2006 O vagalhão da desordem universal


09/01/2007

Luis Dufaur

Reabrindo (ou inventando) feridas nacionais

Na Argentina, no Chile, no Uruguai e no Brasil, as esquerdas empenharam-se em reabrir feridas históricas da época dos governos militares. Agiram em contradição com o ensinamento do Papa Leão XIII na encíclica Libertas Prestantissimum, segundo o qual é legítimo que o Estado deixe de castigar certos crimes “para que não advenham males maiores”. As ameaças e violências ocorridas por ocasião do enterro do general Pinochet no Chile patentearam a polarização do país e o poder explosivo de uma abordagem vingativa do passado por parte das esquerdas hoje no poder [foto 13].

O continente assistiu ao atiçamento de conflitos raciais e culturais — envolvendo sobretudo indígenas e negros — contra a cultura de raízes européias e católicas. Forjaram-se conflitos raciais onde não existiam. Exemplo disso é o caso das cotas raciais no Brasil. Uma "usina de narrativas" sediada na Secretaria da Igualdade Racial (Seppir) e irrigada com fundos da Fundação Ford trabalhou para deturpar a história nacional, difamar o Dia da Abolição da Escravidão e propagandear a luta anti-imperialista, anti-branca (leia-se também anti-católica), libertária e igualitária.(6)

O presidente Chávez imiscuiu-se à vontade na política interna e nas eleições dos vizinhos. Empenhou-se numa aliança da América Latina com os países muçulmanos fundamentalistas, como o Irã anti-EUA. "O Islã é o combustível da revolução [...] Cristãos autênticos também enfrentaram o Império Romano e a Hierarquia religiosa. [...] O cristianismo é fundamentalmente revolucionário, assim como o Islã", disse Chávez ao presidente iraniano Ahmadinejad em Caracas.(7)

Na Venezuela, Chávez excitou o ódio de classes dos populares contra os "burgueses" da "elite", ricos e "brancos" — o velho esquema marxista.

Exceção: China e Rússia consolidaram a ditadura

No mapa de 2006 quase não se encontra lugar do mundo onde as esquerdas — clássicas, recicladas, ou progressistas — não amplificaram as rachaduras existentes ou abriram novas. Houve, porém, duas grandes exceções: a Rússia e a China. Esses países esmagaram com mão de aço as divergências internas, sobretudo as mais legítimas.

Na China, os camponeses viraram "inimigos do povo" porque, em defesa de suas propriedades, promoveram aproximadamente 175.000 manifestações ou motins [foto 14]. Jornalistas simpáticos ao regime, mas trabalhando para órgãos de imprensa ocidentais, como informa o “The New York Times”, foram presos e condenados em processos acintosamente ilegais. O número de penas de morte executadas foi de longe o maior do mundo, sendo estimado em milhares. O governo, com a ajuda de gigantes da Internet como Microsoft, Google e Yahoo, instalou uma censura meticulosa dos conteúdos da web para os chineses.

Na Rússia, a repressão já pouco difere da ditadura dos soviéticos. O governo, controlado pela ex-KGB, é acusado de assassinatos espetaculares e em série de dissidentes. Entre eles o da jornalista Ana Politovskaia, baleada em Moscou, o do ex-espião Alexander Litvinenko [foto 15] e o do ex-premiê russo responsável pelas privatizações, Yegor Gaidar, envenenados com substâncias radioativas ou raras, seguindo métodos típicos da ex-URSS. Na política externa, Putin empenhou-se em restabelecer o jugo russo sobre as nações outrora escravas do Kremlin, especialmente a Ucrânia e a Geórgia. Também patrocinou fraudulentas eleições na Bielorússia, cujos resultados ratificaram um governo títere de Moscou.

A Rússia e a China, na ordem dos fatos, incitaram os mais virulentos inimigos do Ocidente, representados pelo Irã e a Coréia do Norte. Porém, na aparência e em palavras, deram a impressão ao Ocidente de aproximarem-se dele, e até de colaborarem com os ocidentais fazendo valer sua ascendência sobre Teerã e Pyongyang. Assim, astutamente foram se colocando como fiel da balança do mundo, enquanto continuavam, através de governos interpostos, impulsionando o torvelinho da desordem generalizada no campo internacional.

* * *

Reações obrigaram as esquerdas a se disfarçar

O conservadorismo, surgindo em oposição ao sinistro trabalho desestruturante das forças revolucionárias, obrigou as mesmas esquerdas a realizar uma metamorfose até há pouco impensável.

O espetáculo de 2006 foi intensamente contrastado. De um lado, apresentou um avanço geral das forças do caos. Mas, por outro lado, revelou que as esquerdas sentem-se mal à vontade.

Poucas décadas atrás, as esquerdas movimentavam-se, seguras de si, na conquista político-social, ideológica e religiosa do mundo. Elas obtinham adesões –– ou claudicações dos adversários –– decisivas para suas metas concretas e suas doutrinas. Entretanto, desde a queda do Muro de Berlim, elas vêm se metamorfoseando aceleradamente. Em 2006, tal metamorfose atingiu um paroxismo.

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