Ano de tsunamis materiais e morais


09/01/2006

Luis Dufaur

Em 2005, uma voragem de fatos. Vários deles, isoladamente, poderiam marcar um século. Sinalizaram duas direções diametralmente opostas. Neles pode-se notar a presença de Deus, embora muitos o neguem.

-Janeiro: efeitos do devastador tsunami


Contraste chocante entre o réveillon em Nova York e...

No primeiro dia de janeiro de 2005: em Nova York, caras sorridentes, quase histéricas de alegria, atrás de enormes óculos com vidros vermelhos e armação formando o número 2005. Mas, do outro lado do planeta, na Tailândia, a passagem do ano foi marcada por cerimônias fúnebres. O contraste dominou um ano marcado pelo tsunami asiático, cuja extensão o mundo pôde aquilatar melhor naquele início de ano.

Ele estremeceu a Terra e, ao pé da letra, o planeta ficou mais achatado, seu eixo mudou de posição, ilhas e continentes deslocaram-se. Mas nem as destruições nem a cifra das vítimas abalaram tanto quanto a percepção da fragilidade da babilônica civilização globalizada. "Os únicos exemplos de desastres simbolicamente capazes de aniquilar toda a humanidade eram o dilúvio ou o apocalipse. Hoje, o que não passava de virtualidade começa a ganhar realidade histórica”, comentou um embaixador brasileiro.(1)


Uma pergunta veio à tona: “Então Deus existe e age? Ele pode ter permitido ou enviado o tsunami? E se foi Ele, não poderá permitir ou causar outros eventos análogos?” Não poucos formularam tal questão. Muitos tentaram esquecê-la. Alguns puseram-se a rezar. Outros, em cátedras religiosas, tentaram exorcizá-la como se Deus devesse ser alheio a acontecimentos de tal magnitude.

-Fevereiro: morte da última vidente de Fátima

Enquanto brigadas de adolescentes indonésios recuperavam aproximadamente 400 cadáveres por dia, a Irmã Lúcia falecia no Carmelo de Coimbra. Ela encarnava a esperança de que mais uma palavra do Céu viesse a esclarecer os presentes dias, em atenção à insondável misericórdia divina. Seu falecimento foi de molde a provocar a sensação de proximidade da calamidade mundial prevista em Fátima.

-Março: agonia de S. S. João Paulo II

Mal se extinguiam os ecos do falecimento da Irmã Lúcia, quando uma outra notícia relampagueou como raio em céu sereno: João Paulo II era urgentemente internado na Policlínica Gemelli de Roma.

Arrostando longas enfermidades, o desfecho era previsto. Suas idas e vindas ao Gemelli; a traqueotomia; a agonia no Vaticano –– foram acompanhadas minuto a minuto em todo o orbe.

-Abril: morte de João Paulo II e eleição de Bento XVI


Eleição de Bento XVI

Em 2 de abril, o Arcebispo Leonardo Sandri anunciou o falecimento de S. S. João Paulo II. Ocorreu então um movimento único na História: cerca de 200 chefes de Estado e de governo compareceram às suas exéquias no Vaticano. Algo inteiramente inédito: o presidente dos EUA, juntamente com dois ex-presidentes desse país, todos protestantes, ajoelharam-se diante do catafalco do Papa. Até potências islâmicas acharam melhor comparecer aos funerais do chefe da Igreja Católica... por eles tão odiada.

Mais de três milhões de fiéis, jovens na maioria, convergiram para Roma, a fim de prestar derradeira homenagem àquele Pontífice. Foi um tsunami moral e religioso, em cuja origem seria árduo negar uma ação da graça divina atestando a santidade da Igreja Católica.

A fumaça branca anunciou logo a escolha do novo Papa. A imprensa irreverente apelidou Bento XVI de rottweiler de Deus. E muitos comentários procuravam documentar uma tendência, como este de um jornalista brasileiro: "Primeiro Bush 2º, agora Bento 16. A onda conservadora que assola o mundo desde o começo deste século agora chega a mais um momento apoteótico".(2)

-Maio: o NÃO francês à Constituição Européia

Ainda se falava do tsunami religioso de Roma, quando um outro — de natureza diversa, mas também de fundo moral — fez sentir seu efeito salutar. A França disse NÃO à Constituição Européia, visceralmente anti-européia e anti-cristã. Em referendo nacional, 55% a rejeitaram enquanto só 45% a apoiaram.

O resultado constituiu imensa surpresa. A grande mídia, o establishment político francês e europeu, bem como as sondagens de opinião davam por certa a aprovação do documento. Mesmo os bispos da França não se haviam oposto ao texto que ignorava totalmente as origens cristãs da Europa. Entretanto, o eleitorado francês disse NÃO à absurda constituição.

-Junho: também a Holanda diz NÃO. Tsunami espanhol

Em junho, o povo holandês respondeu com outro sonoro NÃO à mesma consulta: 62% contra 38%. Foi o golpe de misericórdia na nefanda carta constitucional. À luz dos resultados francês e holandês, a opinião pública espanhola, que previamente dissera SIM, percebeu que tinha sido informada "com sectarismo". O referendo espanhol — no qual 57% dos eleitores se abstiveram — constituiu uma "fraude eleitoral", segundo o diário “ABC” de Madri.

Nesse mês, um milhão e meio de espanhóis encheram grandes avenidas de Madri para protestar contra a lei de "casamento" homossexual impingida pelo Partido Socialista. Também a Itália teve o seu tsunami moral: a pedido do episcopado, os italianos abstiveram-se em massa de votar em um plebiscito para aprovar a chamada “reprodução assistida” — que inclui vários tipos de fertilização artificial —, tornando inviável a iníqua proposta por falta de quorum.

-Julho: terror islâmico ataca Londres e assusta a Europa

No pior ataque sofrido por Londres desde a Segunda Guerra Mundial, o terrorismo islâmico fez 54 mortos e 700 feridos. As bombas foram colocadas em meios de transporte público como metrô e ônibus, atingindo civis desarmados. Enquanto isso, na Itália, o pregador islâmico Abdel Qader Fadlallah Mamour ameaçava com um ataque químico “em breve” a Roma, Milão, Bolonha e Veneza.

A França logo fechou suas fronteiras, em previsão de eventuais atentados na festa nacional do dia 14 de julho, refletindo o medo que tomou conta do continente europeu.

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