Revolução Cultural: oposição radical à sabedoria


01/03/2006

Dom Luiz de Orleans e Bragança
Chefe da Casa Imperial do Brasil

Pecado original e pecados atuais

Entretanto, com o pecado original, Adão e Eva ficaram privados da graça de Deus e da sabedoria em sua integridade. Seus espíritos ficaram entenebrecidos, seus corações perderam o puro amor de Deus, suas paixões se tornaram desordenadas. Eles se transformaram, e com eles toda sua descendência, em escravos do demônio e réus de morte. Mesmo as demais criaturas se revoltaram contra eles. Inúmeros males passaram a atormentá-los nesta vida, e o inferno os aguardava na outra, se Deus não tivesse tido pena deles e lhes prometesse enviar um Redentor.

Seus descendentes, na medida em que foram acrescentando ao pecado original pecados atuais, continuaram a acumular culpas e a decair na sabedoria e outras virtudes. Por justo castigo, seu modo de ser e de viver foi se tornando cada vez mais selvagem e bárbaro. Joseph de Maistre, em seu livro Les Soirées de Saint Petersbourg, defende a tese de que ninguém é decadente sem ter sido castigado; ninguém é castigado sem ter pecado; e ninguém pecou sem culpa. Sustenta também que o grau de cultura e de civilização, ou de barbárie e de selvageria dos grupos humanos oriundos da dispersão dos povos — ocorrida como castigo da afronta feita a Deus, que foi a tentativa de construção da Torre de Babel — depende do maior ou menor grau de virtude ou de pecados que eles foram acumulando no correr dos séculos.

As grandes civilizações da Antigüidade eram oriundas de povos que, se bem que fossem idólatras e sumamente supersticiosos, ainda guardavam restos de sabedoria e de observância da Lei natural. Enquanto outros descambavam de pecado em pecado, de abominação em abominação, até o último grau de decadência e primitivismo.

Entretanto, Deus, em sua infinita misericórdia, escolheu um povo para ser aquele que guardaria a verdadeira fé e a Lei natural e divina, e do qual deveria nascer o Redentor de todo o gênero humano. O povo judeu recebeu graças especiais para isso; seus patriarcas, juízes e profetas foram os porta-vozes da sabedoria divina para mantê-los na fidelidade à Revelação contida no Antigo Testamento, ou reconduzi-los a ela, quando caíam no pecado e eram castigados.

Contudo, por ocasião do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, até o povo eleito, dominado por fariseus e escribas perversos, havia perdido a noção do que deveria ser o verdadeiro Redentor, enquanto as civilizações greco-romanas e as demais degeneravam imersas num relativismo e imoralidade espantosos. A sabedoria, exceto em almas muito escolhidas, tinha deixado de existir sobre a face da Terra.

A obra da Redenção


N. Senhor reparou o pecado original e todos os pecados que os homens cometeriam

Foi nesse momento, o qual também era o da plenitude dos tempos, que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo Eterno de Deus, por obra do Espírito Santo se fez carne no seio puríssimo da Virgem Maria. Era a própria sabedoria de Deus que vinha não só resgatar a dívida que o gênero humano contraíra em relação à infinita justiça de Deus, mas também restaurar entre os homens a sabedoria na sua integridade.

Nosso Senhor, com a sua pregação, completou a Antiga Lei; e com a sua crudelíssima Paixão e Morte, reparou o pecado original e todos os pecados que os homens cometeriam ao longo da História. Mediante a fundação da Igreja, seu Corpo Místico, deixou-nos a mestra e guardiã infalível de seus ensinamentos, da Lei natural e da Lei de Deus. Representava isso grande misericórdia, munificência, e bondade realmente infinitas de Deus para com a humanidade pecadora.

Depois da Ascensão de Nosso Senhor e da vinda do Espírito Santo em Pentecostes, os Apóstolos começaram a evangelização do mundo inteiro. A Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana deitou raízes principalmente no Império Romano, onde, após três séculos de violentas perseguições, obteve a liberdade para seu culto, mediante o Edito de Milão, promulgado pelo Imperador Constantino em 313.

Decadência do Império Romano


A ordem temporal medieval era monárquica, aristocrática e orgânica. Constituía a seu modo um reflexo da ordem espiritual instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo

Entretanto, o Império Romano, apesar de adotar a verdadeira Religião como Religião de Estado no reinado do Imperador Teodósio I, o Grande (379-395), conservou em si os germes de corrupção e decadência herdados do paganismo. Essa foi a razão pela qual tal Império não teve forças para resistir aos bárbaros germânicos. Em sucessivas hordas, eles invadiram todo o seu território e destruíram, em larga medida, a civilização. De pé só ficou a Igreja Católica. Ao contrário dos funcionários do Estado romano que abandonaram seus postos, os bispos e os sacerdotes, por ordem dos Papas, permaneceram em suas dioceses e paróquias, e começaram a catequizar os invasores.


O Papa Urbano II prega a I Cruzada em Clermont, no ano de 1095

Concomitantemente, os mosteiros, na medida em que eram poupados, conservaram os tesouros da teologia, filosofia, literatura, artes e ciência que então existiam. No grande deserto criado pelos bárbaros, a Igreja de Nosso Divino Redentor lançou as sementes de uma nova civilização inteiramente fundamentada sobre sua doutrina e seu espírito. Era a Civilização Cristã, que germinava na alma e nas instituições dos novos povos formados pela conjunção de romanos e celtas católicos, que sobreviveram às invasões dos germanos. Se bem que bárbaros e pagãos, tinham estes conservado muito da Lei natural e não estavam desfibrados e amolecidos pela civilização romana decadente. E após convertidos à verdadeira fé, forneceram sangue novo e vigoroso àquelas populações. Era a Idade Média que nascia, austera e sacral, orgânica e hierárquica, a “doce primavera da Fé”, como foi qualificada por um autor francês.

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