Um estilo original, criativo e inconfundível

“Catolicismo”, nº 670, outubro de 2006 - Excertos
03/10/2006

Armando Alexandre dos Santos

— utilização de imagens e recursos jornalísticos

Plinio Corrêa de Oliveira, o mais tradicional dos homens, sabia, entretanto, utilizar criteriosamente os recursos da modernidade. Quando jovem professor no Colégio Universitário da Universidade de São Paulo, foi o primeiro docente que teve a idéia de levar quadros e imagens históricas para desenvolver a partir deles suas aulas. Tal recurso, que depois se banalizaria, chamou enormemente a atenção dos alunos, que muitas décadas depois ainda se recordavam daquele professor que, com métodos tão modernos e inusitados, defendia as idéias mais espantosamente tradicionais...

O mesmo recurso às imagens foi utilizado anos a fio por Plinio Corrêa de Oliveira, para a redação de Ambientes, Costumes, Civilizações, seção que marcou época na história de Catolicismo.

Sabia despertar a curiosidade do público pelo uso de títulos surpreendentes, notáveis pela originalidade e pela criatividade. Muitos leitores eram levados a ler seus artigos, atraídos pelo inusitado dos títulos, e às vezes somente no final da leitura compreendiam a razão de ser deles.

Apenas à guisa de exemplo, alguns dos títulos que mais chamaram a atenção na época em que foram publicados: "2 + 2 ainda é igual a 4?"; "Sapo de guarda-chuva, perigo máximo"; "Não encontrei título para este artigo"; "A bengala e a laranja"; "Churchill, o avestruz e a América do Sul"; "No avião, com Gogó"; "Thiobacillus tiopharus"; "Em casa de Dona Edeltrudes"; "34-7577"; Desde que se case com José".

— um vocabulário rico e variado

Seu vocabulário era rico e variado, se bem que não artificialmente rebuscado. Abominava, é claro, o palavreado vulgar e pouco elevado, mas sabia utilizar, na hora oportuna e do modo adequado, expressões até muito populares, quando ricas de conteúdo. Dizia que faz parte da função social da aristocracia saber resgatar de seu plebeísmo certas expressões populares muito “carregadas de realidade”, que enriquecem o idioma de um país. Certa vez, iniciou um artigo na "Folha de S. Paulo" com a conhecida expressão caipira: "Vem chumbo grosso por aí". Achava também rica e sugestiva a expressão "dar angu de caroço". Lembro que uma vez usei, na frente dele, a palavra "marmelada" para me referir a uma eleição que estava sendo realizada naquele dia; para minha surpresa, ele assentiu enfaticamente: — "Você tem razão, é marmelada mesmo!".

Sustentava que o domínio de um vocabulário rico é indispensável para a expressão exata do pensamento e, portanto, para a plena realização de qualquer homem — criatura racional criada à imagem e semelhança de Deus — seja qual for seu nível intelectual ou cultural. Mais de uma vez louvou, em conversas com amigos, a forma de exprimir-se de um velho mordomo português que era analfabeto, mas sabia falar com correção gramatical e fazendo uso de um vocabulário muito rico.

Gostava de saber a etimologia das palavras, e sustentava que somente conhece inteiramente o significado de um termo quem lhe conhece a origem. Certa vez teve a curiosidade de procurar o sentido exato da expressão arcaica "à sorrelfa", que ele ainda ouvira nos seus tempos de menino, no sentido de sub-repticiamente, disfarçadamente. Um bom dicionário clássico português esclareceu que "à sorrelfa" tinha origem em zorra, ou raposa. "À sorrelfa" significa, pois, "à maneira da raposa". Ao tomar conhecimento dessa etimologia, comentou: — "Agora, sim, posso dizer que conheço perfeitamente o sentido; antes, eu usava corretamente, mas meu conhecimento era incompleto".

Daí seu amor à ortografia antiga, que era etimológica, com as palavras conservando letras aparentemente supérfluas, mas que indicavam sua origem. Ele dizia, por exemplo, que a forma etimológica chrystal tem algo de cristalino que a forma moderna cristal perdeu completamente. E que o pescoço de um cysne, escrito com ípsilon, é mais elegante do que o do prosaico cisne...

As letras supérfluas, dizia ele, não são tão supérfluas assim, mas têm um papel muito importante nas palavras. Um exemplo típico, que deu certa vez: imagine-se o fabuloso castelo francês de Chenonceaux, se escrito foneticamente como Xenõçô: ficaria medonho!

Considerou uma decadência da língua, a adoção, nos anos 40, da ortografia moderna, fonética e simplificadora, repleta dos chamados acentos diferenciais. Adotou-a a contragosto nos seus livros e artigos, mas manteve o costume de, nos apontamentos manuscritos pessoais, escrever com a velha ortografia etimológica que aprendera na infância.

— Riqueza vocabular do idioma português

Admirava muito a riqueza de vocabulário da língua portuguesa, que é, por isso, bem aparelhada para a expressão de conceitos muito precisos e matizados.

O português tem mais de mais de 20 mil verbos, somente na primeira das conjugações, enquanto algumas línguas européias não chegam a esse número mesmo somando os vocábulos de todas as categorias gramaticais...

A riqueza estonteante da nossa língua coloca, à disposição de quem sabe usá-la convenientemente, uma variedade enorme de vocábulos, de sentidos muito próximos, mas com diferenças de matiz. E isso confere uma riqueza especial ao idioma português.
Plinio Corrêa de Oliveira se comprazia, sempre que as circunstâncias o permitiam, em explicar aos seus discípulos mais jovens as diferenças de matiz de palavras de sentido muito próximo, como, por exemplo, caridade, filantropia e assistência; ou causa, motivo, razão e pretexto. Era, para ele, agradável e enriquecedor o exercício intelectual de procurar distinguir bem esses matizes.

— Noção dinâmica da Língua Portuguesa


O Rei Dom João V de Portugal

Não entendia o idioma como algo fixo e imutável, mas pelo contrário, como algo muito dinâmico. Esse dinamismo está na própria índole da nossa língua.

Não tinha, por isso, o horror por princípio aos neologismos. Dizia que a língua é como a instituição da Nobreza: não deve ser uma casta fechada, mas deve ser aberta para a admissão de novos elementos, e também deve ter portas abertas para eliminar os que não estão à altura de permanecer nela.

Chegou a sustentar, numa conferência, a tese de que é legítimo criar-se uma palavra para usá-la uma única vez, desde que ela seja conveniente para formular com precisão um pensamento, por exemplo, numa reunião ou aula que estivesse dando.

Comentou mais de uma vez a diferença entre o idioma português e o castelhano. Compreendia bem que o castelhano mantivesse um dicionário oficial — o da Real Academia de Madri — pelo qual se pautasse a língua castelhana no mundo inteiro; mas não considerava, de modo algum, uma inferioridade o fato de não existir, no português, um dicionário desse nível. Isso porque a própria riqueza extrema do português — e a sua característica peculiar de ser por índole aberto ao surgimento de novas palavras — impediam que um dicionário desses fosse feito.

É bem sabido que, no século XVIII, a Real Academia Portuguesa principiou, por ordem de D. João V, a elaborar um dicionário oficial da língua, mas depois de 20 anos de trabalho insano deu à luz o primeiro volume, correspondente à letra A... e desistiu de prosseguir o empreendimento!

Assim como não rejeitava, em princípio, os neologismos, Plinio Corrêa de Oliveira também aceitava de boamente os estrangeirismos que realmente enriquecessem a língua portuguesa com expressões para as quais não havia equivalente entre nós. Mas rejeitava os estrangeirismos, os neologismos e os modismos de mau gosto, especialmente quando apresentados com uma nota de faceirice revolucionária. Não gostava, por isso, de numerosas expressões de origem inglesa que entraram no Brasil juntamente com a mentalidade — que ele criticou acerbamente — de Hollywood, em substituição da influência luso-francesa tradicional: por isso, nunca falava em stress, mas sim, em surmenage; evitava também know-how, preferindo savoir-faire.

Sem embargo disso, assimilou numerosas expressões norte-americanas que, dizia ele, continham muito "suco de realidade" e enriqueciam o português, como, por exemplo, wishfullthinking, thinktank, psy-war. (pensamento carregado de desejo, tanque de pensamento, guerra psicológica).

Mestre da Língua

Plinio Corrêa de Oliveira foi profundo conhecedor da língua portuguesa, que amava e admirava, e soube extrair e aproveitar os imensos recursos que ela proporciona. Embora tenha vivido numa época de inegável decadência da "última flor do Lácio, inculta e bela", produziu alguns dos mais belos textos jamais escritos nesse idioma.

Estou certo de que no futuro, quando tiverem sido sepultados pelo pó da História os modismos ideológicos que ainda marcam nossos tempos, ele será reconhecido como um dos grandes mestres da língua de Camões.

Só me resta concluir estas recordações e observações — coligidas rapidamente e sem a pretensão de esgotar o assunto — com uma expressão francesa muito conhecida, que em diversas ocasiões Plinio Corrêa de Oliveira utilizou para encerrar seus artigos de prognósticos políticos: Qui vivra, verra...

(Quem viver, verá...)

Nota: Excertos do artigo publicado na revista “Catolicismo”, nº 670, outubro de 2006.

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Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

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