Plinio
Corrêa
de Oliveira como
escritor e jornalista
Recordo certa conversa que tive com um eminente intelectual e político
nordestino, homem de projeção e prestígio nacionais, durante
uma longa e, aliás, agradabilíssima e saudosa viagem que fizemos
juntos pelos sertões da Bahia, em busca das ruínas da velha
Canudos. Durante mais de 10 horas viajamos lado e lado e, naturalmente,
conversamos sem parar de omne re scibili et quibusdam aliis... (De todas
as coisas que
podem
ser conhecidas, e mesmo de muitas outras...)
A simpatia,
a inteligência, a educação e a loquacidade
do meu interlocutor eram realmente encantadoras. A certa altura, de chofre,
ele
me disse:
—
Sinceramente, não posso entender como você, um discípulo
confesso de Plinio Corrêa de Oliveira, tenha a mente tão
aberta e seja capaz de conversar sobre tantos assuntos...
Respondi
imediatamente:
—
Por serem discípulos dele, precisamente por isso, é que eles têm
essa abertura de horizontes!
A partir
daí, nas estradas poeirentas do sertão baiano, a conversa
girou em torno de Plinio Corrêa de Oliveira.
Embora
de orientação algum tanto esquerdista, meu interlocutor
demonstrava, a par da inteligência brilhante, grande honestidade intelectual.
Ao cabo de 40 ou 50 minutos de conversação sobre o saudoso líder
católico, disse-me com uma sinceridade e uma ênfase que me
surpreenderam:
—
Você tem toda a razão; nós, da intelligentzia brasileira,
fomos profundamente injustos com Plinio Corrêa de Oliveira. Nunca tivemos
a coragem de reconhecer de público o imenso valor
intelectual e moral que esse homem teve.
De fato,
talvez nenhum homem, na história já cinco vezes secular
de nossa Pátria, terá sido tão combatido,
tão incompreendido,
tão boicotado, como Plinio Corrêa de Oliveira.
E talvez também
nenhum tenha sido tão sincera, mas silenciosamente,
admirado.
Digo "sincera, mas silenciosamente",
porque muitas vezes as manifestações
dessa admiração eram discretas, quase envergonhadas,
fazendo lembrar Nicodemos, que foi conversar com Jesus
na calada da noite (cfr. S. João,
3, 1-2ss.), ou José de Arimatéia, “que
era discípulo
de Jesus, se bem que oculto, por medo dos judeus” (S.
João, 19,38).
E às vezes até partia de adversários
ideológicos
declarados.
Recordo
ainda ter lido, nos últimos anos de sua vida, uma crônica
publicada na imprensa diária, de um muito celebrado jornalista de esquerda
que se referia a "um intelectual brasileiro" cujas "idéias
odiosas" eram "insistentemente apregoadas", mas que, "é preciso
reconhecer, escreve realmente bem". Esse jornalista não ousava citar
nominalmente a Plinio Corrêa de Oliveira, mas o contexto em que escrevia
não deixava a menor possibilidade de dúvidas acerca de que só podia
estar se referindo a ele.
Esses dois
fatos me vêm à mente quando, a pedido da Direção
de Catolicismo, principio a redigir, para a edição de outubro deste
ano, um artigo em homenagem à memória do Prof. Plinio Corrêa
de Oliveira. Foi-me pedido que focalizasse de modo especial seu estilo como escritor
e jornalista católico e contra-revolucionário. A tarefa não é fácil,
pois o estudo aprofundado de um estilo original, criativo e inconfundível
como o dele exigiria um espaço muito mais extenso do que o disponível
nas páginas da revista.
Ademais,
para tratar de seu estilo, é indispensável falar antes
de seu pensamento — pois foi em função
deste que se formou aquele.
Homem
de pensamento e de ação
Como fundador
e como chefe de uma escola de pensamento contra-revo lucionário,
Plinio Corrêa de Oliveira teve uma
produção intelectual vasta,
rica e muito variada. Mas sua escola de pensamento é sui
generis: não
apenas de pensamento, mas também de
ação.
"
Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a
filosofia da História. Em função desta encontro o ponto
de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho
dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação" — escreveu
na introdução ao seu Auto-retrato filosófico.
Essas palavras
realçam os dois aspectos principais que devemos ter em
vista na consideração de sua personalidade: o pensador e o homem
de ação. De tal maneira esses dois aspectos nele se conjugavam,
que é difícil analisá-los separadamente, pois era em ordem à ação
que pensava, e era em função
do pensamento que agia.
A curiosa
interpenetração desses dois aspectos, o mais das vezes
excludentes, é o que mais chama a atenção
de quem estuda sua vida e sua obra.
Pólo
de pensamento no panorama cultural brasileiro
Plinio Corrêa de Oliveira era entrevistado sobre as mais diversas
questões |
Pensando,
escrevendo e ensinando, de
um lado, agindo e lutando de
outro, Plinio Corrêa de Oliveira tornou-se através das décadas, e sem embargo
do boicote sistemático da intelligentzia e da quase totalidade dos meios
de comunicação social, conhecidíssimo no Brasil inteiro.
Nos últimos anos da vida, era comum ser entrevistado por jornais que desejavam
conhecer sua opinião sobre assuntos dos mais diversos, muitos dos quais
nem sequer tendo relação com sua atuação pública.
Em maio
de 1994, por exemplo, um importante jornal pediu sua opinião sobre
o trágico acidente que vitimou Airton Senna. O acontecimento nenhuma relação
tinha com a atuação pública de Plinio Corrêa de Oliveira.
Mas o jornal julgou que, entre os brasileiros que entrevistou na ocasião,
era indispensável incluir Plinio Corrêa de Oliveira, que na realidade
se tinha transformado num verdadeiro pólo de pensamento, numa personalidade
cujas opiniões, no panorama cultural, ideológico e político
do País, eram respeitadas e tomadas em consideração.
De fato,
não existe brasileiro culto que não conheça e respeite
a extraordinária personalidade de Plinio Corrêa de Oliveira. Mesmo
aqueles que não concordam com suas idéias não podem deixar
de reconhecer que sempre manteve uma trajetória retilínea. Na vida
dele não se conhecem hesitações, reviravoltas, contorções.
Ele foi sempre o mesmo, sempre o fiel lutador pela Igreja, pela Civilização
Cristã, pela Pátria. Com uma inteligência que até os
adversários mais ferrenhos reconheceram, e com uma capacidade de ação
que invejaram, edificou ao longo da vida dois monumentos notáveis, aos
quais correspondem as duas facetas de sua personalidade mencionadas no citado
Auto-retrato filosófico.
O primeiro
monumento: uma obra escrita volumosa, original
e rica, composta
de mais de 2.500
títulos publicados, entre livros, ensaios, artigos e estudos
diversos, aos quais se devem somar dezenas de milhares de conferências
e aulas gravadas, que ainda não vieram a lume. Isso corresponde à faceta
de Plinio Corrêa de
Oliveira como pensador, escritor,
fundador e mestre de uma
escola de pensamento.
Mas há outro monumento notável que ele também edificou:
as TFPs e entidades congêneres que se espalharam, ao longo da sua vida,
por nada menos que 27 países dos cinco continentes. Simultaneamente com
esse crescimento de sua obra, manteve durante décadas uma luta tenaz,
inteligente e bem sucedida contra o comunismo, o socialismo, o progressismo católico;
e ainda contra as conseqüências desses erros em outras áreas
da civilização e da cultura: por exemplo, a imoralidade, a introdução
do divórcio, o enfraquecimento da propriedade privada, das boas tradições
nacionais, etc.
Esses dois
monumentos, ele os edificou numa época em que todos os fatores
de desagregação o atrapalhavam, forçando-o a remar contra
a maré. Foi um homem que combateu arduamente os erros do seu tempo. Foi,
por isso mesmo, um homem de uma atualidade inimaginável.
Qual a
real projeção do eminente pensador?
Quando
se quer avaliar a real projeção de um homem de pensamento,
algumas perguntas são forçosas:
a) qual é a extensão e qual é o valor da produção
intelectual desse
homem?
b) em que
medida esse homem efetivamente
conseguiu publicar
suas produções
intelectuais?
c) que repercussão
tiveram, na ordem
concreta dos
fatos, as coisas que publicou?
A produção intelectual publicada de Plinio Corrêa de Oliveira é,
como vimos, muito ampla e de altíssimo
valor intelectual:
20 livros e
mais de 2.500
artigos
em jornais
e revistas.
Seus livros
não apenas foram publicados, mas obtiveram tiragens colossais
de autênticos best-sellers. Num país em que obras de cunho ideológico
e doutrinário raramente atingem vendas acima de 3 ou 4 mil exemplares,
os seus livros saíam às dezenas ou mesmo centenas de milhares.
Quanto à repercussão
que tiveram,
foi sempre
muito grande,
atuando em
profundidade
na ordem
concreta
dos fatos.
Com exceção, em alguma medida, de Revolução e Contra-Revolução — livro
predominantemente teórico, no qual sintetizou o principal de seu ensinamento — todos
os seus livros, como também seus artigos, foram escritos em meio à ação,
para atender a necessidades específicas da luta ideológica anticomunista
e contra-revolucionária. Nesse sentido, ele não foi um pensador
teórico e descolado da realidade, mas também um homem de ação
e de luta ideológica.
Para citar
um único
exemplo,
falemos
de um
desses
livros.
Reforma
Agrária — Questão de Consciência, publicado
em 1960 em colaboração com dois bispos e um economista, transformou-se
rapidamente em verdadeiro best-seller, com quatro edições e 30
mil exemplares vendidos. Em torno da Reforma Agrária, que constituía
o objetivo principal da política esquerdista do governo brasileiro, esse
livro levantou uma grave questão de consciência: — Será lícito
fazer uma Reforma Agrária de cunho socialista e confiscatório,
passando por cima do sagrado direito de propriedade, sobretudo se considerando
que isso é absolutamente desnecessário, sendo mais da metade do
território nacional domínio do Poder público, esse sim o
maior latifundiário?
Muitas
dezenas
de
livros
e
estudos universitários de peso, publicados
não só no Brasil, mas também em universidades norte-americanas
e européias, atestam que após a divulgação de Reforma
Agrária — Questão de Consciência, e por causa do livro,
a maioria católica e conservadora da população brasileira,
até então dormente e silenciosa, acordou e manifestou-se diante
do governo filo-comunista de João Goulart. Note-se que a maior parte desses
autores, sendo esquerdistas, lamentam tal reação anticomunista,
pois desejavam que Goulart não tivesse caído, e sim levado a cabo
seu programa de reformas de base. Em outras palavras, que ele tivesse comunistizado
o Brasil, transformando-o numa imensa Cuba. Ao levantar uma questão de
consciência — uma questão religiosa, portanto — em torno
de um assunto que a maioria das pessoas considerava apenas econômico, político
e administrativo, Plinio Corrêa de Oliveira havia levantado um quase intransponível
obstáculo, que 46 anos depois ainda persiste, para a aplicação
da Reforma Agrária em nosso País.
A
influência da escola de pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira
não se limitou, naturalmente, ao Brasil, mas atingiu intelectuais de valor
em numerosos países da América Latina, nos Estados Unidos, na Europa
e até em países que outrora fizeram parte da malograda União
Soviética. Não é este, evidentemente, o local apropriado
para relacionar todos os pensadores, escritores e jornalistas de inspiração
contra-revolucionária que, de um ou outro modo, se beneficiaram do seu
ensinamento e se honram de filiar-se à sua escola de pensamento e ação.
Algumas
características
do seu modo de pensar:
— uma
cultura nada livresca
Plinio
Corrêa de Oliveira era um intelectual e pensador nada livresco.
Seu espírito ia normalmenteda vida concreta para a teoria, e muito raramente
o contrário. Toda a sua volumosa obra escrita, assim como todas as centenas
de milhares de páginas recolhidas de seu ensinamento oral, foram quase
sempre produzidas em ordem à ação, e nunca pelo mero gosto
da elaboração
especulativa.
Não se considerava um erudito e tinha verdadeiro horror à erudição
fátua e vazia, julgando-a a maior inimiga da verdadeira cultura. Por isso,
nunca iniciava o estudo de alguma matéria a partir da bibliografia existente
sobre a mesma. Segundo ele, se a pessoa necessita ler antes o que outros escreveram
sobre um assunto, para poder depois pensar sobre ele, assemelha-se a alguém
que vai a um estádio assistir a um jogo de futebol, mas necessita levar
um rádio portátil para ouvir o locutor explicar aquilo que ela
mesma vê e não é capaz
de entender...
Os
livros, dizia,
podem trazer
subsídios e informações importantes
para esclarecer certos aspectos da realidade que, depois de um diligente esforço
de observação e análise, não fomos capazes de captar
inteiramente. Mas não devem ser tomados como o início do processo
intelectual. Às vezes até ironizava, dizendo que para certos pseudo-intelectuais
livrescos, "in principio erat liber"...
Isso
não quer dizer que não recomendasse a leitura, na formação
que dava aos seus discípulos. Ele a recomendava, e muito. Certa vez, gracejando,
disse que um homem que aprendeu a ler e escrever, mas não tem o hábito
de estar permanentemente lendo pelo menos um livro sério, não pode
ser considerado um alfabetizado de verdade; quando muito, faz parte da "classe
alta do analfabetismo".
Incentivava
a leitura,
mas recomendava
que não se lesse passivamente,
sem análise crítica. Recomendava também que os novos conhecimentos
hauridos pela leitura não
fossem atirados ao depósito da memória
desordenadamente, "à trouxe-mouxe" (expressão
antiga que às vezes gostava de utilizar),
mas fossem encaixados à maneira de pedrinhas
de um mosaico, no panorama interior da cosmovisão
que todo espírito bem formado tem. Muitas
vezes, pois, a assimilação de
um dado novo requer um questionamento ou remanejamento
de noções já anteriormente
armazenadas na mente.