Revolução Cultural: oposição radical à sabedoria


01/03/2006

Dom Luiz de Orleans e Bragança
Chefe da Casa Imperial do Brasil

A Civilização Cristã medieval


Grand Palace, Bruxelas

A ordem temporal medieval era monárquica, aristocrática e orgânica. Constituía a seu modo um reflexo da ordem espiritual instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, podendo ser considerada como que uma emanação da Santa Igreja. O homem medieval, não obstante defeitos e problemas inerentes a este vale de lágrimas, possuía em sua essência a verdadeira sabedoria; e as instituições, que ele gerava como que instintivamente, vinham profundamente impregnadas dessa sabedoria. Floresceram então, profundamente marcadas pelo espírito católico, monarquias, o feudalismo, a cavalaria, as universidades, os hospitais, as corporações de ofício. Construíram-se as catedrais e os castelos, o estilo gótico nasceu e se expandiu por toda a Europa, surgiram obras de arte – de arquitetura, escultura, pintura e os vitrais – em quantidade e qualidade excepcionais. Formaram-se nessa época as nações da Cristandade, diferenciadas entre si por suas peculiaridades e culturas próprias.


Papa Leão XIII

O Papa Leão XIII descreveu com palavras inspiradas essa bendita era histórica:

“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pele permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada com está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer”.(5)

A Cristandade medieval teve de combater os inimigos internos e externos da verdadeira Religião: o demônio, o mundo e a carne, bem como as heresias, os maometanos na Península Ibérica e na Terra Santa e os pagãos do leste europeu que investiam. O homem medieval era dotado da sabedoria cristã, tinha a noção de que esta vida constitui uma batalha contra o mal, e que a cruz deve ser carregada com coragem e altaneria até a morte, seguindo o exemplo divino de nosso Salvador.

No século XIII a Cristandade sentia que, grosso modo, tinha vencido seus inimigos internos e externos. E que a força intrínseca de sua superioridade religiosa, espiritual e cultural conquistaria o mundo inteiro. Era uma questão de tempo.

Mas o grande perigo de toda vitória, seja no plano espiritual, seja no campo temporal, é o desejo de fruir a segurança e o bem estar que o triunfo traz consigo. Olvida-se que, nesta Terra de exílio, a vida é um combate constante contra as más paixões e tudo o que o demônio suscita para solapar a obra da Redenção.

A decadência da Idade Média


A Cavalaria, outrora uma das mais belas expressões da austeridade cristã, se torna amorosa e sentimental

O homem medieval, no século XIV, quis aproveitar o bem-estar que seu triunfo lhe oferecia. Ocorreu então a decadência, fenômeno magistralmente descrito pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:

“No século XIV começa a observar-se, na Europa cristã, uma transformação de mentalidades que ao longo do século XV cresce cada vez mais em nitidez. O apetite dos prazeres terrenos se vai transformando em ânsia. As diversões se vão tornando mais freqüentes e mais suntuosas. Os homens se preocupam sempre mais com elas. Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura e na arte o anelo por uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas manifestações de sensualidade e moleza. Há um paulatino deperecimento da seriedade e da austeridade dos antigos tempos. Tudo tende ao risonho, ao gracioso, ao festivo. Os corações se desprendem gradualmente do amor ao sacrifício, da verdadeira devoção à Cruz, e das aspirações de santidade e vida eterna. A Cavalaria, outrora uma das mais belas expressões da austeridade cristã, se torna amorosa e sentimental, a literatura de amor invade todos os países, os excessos do luxo e a conseqüente avidez de lucros se estendem por todas as classes sociais”.

“Tal clima moral, penetrando nas esferas intelectuais, produziu claras manifestações de orgulho, como o gosto por disputas aparatosas e vazias, pelas argúcias fátuas de erudição, e lisonjeou velhas tendências filosóficas, das quais triunfara a Escolástica, e que já agora, relaxado o antigo zelo pela integridade da Fé, renasciam em aspectos novos. O absolutismo dos legistas, que se engalanavam com um conhecimento vaidoso do Direito Romano, encontrou em Príncipes ambiciosos um eco favorável. E pari passu foi-se extinguindo nos grandes e nos pequenos a fibra de outrora para conter o poder real nos legítimos limites vigentes nos dias de São Luís de França e de São Fernando de Castela”.(6)

Dar-se-ia nessa época, fomentada por conspiradores de habilidade consumada, a primeira Revolução Cultural –– a Renascença.

No século XV, se bem que o ideal católico ainda estivesse vivo, paulatinamente a cultura, a arte e a literatura não mais se inspiraram em valores cristãos, mas tomaram como modelo o paganismo greco-romano. O estilo gótico deu lugar ao estilo clássico, o modelo de perfeição humana não foi mais o cavaleiro católico, o ideal de vida não mais consistia no serviço de Deus e na santidade, mas, a exemplo dos antigos pagãos, na satisfação dos dois vícios mais violentos que assaltam o homem: o orgulho e a sensualidade. Era todo um mundo que mudava de rumo.

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