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— Pensa que terás de nascer numa gruta, que será estábulo de animais; que depois terás de fugir para o Egito a fim de escapar das mãos desses mesmos homens que procurarão, desde a infância, tirar-te a vida. — Não importa, mandai-me... — Pensa que, voltando do Egito, terás de levar vida extremamente penosa e abjeta como auxiliar de um pobre artífice. — Não importa, mandai-me... — Pensa enfim que, quando apareceres em público para pregar tua doutrina e te manifestar ao mundo, terás sim discípulos, mas serão pouquíssimos; a maior parte dos homens te desprezará, te tratará de impostor, de mago, insensato, samaritano e não deixará de perseguir-te, enquanto não te fizer morrer nos mais ignominiosos tormentos e suspenso num patíbulo infame. — Não importa, mandai-me... Lavrado o decreto de que o Filho de Deus se faria homem para ser o Redentor do gênero humano, o arcanjo Gabriel foi enviado a Maria. A humilde Virgem consente em tornar-se a Mãe de Deus e o Verbo Eterno se faz carne. Eis pois Jesus no seio de Maria; e entrando no mundo, Ele diz com a mais profunda humildade e inteira obediência: — Meu Pai, já que os homens não podem aplacar vossa justiça por suas obras nem por seus sacrifícios, eis-me aqui, o vosso Filho unigênito, revestido da carne humana, e pronto a expiar as faltas humanas por meus sofrimentos e por minha morte. Assim o faz falar São Paulo: Entrando no mundo, diz: Não quiseste hóstia, nem oblação, mas me formaste um corpo... E eu disse: Eis-me que venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade (Hb 10,5). Assim, pois, por nós míseros vermes e para ganhar o nosso amor, é que Deus quis fazer-se homem. Sim, isso é de fé, como a Santa Igreja o proclama: “Por nossa causa e para nos salvar, Ele desceu do Céu..., diz ela, e se fez homem”. Sim, um Deus fez isso para nos obrigar a amá-lo. Encarnação do Verbo de Deus revela a divina bondadeQuando Alexandre Magno venceu a Dario e se apoderou da Pérsia, para cativar o afeto daqueles povos, se vestiu à moda deles. O nosso Deus empregou, de certo modo, o mesmo meio para cativar os corações dos homens: tomou a sua semelhança e mostrou-se ao mundo feito homem. Quis assim manifestar até aonde ia o seu amor a nós: O amor de Deus nosso Salvador apareceu a todos os homens (Tt 2,11). O homem não me ama, parece dizer o Senhor, porque não me vê; vou mostrar-me a ele e conversar com ele, e assim me fazer amar. Ele foi visto sobre a Terra, disse o profeta, e viveu familiarmente com os homens (Br 3,38). O amor de Deus pelo homem é imenso, e o foi desde a eternidade: Eu te amei com amor eterno, diz-nos Ele, e por misericórdia te tirei do nada (Jr 31,3). Mas esse amor não se manifestara em toda a sua incompreensível grandeza. Apareceu realmente quando o Filho de Deus se fez ver sob a forma de uma criança reclinada sobre palha num estábulo. Foi então que, como diz o Apóstolo, se manifestou a bondade, a ternura, ou, segundo o texto grego, o amor singular do nosso Deus Salvador aos homens (Tt 3,4). Deus já havia mostrado o seu poder criando o mundo, observa São Bernardo, e sua sabedoria governando-o. Na encarnação do Verbo, porém, manifestou a grandeza de sua misericórdia. Antes que Deus aparecesse sobre a Terra revestido da natureza humana, continua o mesmo Santo, os homens não podiam fazer-se uma justa idéia da bondade divina. Por isso Ele se encarnou a fim de descobrir aos homens toda a extensão de sua bondade.
E de que outro modo poderia o Senhor provar ao homem ingrato a sua bondade e amor? Desprezando a Deus, diz São Fulgêncio, o homem separara-se dele para sempre. Mas não podendo mais o homem voltar-se para Deus, o Senhor veio procurá-lo sobre a Terra. Santo Agostinho havia já expressado o mesmo pensamento: “Como não podíamos ir ao nosso celeste médico, ele dignou-se vir a nós”. De diversos modos, diz São Leão, havia Deus beneficiado o homem. Jamais, porém, manifestou melhor o excesso de sua bondade para conosco do que enviando seu unigênito Filho para nos resgatar, ensinar o caminho da salvação e proporcionar a vida da graça. Então, assim se expressa o santo, “Ele saiu dos limites ordinários de sua ternura, quando, na pessoa de Jesus Cristo, a Misericórdia desceu aos pecadores, a Verdade se apresentou aos desviados, e a Vida veio em socorro dos que estavam mortos”. Santo Tomás pergunta por que a Encarnação do Verbo se diz obra do Espírito Santo: Et incarnatus est de Spiritu Sancto. É certo que todas as obras de Deus chamadas pelos teólogos Opera ad extra, isto é, que têm por objeto as criaturas, pertencem às três pessoas divinas. Por que então a Encarnação é atribuída só ao Espírito Santo? A principal razão, alegada pelo Doutor Angélico, é que todas as obras do amor divino são atribuídas ao Espírito Santo, que é o amor substancial do Pai e do Filho; ora, a obra da Encarnação foi o puro efeito do amor imenso que Deus tem para com o homem. Isso quis significar o profeta dizendo que Deus viria ao lado do meio-dia, expressão que designa, segundo o Abade Ruperto, o grande amor de Deus para conosco. Também Santo Agostinho afirma que o Verbo Eterno veio ao mundo, principalmente para que o homem soubesse quanto Deus o ama. E, segundo São Lourenço Justiniano, “Jamais Deus fez resplandecer aos olhos dos homens a sua adorável caridade, como quando se fez homem”. Porém o que mais faz conhecer o amor divino para com o gênero humano, é que o Filho de Deus veio buscá-lo, quando este dele fugia. É a isso que alude o Apóstolo quando diz referindo-se ao Verbo divino: Não tomou a natureza dos anjos, e sim a carne dos filhos de Abraão. A palavra apprehendit empregada aqui, observa São João Crisóstomo, significa que ele se apoderou do homem à maneira de quem persegue um fugitivo a quem deseja prender. Sim, Deus desceu do Céu como para prender o homem ingrato que dele fugia, como se lhe dissesse: “Homem, vê quanto te amo; desci do Céu à Terra expressamente para te buscar. Por que foges de mim? Pára, ama-me; não fujas mais de mim que tanto te amo”. De Criador, criatura enquanto natureza humana, nascida de uma criaturaDeus veio pois procurar o homem perdido; e a fim de melhor lhe testemunhar o seu amor e movê-lo a amar enfim Aquele que tanto o tinha amado, o Senhor quis, ao manifestar-se-lhe pela primeira vez, aparecer sob a forma de uma tenra criancinha reclinada sobre a palha. “Felizes palhas, mais belas do que as rosas e os lírios!, exclama São Pedro Crisólogo; Que terra afortunada vos produziu? E que felicidade é a vossa por haverdes servido de leito ao Rei dos Céus! Ah!, continua o Santo, sois bem frias para Jesus, porque não podeis acalentá-lo na gruta úmida, onde Ele tirita de frio; mas sois para nós fogo e chama, pois que acendeis em nossos corações um incêndio de amor que todas as águas dos rios não poderiam apagar”. Não bastou ao amor divino, diz Santo Agostinho, ter feito o homem à sua imagem, quando criou nosso primeiro pai Adão; quis fazer-se à nossa imagem para resgatar-nos. Adão comeu do fruto proibido por instigação da serpente, que dissera a Eva que lhe bastaria provar desse fruto para se tornar semelhante a Deus, quanto à ciência do bem e do mal. Eis por que o Senhor disse então: “Adão se fez como um de nós” (Gn 3,22). Deus falava assim por ironia, e para censurar a Adão a sua temeridade; “Mas nós, observa Ricardo de São Vítor, depois da Encarnação do Verbo, podemos dizer em verdade: Eis que Deus se fez como um de nós”. “Considera esse prodígio, ó homem”, exclama Santo Agostinho: “O teu Deus se fez teu irmão”, tornou-se semelhante a ti; fez-se filho de Adão como tu, revestiu-se da mesma carne, tornou-se passível e mortal como tu. Podia tomar a natureza angélica. Mas não, preferiu unir-se à tua própria carne, a fim de satisfazer à justiça divina com uma carne vinda de Adão pecador, embora isenta de seu pecado. E disso se gloriava chamando-se repetidas vezes o Filho do homem, e autorizando-nos assim a chamá-lo nosso verdadeiro irmão.
Um Deus fazer-se homem é um abaixamento incomparavelmente maior do que se todos os príncipes da Terra e todos os anjos e todos os santos do Céu, sem excetuar a Mãe de Deus, se abaixassem ao ponto de não serem mais do que um fio de erva ou um pouco de fumo. Pois que a erva, o fumo, bem como os príncipes, os anjos e os santos são criaturas, enquanto que da criatura a Deus a distância é infinita. — Mas, observa São Bernardo, quanto mais esse Deus se humilhou fazendo-se homem por nós, tanto mais fez conhecer a grandeza de sua bondade. Também o Apóstolo exclama que o amor de Jesus Cristo para conosco é tal, que nos constrange e força extremamente a amá-Lo. Ah! se a fé não nos desse a certeza, quem poderia jamais imaginar que por amor de um verme da terra, como é o homem, um Deus se fez verme da terra como o homem! Se acontecesse, diz um piedoso autor, que passando pela estrada pisásseis casualmente um verme e o matásseis, e que alguém, vendo-vos ter dele compaixão, vos dissesse: Se quereis restituir a vida a esse pobre verme, deveis primeiro tornar-vos como ele, e depois abrindo-vos as veias, banhá-lo em vosso sangue; — que responderíeis? — Que me importa, diríeis certamente, que o verme ressuscite ou fique morto, por que eu tenha de buscar a sua vida com a minha morte? Essa seria com mais razão a vossa resposta, se se tratasse não de um verme inocente, mas de um áspide ingrato que, depois de beneficiado por vós, vos tentasse tirar a vida. Mas se, não obstante isso, levásseis o amor ao ponto de sofrer a morte para restituir a vida a essa malvado réptil, que diriam os homens? E se esse animal salvo assim pela vossa morte tivesse raciocínio, que não faria por vós? Mas Jesus Cristo fez isso por ti, mísero verme da terra; e tu ingrato tentaste muitas vezes tirar-lhe a vida, e os teus pecados O teriam matado realmente, se Ele ainda estivesse sujeito à morte. Tens sido mais vil a respeito de Deus do que o verme a teu respeito! Que importava a Deus que ficasses ou não no pecado, presa da morte e da condenação segundo o teu mérito? E esse Deus teve tanto amor por ti que, para livrar-te da morte eterna, primeiro se fez verme como tu, e depois para salvar-te quis derramar todo o seu sangue e sofrer a morte que merecias. Sim, tudo isso é de fé: O Verbo se fez carne, diz São João, e amou-nos a ponto de nos lavar em seu próprio sangue (Ap 1,5). A Santa Igreja, ao considerar a obra da Redenção, declara-se aterrada. E ela não faz senão repetir as palavras do profeta ao exclamar: Senhor, eu ouvi a tua palavra, e temi; tu saíste para a salvação do teu povo, para o salvar com o teu Cristo (Ha 3,2-13). Santo Tomás tem, pois, razão de chamar o mistério da Encarnação o milagre dos milagres; milagre incompreensível, em que Deus mostra o poder de seu amor pelos homens; pois que, de Deus que é, esse amor O faz homem; de Criador, criatura nascida de uma criatura, diz São Pedro Damião; de soberano Senhor, simples servo; de imortal, sujeito às penas e à morte. É assim que, segundo a palavra da Santíssima Virgem, Ele fez brilhar o poder de seu braço. São Pedro de Alcântara, ao ouvir uma vez cantar o Evangelho que se reza na terceira missa de Natal: In principio erat Verbum etc., contemplando esse mistério ficou de tal modo inflamado de amor para com Deus que em êxtase se elevou nos ares e, embora distante, foi levado para diante do Santíssimo Sacramento. E Santo Agostinho dizia que não se saciava nunca em considerar a grandeza da bondade divina na obra da Redenção dos homens. É sem dúvida por causa da grande devoção a esse sublime mistério, que o Senhor mandou escrever sobre o coração de Santa Maria Madalena de Pazzi estas palavras: E o Verbo se fez carne. Páginas: 1 2 Veja:
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