Corrupção política.
Haverá remédio?


19/08/2005

Plinio Corrêa de Oliveira

Fé e recomposição moral das elites: a solução para o gravíssimo problema da corrupção que se espalha, deixando o País numa dramática situação e o povo escandalizado

E m conferência proferida no dia 4-12-93, Plinio Corrêa de Oliveira tratou da problemática da corrupção na sociedade. As sábias considerações então desenvolvidas aplicam-se de modo muito adequado à presente situação do Brasil.

O texto abaixo foi extraído da gravação em fita magnética, não tendo sido revisto pelo orador. Dessa conferência, apresentamos os excertos que focalizam especialmente a questão da liceidade ou não de contribuição financeira a candidatos a cargos públicos.

*     *     *

“Em tese, uma pessoa rica contribuir para obter a eleição de um candidato não é, em si, um ato desonesto. Mas se ela contribui financeiramente porque, por exemplo, o candidato à presidência da República combina que lhe dará tais e tais negócios, isso se transforma em negociata.

Entra nisso — muito mais do que uma amizade particular — uma solidariedade de interesses, porque o empresário que faz alguém galgar ao cargo público recebe, em compensação, um contrato vantajoso. O que equivale a ser contratado para um negócio público não o mais competente, mas aquele que facilitou a subida de tal candidato. Aí começa a aparecer o lado espúrio.

Um fato que em si mesmo não tem nada de censurável pode, entretanto, dadas as circunstâncias, ser uma operação francamente ilícita.

Além do mais, não só aquele que contribuiu com dinheiro tem facilidades para receber o negócio, mas também para ampliá-lo. Ou seja, ele pode cobrar do Estado uma quantia muito maior do que cobraria alguém que não prestou ajuda ao candidato. Isso seria desonesto, porque entra uma ‘cavação’ pela qual o financiador cobra um valor que não tem proporção com o serviço que vai prestar. Ele cobra muito mais, faz uma execução relaxada do serviço, e o Poder Público não reclama. Tudo isto em razão do dinheiro que foi dado para o candidato galgar o mais alto poder, e da possibilidade de, em outra eleição, o mesmo beneficiário receber outra quantia mais polpuda ainda. E então temos uma operação ilícita em cena.

São variantes maiores ou menores de um mesmo pensamento central, que se poderia descrever em torno da sentença do Direito Romano: ‘Do ut des, facio ut des, do ut facias, facio ut facias’ (Eu te dou para que tu me dês, faço para que me dês, dou para que faças, faço para que faças).(1)

É uma combinação que pode ser feita aladroadamente ou honestamente, conforme as partes engajadas no tipo de negócio.

A questão, no seu eixo, no que ela tem de mais central, não está na forma de governo nem na forma da economia, ela está no grau de moralidade pública.

Muitas pessoas vêem que a falta de religião é raiz de todo mal, mas não querem absolutamente propagá-la de modo a criar um ambiente de moralidade. Porque obrigá-las-ia a não serem ladras. Ora, elas podem concordar que o roubo é uma coisa abjeta, mas deduzir daí que elas não roubarão, é uma coisa muito diferente.

Para eliminar a corrupção é preciso haver um apostolado de caráter essencialmente religioso, pelo qual se torne presente o auxílio da graça de Deus, que toque as almas, as inteligências e as vontades; de maneira que elas se convertam, e, a partir desta conversão, alguma coisa se consiga. Ora, tal conversão é evidentemente dificílima em épocas de imoralidade generalizada.

 Assim sendo, é preciso, se se quiser descer aos últimos recônditos do problema, haver apóstolos — como os recomenda Dom Chautard(2) — de vida interior autêntica, desejosos verdadeiramente do Reino de Deus antes de todas as coisas, e de que se faça a vontade de Deus assim na Terra como no Céu. Praticando eles mesmos tais virtudes, e incitando pelo exemplo e pela palavra — como também pela repressão do Estado, em alguma medida — as pessoas a mudarem de procedimento.

Se não houver isso, não adianta nada. O suborno dissemina-se como mancha de azeite que cai sobre uma folha de papel: vai penetrando e espalha-se por toda a contextura do papel.

Em certo momento o número de ladrões pode tornar-se tão grande, que é praticamente impossível reprimir o crime sem se colocar a nação inteira na cadeia. Nessas circunstâncias, surge uma alegação: é preciso dar um jeito.

Qual é o jeito? Um acordo: o indivíduo pode subornar, e não irá para a cadeia; apenas terá que pagar certa multa. É a roubalheira que continua, com preços ainda mais altos. É a oficialização do roubo.

Um ladrão de galinhas, visto pulando o muro de madrugada com duas ou três galinhas na mão, é preso. Vai para a prisão e fica desmoralizado. O outro, que arranjou a negociata, não fica desmoralizado, não é preso; tudo acaba num arranjo, e ele ganha mais dinheiro.

Conclusão: todos roubam de todo mundo; o roubo estabelece-se como costume oficial; o trabalho perde o seu prestígio e a competência perde a sua influência.

*     *     *

Desse modo, qualquer regime que seja, comunista ou capitalista, afunda no roubo e se desfaz; resulta numa ‘roubolândia’, em que uma minoria de ladrões acaba dominando o país.

Dá-se o desfazimento da sociedade e uma adulteração da polêmica. Uns dizem-se socialistas; alguns, comunistas; e outros, capitalistas. Os comunistas acusam os capitalistas, porque no regime capitalista o roubo se generaliza de todos os modos. Os capitalistas acusam os comunistas, porque no regime comunista o roubo se instala de todas as formas. Todo o mundo acusa todo o mundo de ladrão, todos são ladrões. E, afinal, a situação geral descamba para a anarquia e o caos.

Assim, vamos caminhando para uma ordem de coisas em que a discussão capitalismo-comunismo perde sua consistência. O comunismo é capitalismo; o capitalismo é comunismo; todo mundo é ladrão, a não ser uma meia dúzia de pessoas que ainda crêem verdadeiramente em Deus.

Trata-se de uma deterioração gradual, e enquanto não houver uma conversão religiosa, as instituições vão apodrecendo. Nesse quadro, ninguém pode ter ilusão a respeito. Levando-se uma vidinha, que à primeira vista pode parecer tranqüila, a corrupção das mentes ainda é pior do que a corrupção da economia. E todo mundo acaba se acostumando com essa situação.

Mas então, qual o remédio para isso?

É preciso recompor as elites — elites morais, antes de tudo —, mas elites por excelência, de famílias, nas quais ainda alguma coisa se conserva pela recordação de seus maiores, que foram célebres por sua honestidade etc. Ou se trabalha para restaurar verdadeiras elites, ou não há solução. O remédio é restabelecer a ordem hierárquica na sociedade.

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Notas:

(1) Digesto, 19.5.5 (adaptado).

(2) O conferencista refere-se ao renomado livro A alma de todo o apostolado, do Abade do Mosteiro de Sept-Fons (França), Dom Jean-Baptiste Chautard (1858-1935).

Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

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