PARAI E VEDE


20/12/2005

Plinio Corrêa de Oliveira

Efusão de graças peculiares nos dias de Natal


Certos presépios progressistas exibem a Sagrada Família com os traços e a fisionomia desfigurados pela arte moderna

Morreu o Natal autêntico? Com um pouco de exagero, poder-se-ia dizer que sim. Morreu na alma metalizada de tantos milhões de homens. Morreu até em certos presépios. Sim, nos presépios progressistas, que nos exibem a Sagrada Família com os traços e a fisionomia desfigurados pela arte moderna, e com conotações que induzem à revolução social.

Mas, se há algum exagero em dizer que o Natal morreu, é verdade que alguns lampejos de vida ele ainda conserva. Vamos à procura deles.

Encontrá-lo-emos antes de tudo — e borbulhantes — no próprio fato de ser dia de Natal. Cada festa do calendário litúrgico traz consigo uma efusão de graças peculiares. Queiram ou não queiram os homens, a graça lhes bate às portas da alma, mais sublime, mais meiga, mais insistente, nestes dias de Natal. Dir-se-ia que, apesar de tudo, paira nos ares uma luz, uma paz, um alento, uma força de idealismo e dedicação, que é difícil não perceber.

“Até os piores pecadores tudo podem pedir e esperar”

Ademais, em inúmeras igrejas, em muitos lares, o presépio autêntico ainda nos põe diante dos olhos a imagem do Menino Deus, que veio para romper os grilhões da morte, para calcar aos pés o pecado, para perdoar, para regenerar, para abrir aos homens novos e ilimitados horizontes de fé e de ideal, novas e ilimitadas possibilidades de virtude e de bem.


Com as graças de Natal, florescem os dons de alma. O dom do afeto. O dom do per-dão. E, como símbolo, a oferta delicada e desinteressada de algum presente.

Deus, ei-Lo exorável e ao nosso alcance, feito homem como nós, tendo junto de Si a Mãe perfeita. Mãe d’Ele mas também nossa. Por meio d’Ela, até os piores pecadores tudo podem pedir e esperar. Ali também está São José, o varão sublime que reúne em si a maravilhosa antítese das mais diferentes qualidades. É príncipe da Casa de Davi e é também carpinteiro. É defensor intrépido da Sagrada Família. Mas, ao mesmo tempo, é pai terníssimo e esposo cheio de afeto. Esposo perfeito, é entretanto o esposo castíssimo d’Aquela que foi sempre Virgem. Pai verdadeiro, entretanto não é pai segundo a carne. Modelo de todos os guerreiros, todos os príncipes, todos os sábios e todos os trabalhadores que, de futuro, a Igreja engendraria nesta Terra para o Céu, ele não foi principalmente nada disto. Seus títulos mais altos são dois: pai de Jesus e esposo de Maria. Títulos pequeninos e imensos, que ao mesmo tempo, paradoxalmente, pulverizam e comunicam vida, nobreza e esplendor a todos os títulos da Terra.

Florescem os dons, brilha a alegria de se ter fé e virtude

Os pastores ali se apresentam em amável intimidade com os animais, bem como com Nossa Senhora, São José e o próprio Menino Jesus. É a imagem comovedora de Deus excelso, que leva a irradiação de sua grandeza ao extremo de tocar e elevar até o que há de mais humilde e pequeno entre os homens; que, não contente com isto, atrai e cobre de bênçãos até as criaturas irracionais.

Ao contemplar isto, nossas almas crispadas se distendem. Nossos egoísmos se desarmam. A paz penetra em nós e em torno de nós. Sentimos que em nosso vizinho algo também está enobrecido e dulcificado. Florescem os dons de alma. O dom do afeto. O dom do perdão. E, como símbolo, a oferta delicada e desinteressada de algum presente.

Para que nada falte, o irmão corpo — como dizia São Francisco — também tem sua parte na alegria. Feita a oração junto ao presépio, sentam-se todos à mesma mesa. Come-se sem comilança. Bebe-se sem embriaguez. É a festa em que brilha a alegria de se ter fé, de se ter virtude, de se ter, em ordem sacral, feitas as ações e postas as coisas.

A alegria da fé, do sobrenatural e da ordem sacral

Alegria de Natal? Sim. Mas muito mais do que isto. Alegria dos 365 dias do ano, para o católico verdadeiro. Pois na alma em que, pela graça, habita o Salvador, esta alegria dura sempre e jamais se apaga. Nem a dor, nem a luta, nem a doença e nem a morte a eliminam. É a alegria da fé e do sobrenatural. A alegria da ordem sacral.

“Ó vós que andais pelo caminho, parai e vede se há uma dor semelhante à minha” (Lam. 1, 12) — exclamou o profeta Jeremias, antevendo a Paixão do Salvador e a compaixão de Maria.


São José príncipe da Casa de Davi é também carpinteiro. É guarda e protetor intrépido da Sagrada Família

Mas ele também poderia ter dito, profetizando as alegrias cristãs perenes e indestrutíveis que o Natal leva a seu auge: ó vós que passais pelo caminho, parai e vede se há alegria semelhante à minha. Ó vós que viveis cupidamente para o ouro, ó vós que viveis tolamente para a vanglória, ó vós que viveis torpemente para a sensualidade, ó vós que viveis diabolicamente para a revolta e para o crime, parai e vede as almas verdadeiramente católicas, iluminadas pela alegria do Natal. O que é a vossa alegria comparada à delas?

Não vejais nestas palavras provocação, nem desdém. Elas são muito mais do que isto.

São um convite para o Natal perene, que é a vida do verdadeiro fiel: “Christianus alter Christus” — o cristão é um outro Jesus Cristo.

Não, não há alegria igual. Até mesmo quando o católico está, como Jesus Nosso Senhor, cravado na cruz...


* * *

Nota:

Artigo publicado na “Folha de São Paulo”, em 27-12-1970. Os intertítulos foram inseridos por esta redação.

Páginas: 1 2

Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

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