A morte da Irmã Lúcia e a efetivação das profecias de Fátima
17/03/2005
Luis Dufaur
O
falecimento da última vidente encerra uma
era na história de Fátima — a dos avisos — e abre outra:
a da concretização dos episódios finais anunciados na Cova da Iria
Em
13 de fevereiro passado, numa humilde e austera cela do Carmelo de Coimbra,
os olhos da Irmã Lúcia, aqueles mesmos que em 1917 contemplaram Nossa
Senhora e o Anjo de Portugal, fecharam-se definitivamente para esta Terra.
O
orbe católico foi percorrido pela emoção. E também por uma cruciante
indagação: agora que a última vidente de Fátima faleceu, como serão os
acontecimentos? Haverá uma relação entre seu passamento e a concretização
dos castigos universais profetizados na Cova da Iria?
Na
longa fila do velório, um fiel dizia: “Agora eu me sinto só. É como
se uma proteção que eu tinha tivesse desaparecido. Eu sinto necessidade
de rezar pelo mundo”. Sem sabê-lo, ele externava o sentimento de
muitos outros. Pois a simples presença da Irmã Lúcia na Terra mantinha
viva a esperança de mais um misericordioso aviso de Nossa Senhora, de
um último esclarecimento vindo através dela.
Porém,
a majestade da morte fechou seus lábios. Agora ela jaz num simples túmulo
na santa clausura do Carmelo. Sua partida para a eternidade, entretanto,
não encerrou a série de acontecimentos iniciados em 1917. É sentimento
largamente compartilhado pelos católicos do mundo todo que o “caso
de Fátima” entrou numa nova fase. Assim, o renomado vaticanista Vittorio
Messori pôde escrever: “Fátima forma um novelo inquietante de mistérios.
[...] O desaparecimento da última vidente não fechou o caso. Talvez,
mais propriamente reabriu-o, apontando para horizontes desconhecidos”.(1)
Grandiosa missão
A
Irmã Lúcia ingressou na História aureolada pela grandeza da Mensagem
de que foi portadora e pela sublime missão recebida. Missão colossal
que Nossa Senhora confiou-lhe naquele dia 13 de junho de 1917: “Jesus
quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer
no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”.(2) Um mês depois, a
Virgem acrescentou: “Virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado
Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados”.(3)
Em
aparições posteriores, Nossa Senhora e o Menino Jesus ensinaram à Irmã Lúcia
a prática da comunhão reparadora nos cinco primeiros sábados. Por fim,
em 13-6-1929, durante esplendorosa visão da Santíssima Trindade e do
Imaculado Coração de Maria, Nossa Senhora fez-lhe saber: “É chegado
o momento em que Deus pede para o Santo Padre fazer, em união com todos
os bispos do mundo, a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração,
prometendo salvá-la por este meio”.(4)
Aquele
foi um momento decisivo na missão da vidente. E ela cumpriu o seu profético
dever fazendo chegar naquele mesmo ano o solene pedido ao Papa Pio XI,
então reinante.
Longa série de apelos
À primeira
vista, dir-se-ia que uma vez transmitido o pedido, sua missão estava
cumprida. Pois efetuar a consagração não era da alçada da humilde religiosa,
mas do Vigário de Cristo.
Pio XI
recebeu a mensagem. Contudo, por razões não divulgadas, não realizou
a consagração. Abriu-se então a mais dolorosa e longa fase da missão
da Irmã Lúcia: insistir filialmente uma e outra vez ante os sucessivos
Pontífices, em favor da consagração que Nossa Senhora desejava e pedira.
Os
anos transcorreram sem que ela fosse efetivada. Até que, em nova comunicação íntima,
Nosso Senhor fez-lhe saber que o tempo de evitar o flagelo dos erros
do comunismo, por meio da consagração, tinha acabado: “Não quiseram
atender ao meu pedido. Como o rei de França, arrepender-se-ão, e fá-lo-ão,
mas será tarde. A Rússia terá já espalhado os seus erros pelo mundo,
provocando guerras, perseguições à Igreja: o Santo Padre terá muito que
sofrer”.(5)
Em
21-1-1935, Nosso Senhor comunicou à Irmã Lúcia estar “bastante descontente
por não se realizar o seu pedido”.(6) Em cartas posteriores, a Irmã Lúcia
retransmitiu novos pedidos e advertências celestes concernentes à consagração.
Mais
ainda, em 2-12-1940 ela escreveu diretamente ao Papa Pio XII, instando-o
a fazê-la. Pio XII consagrou a Igreja e o gênero humano ao Imaculado
Coração de Maria, em 31-10-1942. Mas não preencheu os requisitos fixados
por Nossa Senhora. A Irmã Lúcia então comunicou ao Sumo Pontífice, da
parte de Nosso Senhor, que, como o ato “foi incompleto, fica a conversão
da Rússia para mais adiante”.(7)
No Concílio, um lance supremo
Em
1962, abriu-se o Concílio Vaticano II. Este constituiu oportunidade
excepcional para o Papa e os bispos de todo o orbe católico ali congregados
atenderem aos apelos do Céu e apressarem o fim das calamidades suscitadas
pelo socialismo e o comunismo, que até aquela data já haviam causado
dezenas de milhões de mortes.
Foi
assim que, nesse Concílio, deu-se um lance dos mais dramáticos a propósito
de Fátima. 510 arcebispos e bispos de 78 países subscreveram uma petição
ao Sumo Pontífice, para que consagrasse de modo especial e explícito
a Rússia e as demais nações dominadas pelo comunismo, ordenando que,
em união com ele, e no mesmo dia, também o fizessem todos os bispos do
mundo. Dita petição foi entregue ao Papa Paulo VI em 3-2-1964, pelo
Arcebispo de Diamantina (MG), Dom Geraldo de Proença Sigaud.
Mas
tal apelo não teve o eco esperado. Paulo VI “confiou o gênero
humano” ao Imaculado Coração de Maria em 21-11-1964. Mais tarde,
João Paulo II, em 13-5-1982 e 25-3-1984 consagrou o mundo ao
Imaculado Coração de Maria, sem fazer menção nominal da Rússia. Nenhum
desses atos — segundo a Irmã Lúcia — satisfez as condições
impostas por Nossa Senhora.
Véu de mistério
Em
1989 a História virou mais uma página. Em meados daquele ano, a Irmã Lúcia
começou a julgar válida a consagração efetuada por João Paulo II
em 25-3-1984. Até então, ela própria a considerava inválida, do ponto
de vista do pedido de Nossa Senhora. Para esta mudança, a Irmã Lúcia
não aduziu nenhuma revelação sobrenatural, deixando claro que estava
formulando uma opinião pessoal.
Esse
aspecto do entardecer da vida da Irmã Lúcia não oblitera o fato essencial:
ela cumpriu sua obrigação de comunicar ao Papa o pedido de Nossa Senhora,
de consagrar explicitamente a Rússia e estabelecer a devoção ao seu Imaculado
Coração.
Hora dos castigos divinos?
Quanto
ao restante da Mensagem, pode-se supor que a concretização dos misericordiosos
mas terríveis lances finais, previstos em Fátima, estão por ocorrer.
Eles visam à conversão da humanidade pecadora, que não atendeu como devia
os incessantes e renovados avisos, pedidos e advertências de Nossa Senhora
no sentido de uma mudança de vida.
Para
tentar lançar luzes sobre esses misteriosos acontecimentos, poder-se-ia
indagar se há fatos no horizonte do acontecer humano que os prenunciam.
Fatos que abonam a hipótese
Imagem de Nossa Senhora
de Fátima
|
O recente e devastador tsunami, no
oceano Índico,
não terá sido a ouverture da etapa final dos castigos previstos
em Fátima? A furiosa ofensiva muçulmana contra os restos de Civilização
Cristã ainda existentes, não é um acontecimento que vai também nessa
linha? Nos quatro cantos da Terra, constatam-se perseguições sangrentas
a católicos, com milhares de mártires por ano.
Os
erros socialistas e comunistas espalhados pela Rússia no mundo, e portanto
no Brasil, geraram uma inimaginável onda de hostilidades contra o que
resta da ordem cristã e contra a própria Igreja Católica. Aborto, eutanásia, “casamento” homossexual, laicismo
beligerante, experiências genéticas anti-naturais e clonagem humana,
demolição da propriedade, extinção das legítimas tradições... A lista é longa.
Limitemo-nos
a um exemplo. A Espanha sofreu sanguinária guerra civil, atiçada pelo
socialismo e comunismo internacional, entre 1936 e 1939. Em 4-5-1943,
a Irmã Lúcia enviou um recado de Nosso Senhor aos bispos espanhóis, para
que “determinem uma reforma no povo, clero e ordens religiosas. [...]
Se os Srs. Bispos da Espanha não atenderem aos seus desejos, ela [a
Rússia] será mais uma vez ainda o açoite com que Deus os pune”.(8)
Tampouco
este aviso foi ouvido. Mas, humanamente falando, nada fazia supor semelhante
flagelo. Pois, desde o fim da guerra civil, a Espanha trilhou uma senda
rumo à prosperidade, em que os conflitos ideológicos pareciam hibernados
para sempre. Até que, em 11-3-2004, o Islã revolucionário desferiu feroz
atentado terrorista, o socialismo assumiu o poder e desencadeou desapiedada
ofensiva contra o catolicismo. E isso realizou-se a ponto de o Primaz
da Espanha, D. Antonio Cañizares, Arcebispo de Toledo, afirmar que
os poderes públicos e a mídia estão “dispostos a despedaçar” a
Igreja e fazê-la “desaparecer”, pela “eliminação física” e
pelo “ataque moral”.(9)
Temores
da Irmã Lúcia
Fontes
dignas de crédito afirmaram em Portugal que a Irmã Lúcia desejava ir
a Lisboa para orar especialmente na recente eleição que concedeu maioria
absoluta ao socialismo no Parlamento do país. O gesto teria sido inaudito.
Previra
ela, nessa votação, um sinal introdutório desta profecia da Bem-aventurada
Jacinta: “Um terrível cataclismo de ordem social ameaça o nosso País
e principalmente a cidade de Lisboa. Desencadear-se-á, segundo parece,
uma guerra civil de caráter anarquista ou comunista, acompanhada de saques,
morticínios, incêndios e devastações de toda espécie. A capital converter-se-á numa
verdadeira imagem do inferno. Na ocasião em que a Divina Justiça ofendida
infligir tão pavoroso castigo, todos aqueles que o puderem fazer fujam
dessa cidade”.(10)
Se
o socialismo português se alinhar com o socialismo espanhol, esta hipótese
tornar-se-á especialmente verossímil.
Sinais
de uma conversão?
Rumando
numa direção inteiramente oposta, constata-se uma onda conservadora de âmbito
universal, de retorno aos valores morais e às instituições tradicionais,
como a família. O caso dos EUA é paradigmático, mas o fenômeno atinge
o mundo todo. Não será ele fruto inicial de um trabalho da graça no cerne
de inúmeras almas? Pode ser que ele prepare conversões, que estão na
medula do triunfo do Imaculado Coração de Maria.
O
falecimento da Irmã Lúcia encerrou um ciclo e abriu outro, talvez mais
impressionante, na execução da Mensagem de Fátima. Neste ciclo, mais
do que as especulações humanas, a Providência Divina, manifestando-se
através dos fatos, dirá a palavra final.
É mais à linguagem
dos acontecimentos que nós católicos devemos estar atentos, porque a
sucessão dos avisos não produziu os misericordiosos efeitos desejados
por Nossa Senhora.
________
Notas:
1. “Corriere della Sera”, 15-2-05.
2. Apud Antonio Augusto Borelli Machado, As aparições e a mensagem
de Fátima conforme os manuscritos da Irmã Lúcia, Artpress, São Paulo,
1997, 46ª ed., p. 41.
3. Op. cit., p. 47.
4. Op. cit., p. 77.
5. Op. cit., pp. 78-79.
6. Op. cit. p. 79.
7. Op. cit., p. 84.
8. Op. cit., p. 84.
9. “Agência Católica Internacional” (ACI), 16-8-04.
10. Antonio Augusto Borelli Machado, op. cit., p. 65.
A relíquia e o semblante
§ José Narciso Soares
O sol
brilhava e a tarde apresentava-se seca e fria, quando iniciei a viagem
rumo a Coimbra, a fim de prestar a minha homenagem póstuma à última
vidente das aparições de Fátima, a Irmã Lúcia de Jesus, carmelita
descalça no Carmelo de São José há mais de 50 anos, falecida no dia
anterior, domingo, 13 de Fevereiro, aos 97 anos de idade.
Aquele
prédio vetusto já me era familiar dos tempos de estudante em Coimbra,
onde, por vezes, assistia aos atos litúrgicos; ou ainda ouvia o cântico
do ofício nas tardes de domingo. Durante a viagem, procurei recordar-me
daqueles tempos do início da década de 1970: das religiosas que,
longe de qualquer protagonismo mundano, rezavam e ofereciam sacrifícios
por todos nós; das suas orações que evolavam até o Altíssimo, e que
faziam relembrar a promessa feita durante as aparições: “Por fim,
o meu Imaculado Coração triunfará”.
Ao aproximar-me
da zona adjacente ao convento, grande era o movimento de pessoas
e de carros, para surpresa minha, pois esperava que houvesse muito
menos gente para rezar ante o túmulo de uma religiosa que, embora
privilegiada com a mais importante aparição mariana do século XX,
vivera voluntariamente quase sempre em reclusão. Mas o ambiente era
outro: milhares de pessoas acotovelavam-se à porta do Carmelo, para
rezar ou manifestar uma derradeira homenagem à Irmã Lúcia. Vi gente
de todas as classes sociais, das mais humildes às mais abastadas;
de todas as idades, desde os muito jovens até os mais provectos,
passando pelos de meia idade; de diversos lugares de Portugal e até do
estrangeiro: ninguém arredava pé.
Quando
finalmente entrei, depois de mais de três horas de espera, pude contemplar,
embora de maneira fugaz, o corpo da Irmã Lúcia que repousava na urna
funerária, e o que nele mais chamava a atenção: o seu semblante sereno
que, quanto a mim, jamais se me apagará da memória.
Dela guardo também,
ainda do tempo em que freqüentava o Carmelo, um terço que ela própria
confeccionara, e que me acompanha há mais de 30 anos. Hoje, depois
da sua passagem à eternidade, conservo-o como uma relíquia.
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Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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