Acender nos corações o braseiro do amor divino ao Deus que se fez menino para para nos salvar


22/12/2011

Acender nos corações o braseiro do amor divino ao Deus que se fez menino para nos salvar

É sempre uma alegria para a direção de Catolicismo apresentar a seus leitores considerações elevadas sobre o Santo Natal. Sobretudo quando redigidas por diletos filhos de Deus, que escrevem com abrasado amor divino, como é o caso das preciosas considerações tecidas por Santo Afonso Maria de Ligório (1696 –1787), fundador da Congregação Redentorista, proclamado Doutor excelente e luz da Santa Igreja pelo bem-aventurado Papa Pio IX.

Na impossibilidade de transcrevermos todas as meditações sobre o Natal de autoria desse Doutor da Igreja, seguem abaixo excertos delas, que extraímos de sua esplêndida obra Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo (capítulos I, II e III, da primeira parte). A redação de Catolicismo apenas inseriu subtítulos e pequenas adaptações de linguagem, a fim de tornar a leitura mais acessível. Formulamos votos de que esses trechos escolhidos possam, conforme o anseio do santo autor, auxiliar a espalhar o fogo do amor ao Divino Menino Jesus e a sua Mãe Santíssima.

‎Fazemos nossas as palavras do tradutor desse livro para o português, Pe. Oscar das Chagas Azeredo, C.SS.R., contidas no prefácio da edição publicada em 1946 pela Editora Vozes Ltda., Petrópolis (RJ):

“Oxalá possam estas meditações, compostas pelo Doutor da Oração, acender nos corações o braseiro do amor divino, elevar as almas à mais alta perfeição, contribuindo assim para o objetivo das missões populares, que não é outro senão ganhar almas para Deus e difundir sempre mais o Reino de Nosso Senhor. O Deus Menino digne-se abençoar esta tradução, que não visa senão a maior glória de Deus e o bem das almas”.

Desejamos que tais considerações despertem uma ardente devoção dos caros leitores ao Divino Infante, de molde a que possam comemorar adequadamente o magno acontecimento ocorrido na Gruta de Belém há 2011 anos.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE
A INFÂNCIA DE JESUS

O Verbo Eterno se fez homem
“Vim trazer o fogo à Terra;
e o que desejo senão que ele se inflame?” (Lc 12, 49)

OS JUDEUS CELEBRAVAM uma festa chamada “Dia do Fogo” em memória do fogo com que Neemias consumou a vítima oferecida a Deus, quando ele voltou com seus compatriotas do cativeiro da Babilônia. A festa do Natal deveria também, e com muito mais razão, chamar-se “Dia do Fogo”, porque nesse dia um Deus veio ao mundo sob a forma de uma criancinha para atear o fogo do amor no coração dos homens.

“Vim trazer o fogo à Terra”, disse Jesus Cristo, e o trouxe de fato. Antes da vinda do Messias, quem amava a Deus sobre a Terra? Ele era apenas conhecido numa pequena região do mundo, isto é, na Judeia; e mesmo lá, quão poucos eram os que o amavam no tempo da sua vinda! No resto da Terra, uns adoravam o sol, outros os animais, as pedras ou criaturas mais vis ainda. Mas, depois da vinda de Jesus Cristo, o nome de Deus se espalhou por toda parte e foi amado por muitos. Desde então os corações abrasaram-se das chamas do divino amor, e Deus foi mais amado em poucos anos do que nos quatro mil aos que decorreram depois da criação.

Muitos cristãos costumam preparar com bastante antecedência em suas casas um presépio para representar o nascimento de Jesus Cristo. Mas há poucos que pensam em preparar seus corações, a fim que o Menino Jesus possa neles nascer e repousar. Sejamos nós desse pequeno número: procuremos dispor-nos dignamente para arder desse fogo divino, que torna as almas contentes neste mundo e felizes no Céu.

Consideremos o Verbo Eterno de Deus que se fez homem para inflamar-nos com seu divino amor. Peçamos a Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua Santíssima Mãe que nos iluminem sobre tal mistério, e comecemos.


Deus vê-se obrigado a expulsar imediatamente o homem do paraíso terrestre e a privá-lo do paraíso celeste e eterno, que lhe havia preparado para depois desta vida temporal.

Mistério da Encarnação:
o milagre dos milagres — milagre incompreensível!

PECA NOSSO PAI, ADÃO. Ingrato para com Deus, do qual recebera tantos benefícios, revolta-se contra Ele e transgride a sua lei comendo do fruto proibido. Em consequência Deus vê-se obrigado a expulsar imediatamente o homem do paraíso terrestre e a privá-lo e a seus descendentes, no futuro, do paraíso celeste e eterno, que lhes havia preparado para depois desta vida temporal.

Ei-los pois condenados a uma vida de sofrimentos e de misérias, e excluídos para sempre do Céu. Mas também, para expressarmos à maneira de Isaías, eis que Deus parece afligir-se e queixar-se. E agora, diz Ele, que me resta no paraíso, já que perdi os homens, nos quais encontrava as minhas delícias? Mas, meu Deus, Vós que possuis no Céu tão grande multidão de serafins e outros anjos, como podeis sentir tão vivamente a perda dos homens? Vossa felicidade não é perfeita sem eles? Sempre fostes e sempre sois feliz em Vós mesmo. Que pode pois faltar à vossa felicidade, que é infinita?

Tudo isso é verdade, responde o Senhor, como o imagina dizer o Cardeal Hugo, explicando o texto citado de Isaías; tudo isso é verdade, mas, perdendo o homem, penso que perdi tudo, que nada mais me resta; as minhas delícias consistiam estar com os homens, e eu os perdi; ei-los condenados a viverem longe de mim para sempre!...

Sacrifício do Inocente para salvar o pecador

Mas como pode Deus dizer que os homens são as suas delícias? — Ah!, responde Santo Tomás, é que Deus ama o homem, como se o homem fosse seu Deus, e como se não pudesse ser feliz sem o homem. São Dionísio acrescenta que, devido ao amor que tem aos homens, Deus parece fora de si mesmo. Há um provérbio que diz que o amor põe fora de si aquele que ama: Amor extra se rapit.

Não, disse Deus, não quero perder os homens; haja um Redentor que satisfaça por eles à minha justiça, e os resgate das mãos de seus inimigos e da morte eterna que mereceram...

Aqui São Bernardo, contemplando esse mistério, julga ver uma contenda entre a Justiça e a Misericórdia de Deus. — Estou perdida, diz a Justiça, se Adão não for punido. — Estou perdida, diz por sua vez a Misericórdia, se o homem não obtiver perdão. O Senhor põe fim a essa contenda: “Morra um inocente, diz ele, e salve-se o homem da pena de morte, em que incorreu”.

Na Terra não havia esse inocente. Então, disse o Padre Eterno, já que entre os homens não há quem possa satisfazer a minha justiça, qual dos habitantes do Céu descerá para resgatar a humanidade? Os anjos, os querubins, os serafins, todos se calam, ninguém responde. Só responde o Verbo Eterno e diz: — Eis-me aqui, mandai-me. Meu Pai, uma pura criatura, um anjo, não poderia oferecer a Vós, Majestade infinita, uma digna satisfação pela ofensa recebida do homem. E mesmo que vos quisésseis contentar com uma tal reparação, pensai que até esta hora nem os nossos benefícios, nem as nossas promessas e ameaças puderam decidir o homem a amar-nos. É que ele não sabe ainda a que ponto o amamos; se quisermos obrigá-lo a amar-vos infalivelmente, eis a mais bela ocasião que possamos ter: eu, vosso unigênito Filho, encarregar-me-ei de resgatar o homem perdido, descerei à Terra, tomarei um corpo humano, morrerei para pagar a pena que ele deve à vossa justiça; esta será assim plenamente satisfeita e o homem se persuadirá do nosso amor para com ele.

— Mas, pensa, meu Filho, responde o Padre Eterno; pensa que, se te encarregares de satisfazer pelo homem, terás de levar uma vida cheia de trabalhos e dores.


Lavrado o decreto de que o Filho de Deus se faria homem para ser o Redentor do gênero humano, o arcanjo Gabriel foi enviado a Maria. A humilde Virgem consente em tornar-se a Mãe de Deus e o Verbo Eterno se faz carne.

— Não importa, eis-me, mandai-me...

— Pensa que terás de nascer numa gruta, que será estábulo de animais; que depois terás de fugir para o Egito a fim de escapar das mãos desses mesmos homens que procurarão, desde a infância, tirar-te a vida.

— Não importa, mandai-me...

— Pensa que, voltando do Egito, terás de levar vida extremamente penosa e abjeta como auxiliar de um pobre artífice.

— Não importa, mandai-me...

— Pensa enfim que, quando apareceres em público para pregar tua doutrina e te manifestar ao mundo, terás sim discípulos, mas serão pouquíssimos; a maior parte dos homens te desprezará, te tratará de impostor, de mago, insensato, samaritano e não deixará de perseguir-te, enquanto não te fizer morrer nos mais ignominiosos tormentos e suspenso num patíbulo infame.

— Não importa, mandai-me...

Lavrado o decreto de que o Filho de Deus se faria homem para ser o Redentor do gênero humano, o arcanjo Gabriel foi enviado a Maria. A humilde Virgem consente em tornar-se a Mãe de Deus e o Verbo Eterno se faz carne. Eis pois Jesus no seio de Maria; e entrando no mundo, Ele diz com a mais profunda humildade e inteira obediência:

— Meu Pai, já que os homens não podem aplacar vossa justiça por suas obras nem por seus sacrifícios, eis-me aqui, o vosso Filho unigênito, revestido da carne humana, e pronto a expiar as faltas humanas por meus sofrimentos e por minha morte.

Assim o faz falar São Paulo: Entrando no mundo, diz: Não quiseste hóstia, nem oblação, mas me formaste um corpo... E eu disse: Eis-me que venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade (Hb 10,5).

Assim, pois, por nós míseros vermes e para ganhar o nosso amor, é que Deus quis fazer-se homem. Sim, isso é de fé, como a Santa Igreja o proclama: “Por nossa causa e para nos salvar, Ele desceu do Céu..., diz ela, e se fez homem”. Sim, um Deus fez isso para nos obrigar a amá-lo.

Encarnação do Verbo de Deus revela a divina bondade

Quando Alexandre Magno venceu a Dario e se apoderou da Pérsia, para cativar o afeto daqueles povos, se vestiu à moda deles. O nosso Deus empregou, de certo modo, o mesmo meio para cativar os corações dos homens: tomou a sua semelhança e mostrou-se ao mundo feito homem. Quis assim manifestar até aonde ia o seu amor a nós: O amor de Deus nosso Salvador apareceu a todos os homens (Tt 2,11).

O homem não me ama, parece dizer o Senhor, porque não me vê; vou mostrar-me a ele e conversar com ele, e assim me fazer amar. Ele foi visto sobre a Terra, disse o profeta, e viveu familiarmente com os homens (Br 3,38).

O amor de Deus pelo homem é imenso, e o foi desde a eternidade: Eu te amei com amor eterno, diz-nos Ele, e por misericórdia te tirei do nada (Jr 31,3). Mas esse amor não se manifestara em toda a sua incompreensível grandeza. Apareceu realmente quando o Filho de Deus se fez ver sob a forma de uma criança reclinada sobre palha num estábulo. Foi então que, como diz o Apóstolo, se manifestou a bondade, a ternura, ou, segundo o texto grego, o amor singular do nosso Deus Salvador aos homens (Tt 3,4). Deus já havia mostrado o seu poder criando o mundo, observa São Bernardo, e sua sabedoria governando-o. Na encarnação do Verbo, porém, manifestou a grandeza de sua misericórdia. Antes que Deus aparecesse sobre a Terra revestido da natureza humana, continua o mesmo Santo, os homens não podiam fazer-se uma justa idéia da bondade divina. Por isso Ele se encarnou a fim de descobrir aos homens toda a extensão de sua bondade.


São Bernardo dizia: Antes que Deus aparecesse sobre a Terra revestido da natureza humana, os homens não podiam fazer-se uma justa idéia da bondade divina.

E de que outro modo poderia o Senhor provar ao homem ingrato a sua bondade e amor? Desprezando a Deus, diz São Fulgêncio, o homem separara-se dele para sempre. Mas não podendo mais o homem voltar-se para Deus, o Senhor veio procurá-lo sobre a Terra. Santo Agostinho havia já expressado o mesmo pensamento: “Como não podíamos ir ao nosso celeste médico, ele dignou-se vir a nós”.

De diversos modos, diz São Leão, havia Deus beneficiado o homem. Jamais, porém, manifestou melhor o excesso de sua bondade para conosco do que enviando seu unigênito Filho para nos resgatar, ensinar o caminho da salvação e proporcionar a vida da graça. Então, assim se expressa o santo, “Ele saiu dos limites ordinários de sua ternura, quando, na pessoa de Jesus Cristo, a Misericórdia desceu aos pecadores, a Verdade se apresentou aos desviados, e a Vida veio em socorro dos que estavam mortos”.

Santo Tomás pergunta por que a Encarnação do Verbo se diz obra do Espírito Santo: Et incarnatus est de Spiritu Sancto. É certo que todas as obras de Deus chamadas pelos teólogos Opera ad extra, isto é, que têm por objeto as criaturas, pertencem às três pessoas divinas. Por que então a Encarnação é atribuída só ao Espírito Santo? A principal razão, alegada pelo Doutor Angélico, é que todas as obras do amor divino são atribuídas ao Espírito Santo, que é o amor substancial do Pai e do Filho; ora, a obra da Encarnação foi o puro efeito do amor imenso que Deus tem para com o homem. Isso quis significar o profeta dizendo que Deus viria ao lado do meio-dia, expressão que designa, segundo o Abade Ruperto, o grande amor de Deus para conosco. Também Santo Agostinho afirma que o Verbo Eterno veio ao mundo, principalmente para que o homem soubesse quanto Deus o ama. E, segundo São Lourenço Justiniano, “Jamais Deus fez resplandecer aos olhos dos homens a sua adorável caridade, como quando se fez homem”.

Porém o que mais faz conhecer o amor divino para com o gênero humano, é que o Filho de Deus veio buscá-lo, quando este dele fugia. É a isso que alude o Apóstolo quando diz referindo-se ao Verbo divino: Não tomou a natureza dos anjos, e sim a carne dos filhos de Abraão. A palavra apprehendit empregada aqui, observa São João Crisóstomo, significa que ele se apoderou do homem à maneira de quem persegue um fugitivo a quem deseja prender. Sim, Deus desceu do Céu como para prender o homem ingrato que dele fugia, como se lhe dissesse: “Homem, vê quanto te amo; desci do Céu à Terra expressamente para te buscar. Por que foges de mim? Pára, ama-me; não fujas mais de mim que tanto te amo”.

De Criador, criatura enquanto natureza humana, nascida de uma criatura

Deus veio pois procurar o homem perdido; e a fim de melhor lhe testemunhar o seu amor e movê-lo a amar enfim Aquele que tanto o tinha amado, o Senhor quis, ao manifestar-se-lhe pela primeira vez, aparecer sob a forma de uma tenra criancinha reclinada sobre a palha. “Felizes palhas, mais belas do que as rosas e os lírios!, exclama São Pedro Crisólogo; Que terra afortunada vos produziu? E que felicidade é a vossa por haverdes servido de leito ao Rei dos Céus! Ah!, continua o Santo, sois bem frias para Jesus, porque não podeis acalentá-lo na gruta úmida, onde Ele tirita de frio; mas sois para nós fogo e chama, pois que acendeis em nossos corações um incêndio de amor que todas as águas dos rios não poderiam apagar”.

Não bastou ao amor divino, diz Santo Agostinho, ter feito o homem à sua imagem, quando criou nosso primeiro pai Adão; quis fazer-se à nossa imagem para resgatar-nos. Adão comeu do fruto proibido por instigação da serpente, que dissera a Eva que lhe bastaria provar desse fruto para se tornar semelhante a Deus, quanto à ciência do bem e do mal. Eis por que o Senhor disse então: “Adão se fez como um de nós” (Gn 3,22). Deus falava assim por ironia, e para censurar a Adão a sua temeridade; “Mas nós, observa Ricardo de São Vítor, depois da Encarnação do Verbo, podemos dizer em verdade: Eis que Deus se fez como um de nós”. “Considera esse prodígio, ó homem”, exclama Santo Agostinho: “O teu Deus se fez teu irmão”, tornou-se semelhante a ti; fez-se filho de Adão como tu, revestiu-se da mesma carne, tornou-se passível e mortal como tu. Podia tomar a natureza angélica. Mas não, preferiu unir-se à tua própria carne, a fim de satisfazer à justiça divina com uma carne vinda de Adão pecador, embora isenta de seu pecado. E disso se gloriava chamando-se repetidas vezes o Filho do homem, e autorizando-nos assim a chamá-lo nosso verdadeiro irmão.


Observa São Bernardo: quanto mais esse Deus se humilhou fazendo-se homem por nós, tanto mais fez conhecer a grandeza de sua bondade.

Um Deus fazer-se homem é um abaixamento incomparavelmente maior do que se todos os príncipes da Terra e todos os anjos e todos os santos do Céu, sem excetuar a Mãe de Deus, se abaixassem ao ponto de não serem mais do que um fio de erva ou um pouco de fumo. Pois que a erva, o fumo, bem como os príncipes, os anjos e os santos são criaturas, enquanto que da criatura a Deus a distância é infinita. — Mas, observa São Bernardo, quanto mais esse Deus se humilhou fazendo-se homem por nós, tanto mais fez conhecer a grandeza de sua bondade. Também o Apóstolo exclama que o amor de Jesus Cristo para conosco é tal, que nos constrange e força extremamente a amá-Lo.

Ah! se a fé não nos desse a certeza, quem poderia jamais imaginar que por amor de um verme da terra, como é o homem, um Deus se fez verme da terra como o homem! Se acontecesse, diz um piedoso autor, que passando pela estrada pisásseis casualmente um verme e o matásseis, e que alguém, vendo-vos ter dele compaixão, vos dissesse: Se quereis restituir a vida a esse pobre verme, deveis primeiro tornar-vos como ele, e depois abrindo-vos as veias, banhá-lo em vosso sangue; — que responderíeis? — Que me importa, diríeis certamente, que o verme ressuscite ou fique morto, por que eu tenha de buscar a sua vida com a minha morte? Essa seria com mais razão a vossa resposta, se se tratasse não de um verme inocente, mas de um áspide ingrato que, depois de beneficiado por vós, vos tentasse tirar a vida. Mas se, não obstante isso, levásseis o amor ao ponto de sofrer a morte para restituir a vida a essa malvado réptil, que diriam os homens? E se esse animal salvo assim pela vossa morte tivesse raciocínio, que não faria por vós? Mas Jesus Cristo fez isso por ti, mísero verme da terra; e tu ingrato tentaste muitas vezes tirar-lhe a vida, e os teus pecados O teriam matado realmente, se Ele ainda estivesse sujeito à morte. Tens sido mais vil a respeito de Deus do que o verme a teu respeito! Que importava a Deus que ficasses ou não no pecado, presa da morte e da condenação segundo o teu mérito? E esse Deus teve tanto amor por ti que, para livrar-te da morte eterna, primeiro se fez verme como tu, e depois para salvar-te quis derramar todo o seu sangue e sofrer a morte que merecias.

Sim, tudo isso é de fé: O Verbo se fez carne, diz São João, e amou-nos a ponto de nos lavar em seu próprio sangue (Ap 1,5). A Santa Igreja, ao considerar a obra da Redenção, declara-se aterrada. E ela não faz senão repetir as palavras do profeta ao exclamar: Senhor, eu ouvi a tua palavra, e temi; tu saíste para a salvação do teu povo, para o salvar com o teu Cristo (Ha 3,2-13).

Santo Tomás tem, pois, razão de chamar o mistério da Encarnação o milagre dos milagres; milagre incompreensível, em que Deus mostra o poder de seu amor pelos homens; pois que, de Deus que é, esse amor O faz homem; de Criador, criatura nascida de uma criatura, diz São Pedro Damião; de soberano Senhor, simples servo; de imortal, sujeito às penas e à morte. É assim que, segundo a palavra da Santíssima Virgem, Ele fez brilhar o poder de seu braço. São Pedro de Alcântara, ao ouvir uma vez cantar o Evangelho que se reza na terceira missa de Natal: In principio erat Verbum etc., contemplando esse mistério ficou de tal modo inflamado de amor para com Deus que em êxtase se elevou nos ares e, embora distante, foi levado para diante do Santíssimo Sacramento. E Santo Agostinho dizia que não se saciava nunca em considerar a grandeza da bondade divina na obra da Redenção dos homens. É sem dúvida por causa da grande devoção a esse sublime mistério, que o Senhor mandou escrever sobre o coração de Santa Maria Madalena de Pazzi estas palavras: E o Verbo se fez carne.

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