PARAI E VEDE
20/12/2005
Plinio Corrêa de Oliveira
“Ó vós que passais pelo caminho, parai e vede se há alegria
semelhante à minha. Ó vós que viveis cupidamente para o
ouro, ó vós que viveis tolamente para a vanglória, ó vós
que viveis torpemente para a sensualidade, ó vós que viveis diabolicamente
para a revolta e para o crime, parai e vede as almas verdadeiramente católicas,
iluminadas pela alegria do Natal. O que é a vossa alegria comparada à delas?”
Não resisti. Era minha intenção escrever sobre algum
tema relacionado ao panorama político ou — Ó amargura
das amarguras, negrume dos negrumes! — a crise interna na Igreja. Entretanto,
senti que nem em mim, nem em torno de mim, havia condições
para isso. Do fundo de minha alma subiam as reminiscências harmoniosas
e distensivas dos meus Natais de outrora. Em torno de mim — no olhar
de muitos dos conhecidos e desconhecidos com que cruzo pelas ruas, no reflexo
dos amigos ao lado dos quais luto e trabalho, e dos íntimos cuja amizade
me tem acompanhado ao longo dos anos que se vão — noto uma sede
espiritual mal saciada, um desejo mudo e talvez até subconsciente
de reencontrar um pouco da verdadeira alegria do verdadeiro Natal. Por certo,
tal é também o estado de espírito de muitos dos meus
leitores.
Nestas condições, parecia-me censurável recusar-me a
mim mesmo, e a tantas outras pessoas, uma ocasião para libertar das
enxovias do olvido tantas recordações áureas, e para desalterar
a sede de maravilhoso, de doce, de sacrossanto de que reluz o Natal.
Para o lado, pois, visões tétricas de povos opressos, de tiranos
sanhudos, de multidões eletrizadas por demagogos, de escribas sinuosos
a modelar noticiários tendenciosos para enganar o público. Por
alguns instantes, abramo-nos à luz do Natal, a fim de que se reanimem
as nossas almas exaustas e desoladas. Depois retomaremos com maior coragem
o fardo quase insuportável...
O perfume de outrora e o aspecto comercial do Natal de hoje
O
Natal passou a ser uma função do comércio. Propaganda
frenética quase elimina a liberdade da população
para não fazer compras. |
Bem entendido, não falo da alegria propagandística e inautêntica
que domina esse Natal de hoje. Perdeu ele em nossos costumes sociais quase
todo o seu perfume de outrora. E passou a ser uma função do comércio.
Uma propaganda frenética quase não deixa à população
liberdade psíquica para não fazer compras. Compras que cabem
no orçamento de cada qual. E compras que não cabem. É preciso “obrigar” o
povo a comprar, para dar circulação aos estoques acumulados e
avolumar o montante dos negócios. O Natal tomou assim, há anos,
o aspecto afanoso e trepidante de uma imensa correria do povo a serviço
do esforço desenvolvimentista.
Ipso facto, a psicologia do presente e das festas mudou. Cada
vez mais, o presente vai perdendo seu caráter afetivo, desinteressado e íntimo.
Ele é um apêndice do negócio. Sua razão de ser principal é criar,
entreter ou ampliar relações que sirvam aos negócios.
Ao sopro dessa mentalidade, mesmo o presente desinteressado vai tomando ares
comerciais. Cada qual procura prever quanto custará o presente que receberá do
amigo, para dar um de igual preço. Pois, se o presente dado valer mais
do que o recebido, o doador se sentirá bobeado e frustrado. E reciprocamente.
Em suma, o presente passou a ser uma troca, calculada em função
do valor. Quanto à festa — preparada em geral com superdificuldade — quantas
vezes é o interesse econômico que, em lugar da amizade, motiva
a confecção da lista dos convidados, o vulto das despesas, etc.
“Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na Terra aos
homens de boa vontade” (Lc 2, 14). Como este cântico angélico
encontrou ambiente adequado nas vastidões desertas dos campos de Belém
e nos corações retos dos pastores que despertavam do pesado e
tranqüilo sono! Como, pelo contrário, as palavras do coro angélico
parecem estranhas, sem ressonância, sem afinidade com as cogitações
dos homens, nestas megalópoles modernas dominadas pela obsessão
do ouro, isto é, da matéria.
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