fugiram da cidade sitiada.

“Vencer com glória ou morrer como cavalheiro”

Para incentivar seus homens e os cidadãos de Viena à resistência, o Conde de Stahrenberg fez-lhes uma preleção que terminava com as palavras: “Preferimos uma morte gloriosa no campo de honra que entregarmo-nos aos inimigos. [...] Segui-me como vosso líder, cordial e alentadamente, já que penso ou vencer com glória ou morrer como cavalheiro”.(6)

Os olhos da Europa estavam voltados para Viena, e em todas as igrejas, por ordem do Papa, foi exposto o Santíssimo Sacramento.

Quando Sobieski chegou com seu exército libertador nas proximidades de Viena, em 11 de setembro, a cidade exangue já estava em seus últimos haustos. No dia seguinte os cristãos cruzaram o Danúbio e juntaram-se às forças alemãs, sob o comando do Eleitor da Saxônia, João Jorge, e do Príncipe Carlos de Lorena. O total das forças cristãs chegava a 84 mil homens, sendo 38 mil infantes e 46 mil ginetes.

Ao saberem da chegada de Sobieski, os turcos foram tomados de terror, ainda mais que já estavam agastados com a duração do cerco, que excedia os usuais 43 dias, e suas fileiras estavam sendo dizimadas pelas balas dos resistentes e pela peste. Mas tinham ainda 170 mil guerreiros, sem contar as divisões que estavam na Hungria.

“Promessa: vitória se houver confiança em Deus”

Na manhã do dia 12 de setembro de 1683, travou-se a famosa batalha. Antes, na madrugada desse dia, Sobieski com todo seu estado-maior assistiu à Missa celebrada por um capuchinho enviado por Inocêncio XI, Frei Marco d’Aviano, que tinha fama de santidade e de visão profética do futuro. O próprio Sobieski acolitou a Missa. No fim desta, depois de abençoar o exército, Frei d’Aviano disse aos combatentes: “Em nome do Santo Padre, vos digo que a vitória é vossa, se tiverdes confiança em Deus”. Nesse momento Sobieski armou seu filho cavaleiro.

Depois, quando os dois exércitos estavam frente a frente, Sobieski deu sinal para o combate com o grito: “Deus é nosso auxílio!”

A resistência dos turcos foi desesperada. Por duas vezes foram acuados, e por duas vezes refizeram-se e contra-atacaram. Em determinado momento daquela carnificina, os hussardos carregaram com sua habitual impetuosidade sobre o inimigo, mas este era muito compacto e parecia impenetrável. Por isso os hussardos recuaram para nova investida. Mas os inimigos, tomando aquilo como fuga, correram atrás deles, abrindo assim sua defesa. Os hussardos então voltaram-se contra eles, junto a um reforço, abrindo grandes clareiras em meio ao inimigo e gritando o nome de Sobieski. Os turcos debandaram em desordem, enquanto o rei polonês e seus cavaleiros lançavam-se em sua perseguição. Os dois lados lutavam valentemente. Sobieski estava em toda parte comandando, combatendo, encorajando seus homens e impelindo-os sempre para a frente. Ele foi o primeiro a entrar no campo infiel. Kara Mustafá já havia fugido, os turcos foram vencidos e a Cristandade estava salva.

Vitória por Deus numa luta a Ele consagrada


A entrada triunfal de João Sobieski em Viena

Sobieski enviou ao Papa a notícia da vitória, junto ao “Estandarte do Profeta” tomado aos turcos.

“Prostrado, com os braços abertos, Sobieski declarou que era pela causa de Deus que ele estava lutando, e Ele quem dera a vitória: ‘Veni, vidi, Deus vincit’, escreveu ele em sua carta a Inocêncio XI”.(7)

Sobieski atacou ainda os turcos na Hungria, fazendo-os recuar ainda mais, e depois voltou à Polônia para passar o inverno. O perigo turco estava quebrado para sempre.

De volta à pátria, Sobieski passou seus últimos anos no seio da família, onde veio a falecer em 1696, consumido pelas preocupações políticas e pela doença.

“Ele amava as ciências, falava várias línguas, e não se fazia menos amar pela doçura de seu caráter que pela atração de sua conversação”.(8)

E-mail do autor : josemaria@catolicismo.com.br

Notas:

1. S. Tarnowsi, Sobieski,  in The Catholic Encyclopedia”, vol. 15, New York, The Universal Knowledge Foundation, Inc., 1911, pp. 61-62.

2. Juan Batista Weiss, Historia Universal, Tipografia La Educación, Barcelona, 1930, vol. XI, p. 880.

3. Id., pp. 881, 882.

4. Id., p. 883.

5. Id., p. 884.

6. Id., p. 889.

7. The Catholic Encyclopedia, id., p. 62.

8. Dictionnaire de la Conversation et de la lecture, par une société de savants et de gens de lettres, Paris, Librairie de Firmin Didot Frères, Fils et Cie., 1863, tomo 11, p. 589.

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