Andreas Hofer,Líder contra-revolucionário do Tirol
10/01/2006
José Maria dos Santos
Apesar
de alguns senões em sua vida, o chefe tirolês tornou-se símbolo
da resistência católica contra as forças revolucionárias
de seu tempo e de fiel servidor da Casa d'Áustria
Andreas
Hofer |
O Tirol, essa pitoresca província austríaca no centro da cadeia
dos Alpes, no início do século XIX limitava-se a oeste com a
Suíça e o Vorarlberg austríaco; ao norte, com a Baviera;
e ao sul, com a Itália. Região montanhosa — dezenas de
seus picos se elevam a mais de três mil metros de altitude — suas
comunicações se faziam pelos vales, principalmente os dos rios
Inn e Adige. Constituía uma província do Sacro Império
Romano Alemão.(1)
Por sua altitude, a neve cobria o Tirol durante seis meses. Sendo suas vilas
distantes umas das outras, era normal que os entroncamentos das estradas fossem
salpicados de albergues, não só onde os viajantes pudessem passar
a noite, mas que servissem também de ponto de encontro para o povinho
em busca de notícias.
Foi num desses albergues, o de Sandhof, que nasceu Andreas Nikolaus Hofer à meia-noite
do dia 22 de novembro de 1767. Seu pai, Josef Hofer, atingira já os
quarenta e três anos, e sua mãe, Maria Hofer, tinha pouco menos
e já havia dado à luz três meninas. Ela morreria apenas
três anos depois. Josef contrairá segundas núpcias, mas
morrerá em 1774, deixando Andreas, com apenas sete anos de idade, duplamente órfão.
O menino foi criado pela irmã mais velha e o cunhado, que tomaram a
direção do albergue que desde o século XVII pertencia à família.
Formado no cadinho das tribulações, Andreas habituou-se a resolver
por si só seus problemas, o que lhe deu uma precoce maturidade.
Nessa região extremamente religiosa, Andreas aprendeu em casa e na
igreja os fundamentos da Religião católica; uma fé viva
e profunda piedade marcarão seu futuro. Na escola comunal, instituída
pela imperatriz Maria Teresa anos antes, ele aprendeu a ler, escrever e contar.
O “General Barbone”, presença marcante
no Tirol
Batalha
de Bergisel: vitória dos tiroleses e reconquista de Innsbruck |
Apenas entrado na adolescência, Andreas deixou o lar para ir ao extremo
sul do Tirol trabalhar com alberguistas e comerciantes de vinho. Nessa área
italiana da província, aprendeu com facilidade a língua local,
falando-a fluentemente.
Aos 20 anos de idade, voltou para Sandhof e tomou a direção
do albergue familiar; a irmã e cunhado instalaram-se em outra província.
O jovem e esforçado alberguista, para liquidar as dívidas pendentes
do estabelecimento, resolveu acrescentar a ele o comércio de vinho,
licores e cavalos.
No ano seguinte, em 21 de julho de 1789, com 21 anos de idade, Andreas contraiu
matrimônio com Anna Ladurner. Nascerão dessa união seis
meninas (das quais duas morrerão cedo) e um menino.
Andreas era então, por sua maturidade e determinação,
um homem feito. Seu porte era mediano, largo de espáduas, de uma força
física admirável. Tinha o rosto arredondado, pequenos olhos castanhos
e cabelos pretos. Mas o que destacava mais sua presença era uma abundante
e prestigiosa barba negra, que mais tarde fará com que o chamem de “General
Barbone”. Andreas era jovial, afável, sempre contente, e se comprazia
em conversar. Em breve ele se tornou uma das figuras mais populares no sul
do Tirol.
Reação católica contra despotismo revolucionário
de José II
Concessão
a Andreas Hofer da comenda de honra e de 3000 ducados por parte do
enviado do Imperador |
O Imperador José II, imbuído das idéias revolucionárias
da época, sancionou várias leis de caráter igualitário
e totalitário, as quais visavam nivelar as autoridades locais segundo
um modelo administrativo uniforme, com funcionários diretamente ligados
a Viena. Isso era muito mal-visto pelo conservador Tirol. Mas foram sobretudo
suas medidas em relação à Igreja católica que mais
violentamente repercutiram na região. O monarca dissolveu conventos
das ordens contemplativas, instituiu um seminário único em Innsbruck,
capital do Tirol, dotado de professores adeptos das idéias novas, e
chegou a suspender as peregrinações e as procissões seculares,
até decretar quantas velas se podiam acender nas igrejas, quais preces
públicas estavam autorizadas e quantas badaladas podiam dar os sinos
paroquiais durante o dia.
Os tiroleses eram profundamente católicos. Em toda parte erigiam oratórios
e calvários. Passando diante deles, o viandante persignava-se. Se estava
com tempo, ajoelhava-se e rezava o terço. Encontrando um conhecido,
saudava-o com o tradicional “Grüs Gott” (Deus vos abençoe).
Aos domingos toda a aldeia assistia devotamente, de joelhos, ao santo Sacrifício
da Missa. E à tarde, participava das Vésperas ou de alguma procissão.
Isso explica a reação generalizada da província contra
as reformas do Imperador José II: “O Tirol entrou em resistência
aberta. As práticas piedosas proibidas foram mantidas, a despeito da
lei. Os editos imperiais afixados nos povoados foram arrancados. No púlpito
os padres tronavam contra o Imperador, invocando a cólera do Céu
sobre ele”.(2)
Não é pois de se admirar que também, quando as tropas
revolucionárias francesas invadiram a Áustria, os tiroleses considerassem
Napoleão como o Anticristo, por ter prendido o Papa.
Tirol, profundamente vinculado à Casa d´Áustria
Em agosto de 1805, na guerra da coalizão contra a França, o
Arquiduque João, de 23 anos, foi nomeado comandante-em-chefe das forças
imperiais na região dos Alpes. A estima entre o príncipe e o
povo tirolês foi recíproca, e deveria durar até mesmo na
derrota.
No início de novembro desse mesmo ano, massacrando uma guarnição
tirolesa em Scharnitz, o general napoleônico Ney penetrou em Innsbruck.
No fim desse mês, os franceses foram substituídos pelos bávaros.
E no dia 26 de dezembro desse ano a Áustria assinava a paz. No acordo
estabelecido nessa ocasião, o Tirol ficaria pertencendo à Baviera,
se bem que “com os mesmos títulos, direitos e prerrogativas que
ele possuía sob Sua Majestade, o Imperador da Áustria ou os príncipes
de sua Casa, e não de outro modo”.
Apesar de serem vizinhos, de terem uma língua comum e a mesma Religião,
tiroleses e bávaros não se estimavam. Imbuído dos princípios
da Revolução Francesa e pertencendo à franco-maçonaria,
o rei bávaro, Maximiliano José, aderira plenamente às
idéias liberais.
Mesmo tendo prometido salvaguardar integralmente o direito de propriedade
e das pessoas, o monarca bávaro não era bem visto pelos tiroleses,
que o julgavam um anticlerical, e sobretudo porque um vínculo muito
profundo os ligava à Casa d’Áustria.
Todos acorrem para lutar por Deus, pelo Imperador, pelo Tirol
11
de novembro de 1809: recomeço do levante tirolês após
breve trégua. |
De 1806 a 1808 o governo bávaro, imbuído das idéias do
livre-pensamento do século XVII, procurou aplicar no Tirol uma política
religiosa que feria os sentimentos, os costumes e as aspirações
da população. Foram proibidas a Missa do Galo, as cerimônias
religiosas noturnas, a bênção do Santíssimo depois
da Missa cantada; foram interditadas as rogações, as novenas,
a Via Sacra, as procissões, as peregrinações, etc. De
acordo com o pensamento unânime dos historiadores, essa foi a causa principal
da insurreição de 1809.
Em uma reunião clandestina, no fim do ano de 1807, os tiroleses comprometeram-se
a fazer tudo para salvar o catolicismo no Tirol. Entre os presentes estava
Andreas Hofer.
O recrutamento de soldados para engrossar o exército bávaro
também foi outra medida mal-recebida, tanto mais que tal medida visava
o combate à antiga pátria, a Áustria. Os conscritos fugiam
para as montanhas e não se apresentavam.
Começou então a insurreição. De todas as vilas
alpinas acorreram voluntários para lutar por Deus, pelo Imperador e
pelo Tirol. Os tiroleses infligiram duas tremendas derrotas às tropas
franco-bávaras, inclusive uma delas contra o famoso marechal de Napoleão,
Lefèbvre. Andreas Hofer se fez notar como líder nato. Seu prestígio
era imenso. Compreendendo suas limitações, nas batalhas deixou
o comando tático para companheiros que julgava mais competentes. Seu
papel era o de, com sua presença, dar segurança e confiança
aos combatentes.
Andreas Hofer é escolhido como regente do Tirol
Depois dessas grandes vitórias, ele assina por vez primeira: “Andreas
Hofer, comandante nomeado pela Casa d’Áustria”. Ele pede
preces públicas de ação de graças. E, fiel ao voto
que havia feito antes da batalha, promulgou um edito estipulando que a festa
do Sagrado Coração de Jesus deveria ser erigida perpetuamente,
em uma solenidade inscrita em vermelho no calendário tirolês.
Tendo as autoridades bávaras fugido, e não havendo outras nomeadas
pelo Imperador da Áustria, os tiroleses escolheram Andreas Hofer como
regente do Tirol. Durante dois meses ele governou o Tirol de uma maneira singular.
Formou seu conselho escolhendo os membros entre seus amigos. Todos levantavam-se às
cinco horas da manhã e começavam o dia assistindo à Missa
no palácio do governo. À noite, depois do jantar, recitavam de
joelhos um Rosário completo.
Entretanto, no dia 14 de outubro de 1809 a Áustria assinou outro tratado
de paz com a França, que não alterou a situação
do Tirol. Em outros termos, ele continuaria pertencendo à Baviera! Ao
mesmo tempo, Napoleão confiou a Eugênio de Beauharnais a missão
de submeter o Tirol. O general francês, auxiliado pelas tropas bávaras,
infligiu derrotas sucessivas aos tiroleses. O filho adotivo de Napoleão
conclamou os vencidos a entregar as armas e a reconhecer as autoridades bávaras
como legítimas governantes do Tirol. Os tiroleses receberam ao mesmo
tempo mensagem do Arquiduque João, comunicando o seguinte: “Eu
devo fazer-vos saber que o desejo de Sua Majestade é que os tiroleses
permaneçam tranqüilos, e não se sacrifiquem inutilmente”.
Mancha temporária e piedosa morte
20
de fevereiro de 1810: fuzilamento de Andreas Hofer em Mântua |
A constatação desse abandono por parte do Imperador austríaco
provocou em Andreas Hofer profunda depressão. E ele que era tão
religioso, estranhamente, em vez de buscar conforto na Religião, procurou-o
infelizmente na bebida, tornando-se um líder indeciso, à mercê de
todas influências. Isso o levou a uma imprudente batalha contra os bávaros,
na qual os tiroleses foram arrasados.
Andreas Hofer escondeu-se então nas montanhas. Uma soma de 1.500 florins
foi oferecida a quem denunciasse seu esconderijo. Na longa solidão,
Hofer se recompôs, rezou, meditou e ofereceu seus sofrimentos pela salvação
de sua alma e pelas dos que morreram pelo Tirol.
Como sucede com freqüência na história humana, apareceu
um Judas, pronto para entregá-lo. Franz Raffl visitara Hofer em seu
esconderijo. Tinha participado também da insurreição.
Mas a recompensa oferecida pela delação tentou-o e ele traiu.
No dia 27 de janeiro, Andreas foi preso juntamente com a esposa e filho, que
o haviam ido visitar, e um amigo, Sweth, que com ele se encontrava.
Condenado à morte, confessou-se e recebeu a sagrada Comunhão
na manhã de sua execução. E escreveu uma carta a seu amigo
Vinzenz von Pühler, repleta de piedosos sentimentos e da crença
no Purgatório e na vida eterna.
Andreas Hofer permanece na memória popular
Proclamação
de Andreas Hofer aos “cidadãos tiroleses italianos”,
em 4 de setembro de 1809 |
Em janeiro de 1823, cinco soldados de um regimento de caçadores que
estava em Mântua levaram de volta para o Tirol os restos mortais de Andreas
Hofer. O Imperador Francisco I determinou que fosse sepultado em Innsbruck,
na igreja da corte. Ordenou também que um monumento lhe fosse dedicado,
encimado com uma estátua do valoroso chefe contra-revolucionário.
Francisco I, enfim, fez algo pelo vassalo tão fiel desaparecido. Concedeu
uma pensão à esposa e filhas de Andreas Hofer, e renovou o certificado
de nobilitação de seu filho, assegurando sua educação.
Os tiroleses não se esqueceram do grande líder. Em cada lar
havia uma estampa sua. E a tradição oral manteve viva sua memória.
Sua figura encontra-se por toda parte: em soldadinhos de chumbo, em xícaras
de café ou cinzeiros.
Uma estátua gigante do chefe tirolês foi inaugurada em Bergisel
pelo Imperador austríaco Francisco José. Em Sandhof foi erigida
uma capela ornada com afrescos interiores que narram sua vida.
Em 1919, pelo tratado de Saint Germain, as regiões do Trentino e do
Alto-Adige passaram a pertencer à Itália. Entre outras medidas
tomadas por Mussolini em 1923, figurava a proibição de se ter
retratos de Andreas Hofer nessa antiga província do Tirol.
Hofer, devido à sua posição contra-revolucionária,
tornou-se um símbolo do patriotismo austríaco contra os inimigos
do norte e a anexação da Áustria à Alemanha, em
1938.
Em 1945 o governo de Innsbruck renovou o voto ao Sagrado Coração
de Jesus, feito por Hofer, e a constituição provincial adotada
em 1960 começa com a “fidelidade a Deus” em primeiro lugar,
como Andreas Hofer teria feito.
____________
Notas:
1. Todas as referências deste artigo foram extraídas do livro
de Jean Sévillia, Le Chouan du Tyrol, Perrin, Paris, 1991.
2. Op. cit. p. 60.
Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
|