Um estilo original, criativo e inconfundível

“Catolicismo”, nº 670, outubro de 2006 - Excertos
03/10/2006

Armando Alexandre dos Santos

— profunda observação da realidade

Plinio Corrêa de Oliveira era profundo observador da realidade, em todos os seus aspectos, até mesmo os mais simples e corriqueiros. Observava as pessoas, os modos de ser, de falar e de vestir, as casas, os veículos, os fatos. Às vezes, depois de ter estado poucos minutos com uma pessoa, era capaz de descrevê-la com espantosa riqueza de pormenores.

Lembro certa conferência em que narrou uma observação que fizera poucos minutos antes, enquanto se dirigia para o auditório no qual falava: em meio ao trânsito caótico de São Paulo, um homem alto e elegante, de raça negra, puxava sua carrocinha cheia de caixas de papelão empilhadas, e com jeito e desembaraço gingava o corpo, equilibrando sua imensa pilha de materiais e deslocando-se agilmente por entre automóveis, ônibus e caminhões.

Depois de descrever com vivacidade o jeito, a elegância e o "jogo de cintura" do carregador, passou a falar dessas qualidades na alma brasileira, e daí se estendeu longamente sobre a grandiosa vocação do Brasil, nos planos da Providência divina.

Fez uma conferência não só de notável beleza oratória, mas também de grande profundidade, uma verdadeira análise psico-sociológica do Brasil e do povo de nossa Pátria. Concluiu-a com modéstia, dizendo que, aos setenta e tantos anos de idade, pensava já conhecer todas as virtualidades e capacidades da alma brasileira, mas reconhecia que naquele dia tinha aprendido, com o modesto puxador de carrocinha, muitas coisas novas sobre o que o Brasil poderá ser no futuro, se for fiel à graça de Deus e à sua altíssima vocação...

Outra vez, narrou numa conferência a conversa que ouvira de dois serviçais seus, um mineiro e um baiano, ambos de nível cultural muito modesto. Os dois recordavam como, em meninos, costumavam brincar com teias de aranha. Plinio Corrêa de Oliveira tirou, daquela ponta de conversa, ensinamentos muito interessantes que lhe permitiram, mais tarde, fazer profundas explicitações sobre a psicologia dos dois importantes Estados brasileiros.

Esses fatos, aqui lembrados entre muitíssimos outros, mostram muito bem o fluxo habitual do pensamento dele: ia do fato concreto para a mais alta das teorias, chegando freqüentemente ao campo da metafísica e até da teologia.

Formulava e sustentava suas idéias com rigor de lógica inflexível. Durante toda a vida polemizou — contra inimigos da Igreja e da Pátria, e até, com suma dor de alma, por vezes precisou polemizar contra eclesiásticos — e nunca foi vencido ou refutado por adversário algum.

Sabia teorizar e sistematizar seu pensamento, sempre que necessário, mas não o fazia pelo mero gosto de teorizar, e sim como auxiliar poderoso para melhor conhecer a realidade. "Jamais devemos trocar a teoria pelo fato", dizia. E acrescentava: "Por mais bonita e aliciante que seja a nossa teoria, devemos ter o desapego de renunciar imediatamente a ela se os fatos demonstrarem que está errada".

— criatividade e originalidade

Outra característica de seu pensamento é a profunda originalidade. Ele era um espírito eminentemente criativo, nada rotineiro, incapaz de se repetir em nada. Muitas vezes fazia, nas tardes de sábado, uma conferência para os mais antigos, e anunciava que, à noite, iria expor a mesma matéria aos mais jovens; mas, na realidade, a adaptação que fazia para as mentalidades juvenis era tão original e singular, que em quase nada se assemelhava à reunião da tarde.

] Muitas vezes fui testemunha de ele, enquanto elaborava um livro, pegar dois textos que redigira anteriormente, e dizer que iria fazer uma fusão dos dois. Mas isso lhe era impossível... Invariavelmente ele selecionava o primeiro parágrafo de um dos textos, indicava o terceiro ou o quarto parágrafo do outro, e se punha a ditar um parágrafo curto que — dizia — faria a ligação entre os dois. Mas esse parágrafo "puxava" outro, e mais outro, e mais outro, e acabava saindo um terceiro texto riquíssimo e original, que muito pouco tinha em comum com os dois primeiros. No final, dizia: — Pode jogar fora os dois primeiros textos, que estão superados.

Cabia então ao Eng. Antonio Augusto Borelli Machado, que durante muitos anos colaborou dedicadamente com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira na revisão e editoração de seus escritos, desobedecer ao autor... Por conta própria, Dr. Borelli não jogava fora os dois primeiros textos, mas os reapresentava, na fase seguinte da revisão, sugerindo hábeis inserções no corpo geral da obra, de maneira a reaproveitar a maior parte dos textos condenados sem quebrar a arquitetonia do conjunto. Em via de regra, Plinio Corrêa de Oliveira concordava.

Ele era, aliás, extremamente dócil no tocante às sugestões dos revisores. Inteiramente isento de amor-próprio ou da chamada "vaidade dos escritores", de bom grado aceitava as sugestões recebidas. Só não aceitava alguma delas por exceção, quando tinha algum motivo muito ponderável — de ordem doutrinária ou de estratégia política — para isso. E sempre explicava, para a formação do auxiliar, o porquê de sua decisão.

Outra manifestação de sua extrema criatividade pode ser facilmente verificada nas coleções de seus artigos. Se tomarmos, por exemplo, os que escreveu sobre o Natal ou sobre a Semana Santa em épocas e circunstâncias muito diversas, nunca encontraremos algo que seria mais do que explicável: ele repetir o mesmo pensamento. Isso não acontecia, a cada ano ele produzia uma peça inteiramente original.

Redigiu, ao longo de sua vida, dezenas de milhares de cartas, dos mais diversos gêneros. Seria normal que nelas usasse umas tantas fórmulas-padrão para, por exemplo, concluí-las. Isso também não acontecia: cada fecho de carta é único, é absolutamente único. Até nesse pormenor se manifestava sua extraordinária originalidade.

— espírito universal, horror à "mentalidade de especialista"

Outro aspecto de sua vida intelectual é o horror à "mentalidade de especialista". Daí sua crítica severa a certa forma de ensino superior moderno, cada vez menos universal (como o próprio nome Universidade requereria) e cada vez mais compartimentado e bitolado. Ele costumava referir-se à jocosa definição de especialista: um homem que sabe cada vez mais sobre cada vez menos. Referia-se por vezes, nas conversas, a "esses especialistas em pata de formiga".

Seu espírito era muito profundo, mas não era o de um especialista. Como professor catedrático de História, tinha respeito pelos pesquisadores que vasculham arquivos à procura de documentos, reconhecendo que a ciência histórica muito deve a eles. Mas, sempre dizia, isso não fazia o seu gênero. Seu espírito era o dos largos horizontes, procurando em tudo a arquitetonia das grandes visões de conjunto, da Filosofia e da Teologia da História.

Ainda outra característica dele como pensador é não ter aquela forma de medo doentio — tão freqüente em meios universitários — por mostrar paixão a favor ou contra o que está estudando. O amor e o ódio podem, no homem mau, cegar e impedir a visão da verdade. Na alma reta, porém, longe de impedirem a objetividade, constituem poderosos instrumentos para a captação da verdade e do erro.

— equilíbrio, elegância e caridade nas polêmicas

Nas muitas polêmicas que travou, nunca se deixou arrastar pela paixão a ponto de se exceder no ataque a algum adversário. Pelo contrário, sempre teve em relação a eles gestos de educação e cavalheirismo, e até mesmo chegou a socorrer ocultamente a alguns quando, mais tarde, se viram de alguma forma necessitados. Uma biografia completa de Plinio Corrêa de Oliveira, quando vier a ser publicada, revelará fatos tocantes nesse sentido.

Declarou certa vez um velho embaixador brasileiro, cujas idéias, aliás, eram muito discordantes das de Plinio Corrêa de Oliveira, acerca de uma carta-aberta que este publicou, no calor de uma controvérsia ideológica muito viva:

— O Plinio esmagou o adversário com grande classe; ele soube recolher, no seu estilo, algo de valor inapreciável que era da escola do nosso antigo Itamaraty, mas que, infelizmente, os meus jovens colegas já não mais aprendem do Instituto Rio Branco.

Sua vida foi uma sucessão de polêmicas. O ambiente da polêmica foi sempre aquele em que viveu, em que respirou, em que produziu intelectualmente. Mas não gostava da polêmica pela polêmica, não era com gosto, e só por senso do dever, que "espadachinava" contra seus adversários ideológicos.

" Os que me conhecem no trato diário podem dar testemunho de que sou, por temperamento e formação, cordato e infenso a discutir pelo mero gosto de discutir", escreveu ele na "Folha de S. Paulo”, de 29-11-1970.

Dois anos depois, em outro artigo para o mesmo jornal, escrevendo num contexto inteiramente diverso, voltou ao assunto:
" Passo, entre os que não me conhecem na intimidade, por homem batalhador e afeito à polêmica. A verdade é precisamente o contrário. Sou cordato a ponto de chegar quase ao fleumático. Alegro-me em concordar e elogiar. Se entro em tantas controvérsias, não é por gosto, mas pelo senso do dever. De fato, nos dias em que vivemos, são muito mais numerosos os temas que obrigam à critica, do que os que convidam ao elogio. A ocasião de fazer um elogio sério e sincero raras vezes se apresenta. Isso torna tanto mais preciosa a alegria de o fazer quando se dá azo a tal. Nesta alegria há um requinte, quando o elogio tem por objeto palavras de um alto hierarca da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Para um filho, nada há de mais grato do que elogiar seu pai. E, em certo sentido, o católico vê um pai em cada hierarca da Santa Igreja de Deus". (id., 18-6-1972).

— espírito profundamente católico, apostólico e romano

Em tudo o que estudava, refletia, escrevia ou ensinava, demonstrava plena docilidade ao Magistério e ao espírito da Igreja. Muitas vezes dizia que, se era um homem seguro de si e afirmativo, devia-o ao fato de haver na Igreja um Papa infalível. E explicava:

" Se eu não tivesse a certeza de que existe alguém infalível que me corrigirá se eu errar, eu teria tanto medo de errar que deixaria de pensar, seria o mais inseguro dos homens".

Estilo pessoal e inconfundível, agradável para os leitores


Seu estilo de escrever, aliás, era semelhante ao de falar, ambos muito agradáveis

Foi no contexto da formação de sua ampla escola de pensamento e de ação que formou e consolidou seu estilo pessoal de escrever.

Segundo Santo Agostinho, três qualidades são necessárias ao bom escritor: agradar, esclarecer e mover os seus leitores. Para agradar — dizia o grande Bispo de Hipona — é preciso escrever com beleza; para esclarecer, obviamente, há que ser claro; e para mover os leitores, há que escrever com calor, com entusiasmo.

Essas três características sempre estiveram muito presentes no estilo de escrever — como também no de falar — de Plinio Corrêa de Oliveira. Seu estilo de escrever, aliás, era semelhante ao de falar, ambos muito agradáveis. Enquanto escrevia, sempre parecia estar se dirigindo pessoalmente a um leitor imaginário, mantendo com ele uma conversação personalizada, acompanhando o fio do seu pensamento, adaptando a exposição ao "interlocutor" e utilizando freqüentemente o recurso às prolepses, ou seja, prevendo e respondendo antecipadamente as objeções que poderiam nascer na cabeça do leitor.

Quando, em 1979, participou de um almoço na sede da "Folha de São Paulo", com os demais colaboradores do matutino, foi colocado como segundo convidado de honra, à esquerda de Octavio Frias de Oliveira, proprietário e diretor do jornal, que tinha à sua direita Gilberto Freyre, o principal homenageado, a esposa deste e, logo a seguir, como terceiro homenageado, o então suplente de senador Fernando Henrique Cardoso. No início do almoço, Frias advertiu os três colaboradores que destacara entre todos os demais, que à frente deles estava sentado um jovem repórter conhecido por sua memória perfeita, e que tudo o que dissessem durante o almoço poderia ser publicado no jornal do dia seguinte. A certa altura do almoço, o jovem jornalista não se conteve e exclamou:

— É incrível, Dr. Plinio! O Sr. fala exatamente do mesmo jeito como escreve!

Dr. Plinio sorriu e respondeu amavelmente, louvando o senso de observação do jovem. Mas — comentou depois — seu desejo real teria sido responder de outro modo:

— Engana-se redondamente, meu caro. Eu não falo como escrevo, eu escrevo como falo...


Almpço na "Folha de S. Paulo", em 1979

Na primeira fase de sua vida pública, ainda estava em moda o estilo florido e demasiadamente ornado, carregado de adjetivos e advérbios, ao gosto do século XIX. Muitas vezes esse excessivo ornamento escondia um pensamento vazio e pouco consistente. Plinio Corrêa de Oliveira reagiu contra esse modismo, desenvolvendo um estilo pessoal mais simples e direto, mas ao qual não faltava uma discreta e bem calibrada nota de ornamento. Em matéria de estilo, foi um inovador, chegando a ser criticado pela simplicidade com que escrevia. À medida que o século XX foi avançando, foi também crescendo o gosto generalizado pela simplicidade de linguagem, chegando-se a extremos de empobrecimento e coloquialismo. Do exagero do ornato passou-se ao exagero da simplicidade. Plinio Corrêa de Oliveira não acompanhou esses modismos, mas ficou no seu juste milieu, equilibrado e extremamente agradável. Uma utilização judiciosa de metáforas e figuras de linguagem constitui como que sua marca registrada.

" Gravidade com ornato", foi como ele definiu a característica principal de seu estilo. "Uma linguagem dinâmica, com algo de arcaico, faz parte do charme grandioso da TFP" — declarou outra vez. O resultado é que seus escritos sempre foram lidos e apreciados, desde os remotos anos 20 até quase o final do século, por leitores de todas as idades e condições — objetivo extremamente difícil de ser atingido por um escritor ou jornalista.

— clareza, acima de tudo; fé e entusiasmo contagiantes

Dizia ter recebido de seu pai, que era advogado muito experiente, um bom conselho que o acompanhou durante toda a vida: acima de tudo, visar à clareza. "Meu filho — dizia ao jovem Plinio o Dr. João Paulo Corrêa de Oliveira — se você conseguir escrever bonito, será muito bom. Mas nunca sacrifique a clareza à beleza. Um advogado que apresente uma petição inicial bem clara tem metade da vitória garantida. Mas se ele apresenta uma petição linda, cheia de beleza literária, mas forçando o juiz a lê-la três ou quatro vezes para descobrir o que é que, afinal, está postulando, já tem metade da derrota assegurada".

Esse bom conselho sempre foi seguido à risca. Suas aulas eram modelos de clareza para os alunos. Seus artigos, mesmo os que tratavam de assuntos doutrinários de difícil intelecção, eram compreendidos pelos leitores. Seus livros, sempre sucessos de vendas, igualmente eram lidos e entendidos pelo público.

Escrevia com serenidade e placidez, sem recorrer à ênfase excessiva de um panfletário. Mas a convicção profunda da veracidade do que estava expondo, e o entusiasmo de alma pelos ideais que defendia, eram facilmente assimilados pelo leitor. Sua fé e seu entusiasmo eram contagiantes.

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