Uma arquiduquesa na origem da Independência do Brasil


18/04/2007

Cid Alencastro

Hoje em dia, ao vermos correntes ideológicas trabalharem para separar a Amazônia do Brasil, convém pôr em realce o papel decisivo que teve a Imperatriz Leopoldina na manutenção da unidade nacional

Desde os bancos escolares, aprendemos que a Independência do Brasil foi proclamada a 7 de setembro de 1822, por D. Pedro I, às margens do Ipiranga. Ao receber cartas de Portugal, exigindo dele uma submissão mais completa à Mãe-Pátria, o então regente do Reino brandiu sua espada e bradou: Independência ou Morte!

Símbolo de uma realidade complexa


A Imperatriz Leopoldina e Dom Pedro I

Tem grandeza a cena, imortalizada depois no famoso quadro de Pedro Américo. Altamente simbólica, constituiu o marco do nascimento do Brasil como Nação independente.

Mas, como acontece em geral com os atos simbólicos, são eles a expressão resumitiva e coruscante de uma realidade profunda e complexa, que se desdobra em múltiplos aspectos.

É bem o caso da independência do Brasil. Ela vinha sendo preparada havia muito, em boa medida como reação às Cortes portuguesas, espécie de parlamento influenciado a fundo pelas idéias revolucionárias da França de 1789. Mantinham o simpático Rei D. João VI no isolamento político e queriam impor ao Brasil seu igualitarismo libertário.

No Brasil do século XIX, uma unidade periclitante

Já no famoso "dia do Fico”, 9 de janeiro de 1822, contrariando expressamente as ordens das Cortes que exigiam seu retorno a Portugal, D. Pedro resolveu permanecer no Brasil: "Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação. Estou pronto! Digam ao povo que fico".

Em nosso território, porém, a unidade estava longe de se mostrar consolidada. Aqui se refletiam as diferentes correntes então atuantes na Europa, desde o absolutismo monárquico até o anarquismo, passando pelas formas parlamentares de Monarquia e República. As diversas províncias mantinham posições políticas díspares, que se manifestavam nos discursos dos deputados provinciais enviados a Lisboa para participar das Cortes. Era considerável o risco de um esfacelamento do Brasil de então em republiquetas, independentes umas, ligadas a Portugal outras.

Em meio a esse caos de idéias e de atitudes, expressas muitas vezes de maneira violenta, a unidade era mantida, depois da Religião Católica, pela dinastia dos Bragança. Compreendeu-o bem José Bonifácio de Andrada e Silva, político habilíssimo. Seus conselhos ao príncipe regente, em favor da independência como fator de fortalecimento da dinastia, e com ela da unidade nacional, tiveram papel certamente decisivo, se bem que não único.

A unidade do Brasil em perigo: os riscos da Amazônia

O enorme esforço e a profunda lucidez da Imperatriz Leopoldina em favor da unidade nacional contrastam dolorosamente com a posição que tomam hoje em dia certos brasileiros, sobretudo quando se trata da Amazônia. A esse respeito, vale a pena reproduzir alguns tópicos de um artigo do sociólogo Hélio Jaguaribe:

“O que está ocorrendo nessa área [Amazônia], que representa 59% do território, é simplesmente inacreditável. [...] A Amazônia está sendo submetida a acelerada desnacionalização, em que se conjugam ameaçadores projetos por parte de grandes potências para sua formal internacionalização, com insensatas concessões de áreas gigantescas — correspondentes, no conjunto, a cerca de 13% do território nacional — a uma ínfima população de algo como 200 mil índios. [...] Acrescentem-se a isso inúmeras penetrações, freqüentemente sob a aparência de pesquisas científicas, e a atuação de mais de cem ONGs. [...] É absolutamente evidente que o Brasil está perdendo o controle da Amazônia. É urgentíssima uma apropriada intervenção federal. [...]

“É indiscutível a necessidade de uma ampla revisão da política de gigantescas concessões territoriais a ínfimas populações indígenas, no âmbito das quais, principalmente sob pretextos religiosos, se infiltram as penetrações estrangeiras.

“Enquanto a Igreja Católica atua como ingênua protetora dos indígenas, facilitando indiretamente indesejáveis penetrações estrangeiras, igrejas protestantes –– nas quais pastores improvisados são concomitantemente empresários por conta própria ou a serviço de grandes companhias –– atuam diretamente com finalidades mercantis e propósitos alienantes.

“O objetivo que se tem em vista é o de criar condições para a formação de "nações indígenas" e proclamar, subseqüentemente, sua independência. [...] Os indigenistas querem instituir um ‘jardim zoológico’ de indígenas, sob o falacioso pretexto de preservar sua cultura”.(*)

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* Decano emérito do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (RJ), membro da Academia Brasileira de Letras, in “Folha de S. Paulo”, 19-2-07.

Da. Leopoldina, uma eminente estadista


Imperador Francisco I, pai de Dona Leopoldina (Quadro de Friedrich von Amerling, 1832 – Palácio de Schönbrunn, Viena Calendário)

Menos lembrada, mas não menos decisiva, foi a atuação pró-independência de outra figura extraordinária da História do Brasil, a arquiduquesa austríaca, depois imperatriz do Brasil, Dona Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo, esposa de D. Pedro I e mãe de D. Pedro II.

Com uma intuição de estadista, ela logo se deu conta do enorme risco que representava para o Brasil a influência dos princípios igualitários, soprados insistentemente da Europa sobre a América. Somente a dinastia dos Bragança, chefiada no Brasil por D. Pedro I, tinha as necessárias condições de prestígio e de força para opor-se a essa influência nefasta, assegurar a unidade nacional e ser a parteira do Brasil independente que estava prestes a nascer.

Muito querida pelo povo brasileiro, trabalhou Da. Leopoldina exaustivamente nesse sentido, como o demonstram suas cartas a seu pai, à sua irmã, a José Bonifácio e a outros.

As coisas estavam nesse pé quando, talvez providencialmente, uma viagem de D. Pedro I a São Paulo, para acalmar certas revoltas naquela província, colocaram nas mãos de Da. Leopoldina as rédeas do poder.

Um deslocamento do Rio a São Paulo a cavalo, naquela época, em meio a sedições que se levantavam por toda parte, era um empreendimento altamente arriscado, que o Príncipe Regente só realizou por necessidade absoluta. Mas ele não podia deixar desguarnecido nessa ocasião o poder central, no Rio. Por isso, a 13 de agosto de 1822, nomeou Da. Leopoldina chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente Interina do Brasil.

Carta de Da. Leopoldina a seu pai, Francisco I, Imperador da Áustria, em 6-4-1823

Desde que meu esposo tomou as rédeas do Estado, Deus sabe que, não por sede de poder ou ambição, mas para satisfazer o desejo do probo povo brasileiro, que se sentia sem regente, dilacerado em seu íntimo por partidos que ameaçavam com uma anarquia ou República; qualquer um que se encontrasse na mesma situação faria o mesmo: aceitar o título de Imperador para satisfazer a todos e criar a unidade. [...] Devem ter-lhe dito ou escrito que querem instituir aqui uma constituição igual à das vis Cortes portuguesas ou das sanguinárias Cortes espanholas; é uma mentira grosseira [...]. A grandeza do Brasil é de supremo interesse para as potências européias [...]. É meu dever fazer o papel de intercessora do nobre povo brasileiro, pois todos nós lhe devemos algo; nas circunstâncias mais críticas, este povo fez os maiores sacrifícios, que demonstram amor à pátria, para proteger sua unidade e o poder real [...]. Todas as províncias se unem pelo mesmo interesse, mesmos anseios. Agora, nada mais me resta desejar senão que o senhor, querido pai, assuma o papel de nosso verdadeiro amigo e aliado; certamente será para meu esposo e para mim um dos nossos dias mais felizes, quando tivermos essa certeza; quanto a mim, caríssimo pai, pode estar convicto de que, caso aconteça o contrário, para nosso maior pesar, sempre permanecerei brasileira de coração, pois é o que determinam minhas obrigações como esposa e mãe, e a gratidão a um povo honrado que se dispôs, quando nos vimos abandonados por todas as potências, a ser nosso esteio, não temendo quaisquer sacrifícios ou perigos.

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(Bettina Kann e Patrícia Souza Lima, Cartas de uma Imperatriz, Editora Estação Liberdade, 2006)

Da. Leopoldina decreta a Independência antes de 7 de setembro

Fato pouco conhecido, mas absolutamente histórico: foi ela que, antes do 7 de setembro, decretou a independência do Brasil em relação a Portugal.

Aconselhada por José Bonifácio, e usando seus atributos de chefe interina do governo, a Princesa Regente reuniu-se na manhã de 2 de setembro de 1822 com o Conselho de Estado, assinando o decreto da Independência que declarava o Brasil separado de Portugal. Ela tinha 25 anos de idade e uma grande lucidez!

Em seguida convocou um oficial de sua confiança, enviando por meio dele o decreto a D. Pedro, juntamente com uma carta sua e outra de José Bonifácio, solicitando com empenho a pronta decisão do Príncipe em favor da independência. Acrescentou ainda papéis recebidos de Lisboa e comentários de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, deputado às Cortes, pelos quais o Príncipe-Regente se inteirou das críticas que lhe faziam na Metrópole. Em Portugal, a posição de D. João VI e a de todo seu ministério, dominados pelas Cortes, era muito difícil.


Da. Leopoldina e seus filhos

O oficial chegou ao príncipe no dia 7 de setembro de 1822, às margens do riacho do Ipiranga. O resto da história, já o conhecemos.

A arquiduquesa Leopoldina, Princesa do Brasil, foi coroada imperatriz em 1º de dezembro de 1822, na mesma cerimônia de coroação e sagração de D. Pedro I.

Veio a falecer em 1826, aos 29 anos de idade. Seus restos mortais se veneram atualmente na cripta do Monumento do Ipiranga, em São Paulo.

Veja:
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