Um estilo original, criativo e inconfundível

“Catolicismo”, nº 670, outubro de 2006 - Excertos
03/10/2006

Armando Alexandre dos Santos

Plinio Corrêa de Oliveira como escritor e jornalista

Recordo certa conversa que tive com um eminente intelectual e político nordestino, homem de projeção e prestígio nacionais, durante uma longa e, aliás, agradabilíssima e saudosa viagem que fizemos juntos pelos sertões da Bahia, em busca das ruínas da velha Canudos. Durante mais de 10 horas viajamos lado e lado e, naturalmente, conversamos sem parar de omne re scibili et quibusdam aliis... (De todas as coisas que podem ser conhecidas, e mesmo de muitas outras...)

A simpatia, a inteligência, a educação e a loquacidade do meu interlocutor eram realmente encantadoras. A certa altura, de chofre, ele me disse:

— Sinceramente, não posso entender como você, um discípulo confesso de Plinio Corrêa de Oliveira, tenha a mente tão aberta e seja capaz de conversar sobre tantos assuntos...

Respondi imediatamente:

— Por serem discípulos dele, precisamente por isso, é que eles têm essa abertura de horizontes!

A partir daí, nas estradas poeirentas do sertão baiano, a conversa girou em torno de Plinio Corrêa de Oliveira.

Embora de orientação algum tanto esquerdista, meu interlocutor demonstrava, a par da inteligência brilhante, grande honestidade intelectual. Ao cabo de 40 ou 50 minutos de conversação sobre o saudoso líder católico, disse-me com uma sinceridade e uma ênfase que me surpreenderam:

— Você tem toda a razão; nós, da intelligentzia brasileira, fomos profundamente injustos com Plinio Corrêa de Oliveira. Nunca tivemos a coragem de reconhecer de público o imenso valor intelectual e moral que esse homem teve.

De fato, talvez nenhum homem, na história já cinco vezes secular de nossa Pátria, terá sido tão combatido, tão incompreendido, tão boicotado, como Plinio Corrêa de Oliveira. E talvez também nenhum tenha sido tão sincera, mas silenciosamente, admirado.

Digo "sincera, mas silenciosamente", porque muitas vezes as manifestações dessa admiração eram discretas, quase envergonhadas, fazendo lembrar Nicodemos, que foi conversar com Jesus na calada da noite (cfr. S. João, 3, 1-2ss.), ou José de Arimatéia, “que era discípulo de Jesus, se bem que oculto, por medo dos judeus” (S. João, 19,38). E às vezes até partia de adversários ideológicos declarados.

Recordo ainda ter lido, nos últimos anos de sua vida, uma crônica publicada na imprensa diária, de um muito celebrado jornalista de esquerda que se referia a "um intelectual brasileiro" cujas "idéias odiosas" eram "insistentemente apregoadas", mas que, "é preciso reconhecer, escreve realmente bem". Esse jornalista não ousava citar nominalmente a Plinio Corrêa de Oliveira, mas o contexto em que escrevia não deixava a menor possibilidade de dúvidas acerca de que só podia estar se referindo a ele.

Esses dois fatos me vêm à mente quando, a pedido da Direção de Catolicismo, principio a redigir, para a edição de outubro deste ano, um artigo em homenagem à memória do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Foi-me pedido que focalizasse de modo especial seu estilo como escritor e jornalista católico e contra-revolucionário. A tarefa não é fácil, pois o estudo aprofundado de um estilo original, criativo e inconfundível como o dele exigiria um espaço muito mais extenso do que o disponível nas páginas da revista.

Ademais, para tratar de seu estilo, é indispensável falar antes de seu pensamento — pois foi em função deste que se formou aquele.

Homem de pensamento e de ação

Como fundador e como chefe de uma escola de pensamento contra-revo lucionário, Plinio Corrêa de Oliveira teve uma produção intelectual vasta, rica e muito variada. Mas sua escola de pensamento é sui generis: não apenas de pensamento, mas também de ação.

" Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a filosofia da História. Em função desta encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação" — escreveu na introdução ao seu Auto-retrato filosófico.

Essas palavras realçam os dois aspectos principais que devemos ter em vista na consideração de sua personalidade: o pensador e o homem de ação. De tal maneira esses dois aspectos nele se conjugavam, que é difícil analisá-los separadamente, pois era em ordem à ação que pensava, e era em função do pensamento que agia.

A curiosa interpenetração desses dois aspectos, o mais das vezes excludentes, é o que mais chama a atenção de quem estuda sua vida e sua obra.

Pólo de pensamento no panorama cultural brasileiro


Plinio Corrêa de Oliveira era entrevistado sobre as mais diversas questões

Pensando, escrevendo e ensinando, de um lado, agindo e lutando de outro, Plinio Corrêa de Oliveira tornou-se através das décadas, e sem embargo do boicote sistemático da intelligentzia e da quase totalidade dos meios de comunicação social, conhecidíssimo no Brasil inteiro. Nos últimos anos da vida, era comum ser entrevistado por jornais que desejavam conhecer sua opinião sobre assuntos dos mais diversos, muitos dos quais nem sequer tendo relação com sua atuação pública.

Em maio de 1994, por exemplo, um importante jornal pediu sua opinião sobre o trágico acidente que vitimou Airton Senna. O acontecimento nenhuma relação tinha com a atuação pública de Plinio Corrêa de Oliveira. Mas o jornal julgou que, entre os brasileiros que entrevistou na ocasião, era indispensável incluir Plinio Corrêa de Oliveira, que na realidade se tinha transformado num verdadeiro pólo de pensamento, numa personalidade cujas opiniões, no panorama cultural, ideológico e político do País, eram respeitadas e tomadas em consideração.

De fato, não existe brasileiro culto que não conheça e respeite a extraordinária personalidade de Plinio Corrêa de Oliveira. Mesmo aqueles que não concordam com suas idéias não podem deixar de reconhecer que sempre manteve uma trajetória retilínea. Na vida dele não se conhecem hesitações, reviravoltas, contorções. Ele foi sempre o mesmo, sempre o fiel lutador pela Igreja, pela Civilização Cristã, pela Pátria. Com uma inteligência que até os adversários mais ferrenhos reconheceram, e com uma capacidade de ação que invejaram, edificou ao longo da vida dois monumentos notáveis, aos quais correspondem as duas facetas de sua personalidade mencionadas no citado Auto-retrato filosófico.

O primeiro monumento: uma obra escrita volumosa, original e rica, composta de mais de 2.500 títulos publicados, entre livros, ensaios, artigos e estudos diversos, aos quais se devem somar dezenas de milhares de conferências e aulas gravadas, que ainda não vieram a lume. Isso corresponde à faceta de Plinio Corrêa de Oliveira como pensador, escritor, fundador e mestre de uma escola de pensamento.

Mas há outro monumento notável que ele também edificou: as TFPs e entidades congêneres que se espalharam, ao longo da sua vida, por nada menos que 27 países dos cinco continentes. Simultaneamente com esse crescimento de sua obra, manteve durante décadas uma luta tenaz, inteligente e bem sucedida contra o comunismo, o socialismo, o progressismo católico; e ainda contra as conseqüências desses erros em outras áreas da civilização e da cultura: por exemplo, a imoralidade, a introdução do divórcio, o enfraquecimento da propriedade privada, das boas tradições nacionais, etc.

Esses dois monumentos, ele os edificou numa época em que todos os fatores de desagregação o atrapalhavam, forçando-o a remar contra a maré. Foi um homem que combateu arduamente os erros do seu tempo. Foi, por isso mesmo, um homem de uma atualidade inimaginável.

Qual a real projeção do eminente pensador?

Quando se quer avaliar a real projeção de um homem de pensamento, algumas perguntas são forçosas:

a) qual é a extensão e qual é o valor da produção intelectual desse homem?
b) em que medida esse homem efetivamente conseguiu publicar suas produções intelectuais?
c) que repercussão tiveram, na ordem concreta dos fatos, as coisas que publicou?

A produção intelectual publicada de Plinio Corrêa de Oliveira é, como vimos, muito ampla e de altíssimo valor intelectual: 20 livros e mais de 2.500 artigos em jornais e revistas.

Seus livros não apenas foram publicados, mas obtiveram tiragens colossais de autênticos best-sellers. Num país em que obras de cunho ideológico e doutrinário raramente atingem vendas acima de 3 ou 4 mil exemplares, os seus livros saíam às dezenas ou mesmo centenas de milhares. Quanto à repercussão que tiveram, foi sempre muito grande, atuando em profundidade na ordem concreta dos fatos.

Com exceção, em alguma medida, de Revolução e Contra-Revolução — livro predominantemente teórico, no qual sintetizou o principal de seu ensinamento — todos os seus livros, como também seus artigos, foram escritos em meio à ação, para atender a necessidades específicas da luta ideológica anticomunista e contra-revolucionária. Nesse sentido, ele não foi um pensador teórico e descolado da realidade, mas também um homem de ação e de luta ideológica.

Para citar um único exemplo, falemos de um desses livros.

Reforma Agrária — Questão de Consciência, publicado em 1960 em colaboração com dois bispos e um economista, transformou-se rapidamente em verdadeiro best-seller, com quatro edições e 30 mil exemplares vendidos. Em torno da Reforma Agrária, que constituía o objetivo principal da política esquerdista do governo brasileiro, esse livro levantou uma grave questão de consciência: — Será lícito fazer uma Reforma Agrária de cunho socialista e confiscatório, passando por cima do sagrado direito de propriedade, sobretudo se considerando que isso é absolutamente desnecessário, sendo mais da metade do território nacional domínio do Poder público, esse sim o maior latifundiário?

Muitas dezenas de livros e estudos universitários de peso, publicados não só no Brasil, mas também em universidades norte-americanas e européias, atestam que após a divulgação de Reforma Agrária — Questão de Consciência, e por causa do livro, a maioria católica e conservadora da população brasileira, até então dormente e silenciosa, acordou e manifestou-se diante do governo filo-comunista de João Goulart. Note-se que a maior parte desses autores, sendo esquerdistas, lamentam tal reação anticomunista, pois desejavam que Goulart não tivesse caído, e sim levado a cabo seu programa de reformas de base. Em outras palavras, que ele tivesse comunistizado o Brasil, transformando-o numa imensa Cuba. Ao levantar uma questão de consciência — uma questão religiosa, portanto — em torno de um assunto que a maioria das pessoas considerava apenas econômico, político e administrativo, Plinio Corrêa de Oliveira havia levantado um quase intransponível obstáculo, que 46 anos depois ainda persiste, para a aplicação da Reforma Agrária em nosso País.

A influência da escola de pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira não se limitou, naturalmente, ao Brasil, mas atingiu intelectuais de valor em numerosos países da América Latina, nos Estados Unidos, na Europa e até em países que outrora fizeram parte da malograda União Soviética. Não é este, evidentemente, o local apropriado para relacionar todos os pensadores, escritores e jornalistas de inspiração contra-revolucionária que, de um ou outro modo, se beneficiaram do seu ensinamento e se honram de filiar-se à sua escola de pensamento e ação.

Algumas características do seu modo de pensar:

— uma cultura nada livresca

Plinio Corrêa de Oliveira era um intelectual e pensador nada livresco. Seu espírito ia normalmenteda vida concreta para a teoria, e muito raramente o contrário. Toda a sua volumosa obra escrita, assim como todas as centenas de milhares de páginas recolhidas de seu ensinamento oral, foram quase sempre produzidas em ordem à ação, e nunca pelo mero gosto da elaboração especulativa.

Não se considerava um erudito e tinha verdadeiro horror à erudição fátua e vazia, julgando-a a maior inimiga da verdadeira cultura. Por isso, nunca iniciava o estudo de alguma matéria a partir da bibliografia existente sobre a mesma. Segundo ele, se a pessoa necessita ler antes o que outros escreveram sobre um assunto, para poder depois pensar sobre ele, assemelha-se a alguém que vai a um estádio assistir a um jogo de futebol, mas necessita levar um rádio portátil para ouvir o locutor explicar aquilo que ela mesma vê e não é capaz de entender...

Os livros, dizia, podem trazer subsídios e informações importantes para esclarecer certos aspectos da realidade que, depois de um diligente esforço de observação e análise, não fomos capazes de captar inteiramente. Mas não devem ser tomados como o início do processo intelectual. Às vezes até ironizava, dizendo que para certos pseudo-intelectuais livrescos, "in principio erat liber"...

Isso não quer dizer que não recomendasse a leitura, na formação que dava aos seus discípulos. Ele a recomendava, e muito. Certa vez, gracejando, disse que um homem que aprendeu a ler e escrever, mas não tem o hábito de estar permanentemente lendo pelo menos um livro sério, não pode ser considerado um alfabetizado de verdade; quando muito, faz parte da "classe alta do analfabetismo".

Incentivava a leitura, mas recomendava que não se lesse passivamente, sem análise crítica. Recomendava também que os novos conhecimentos hauridos pela leitura não fossem atirados ao depósito da memória desordenadamente, "à trouxe-mouxe" (expressão antiga que às vezes gostava de utilizar), mas fossem encaixados à maneira de pedrinhas de um mosaico, no panorama interior da cosmovisão que todo espírito bem formado tem. Muitas vezes, pois, a assimilação de um dado novo requer um questionamento ou remanejamento de noções já anteriormente armazenadas na mente.

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