Cruzadas — Antecedentes históricos


30/01/2012

Ivan Rafael de Oliveira

Com o brado Deus o quer, teve início a gloriosa história das cruzadas. Convocadas pelo Papa Urbano II, este heróico movimento visava a reconquista dos Lugares Santos para a Cristandade.

“Recebei esta espada em nome do Padre, e do Filho e do Espírito Santo. Servi-vos dela para o triunfo da Fé; que jamais ela derrame o sangue inocente”, disse o sacerdote ao entregar a espada a um cavaleiro, depois de tê-la abençoado. Da mesma forma, benzeram-se os estandartes que acompanharam os cavaleiros na jornada que se estava preparando. E o padre concluía sua exortação com as palavras: “Ide combater pela glória de Deus, e que esse sinal vos faça triunfar de todos os perigos”.

Essas cerimônias, até então desconhecidas, realizaram-se em todas as paróquias da Europa naquele inverno do ano 1095. Nelas, imensa multidão de fiéis uniu-se às orações rogando a proteção divina em favor dos soldados de Jesus Cristo que partiam para a conquista de Jerusalém.¹

Peregrinações à Terra Santa


Papa Urbano II

Desde que Santa Helena, mãe do imperador romano Constantino, mandou construir uma igreja sobre o Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo, peregrinações contínuas chegavam a Jerusalém, provenientes de todo o mundo cristão, para venerar esse e todos os demais lugares santificados pela presença do Salvador.

Em meados do século XI, essas peregrinações tornaram-se sempre mais frequentes. Pelos caminhos, príncipes acompanhados de milhares de vassalos, bispos com grandes grupos de fiéis, pessoas de todas as classes sociais, nobres e plebeus, religiosos dirigiam-se ao Santo Sepulcro de Jerusalém. Alguns desejavam pagar promessas, outros por penitência e todos pela santificação.²

Jerusalém dominada pelos seljúcidas

Entretanto, essa prova de devotamento enfrentava riscos cada vez maiores. A Terra Santa, nessa época, estava sob o domínio dos maometanos seljúcidas, especialmente cruéis na perseguição que moviam aos cristãos.

Tão perigosas eram as estradas que conduziam a Jerusalém, que numerosos peregrinos perdiam tudo o que haviam levado, e outros a própria vida. Os que chegavam aos portões de Jerusalém eram barrados, e somente pagando uma moeda de ouro conseguiam autorização para entrar. Segundo testemunhas da época, milhares de peregrinos permaneciam amontoados diante da cidade santa, maltrapilhos e famintos, na expectativa de uma oportunidade para nela ingressar. A maioria desses infelizes morria ali mesmo. E os que conseguiam entrar estavam sujeito aos maiores perigos, pois amiúde massacres inesperados eram perpetrados contra os cristãos. Justamente nas ocasiões de culto, multidões furiosas de mulçumanos interrompiam as celebrações, subiam nos altares, conspurcavam os cálices sagrados; e depois arrastavam o sacerdote pelos cabelos ou pela barba através das ruas. A cada santuário visitado, os cristãos pagavam novas taxas e eram submetidos a outras humilhações. Especialmente na celebração do Santo Natal ocorriam as mais virulentas demonstrações de ódio contra os cristãos. Tudo isso acontecia sem a possibilidade de qualquer reação, a qual podia ser imediatamente punida com a morte.

A pregação de Pedro, o Eremita


Vestido com traje de monge e descalço, Pedro percorreu muitas comarcas da Cristandade. Por onde pregava, o efeito era surpreendente: os corações acendiam-se, os pecadores convertiam-se e propagava-se o entusiasmo pela causa de Deus.

Como afirmam muitos autores, a Europa do século XI era uma sociedade religiosa na qual a conservação da fé católica era o bem mais precioso a ser preservado. Explica-se, pois, a imensa comoção que se produzia quando os peregrinos, voltando para suas terras, narravam o que haviam presenciado em Jerusalém. Saber que o teatro onde se efetuara a Redenção da humanidade encontrava-se sob o julgo de tão cruéis inimigos, causava indignação na alma de todos.

O Papa Urbano II empenhou-se então na pregação de uma cruzada para libertar Jerusalém, obtendo grande ressonância na Cristandade.

Nesse clima de fervor, diante do Papa Urbano II apareceu um homem de exterior insignificante, porém dotado de grande força de vontade, espírito vivaz, olhar penetrante e eloquência inesgotável. Era Pedro, o eremita, que retornara da Terra Santa. Ele descreveu ao Pontífice tudo o que havia visto, tendo recebido autorização papal para pregar as cruzadas.

A oportunidade de uma Cruzada, esperada na Cristandade desde o pontificado do grande São Gregório VII, tornava-se então possível.

Vestido com traje de monge e descalço, Pedro percorreu muitas comarcas da Cristandade. Por onde pregava, o efeito era surpreendente: os corações acendiam-se, os pecadores convertiam-se e propagava-se o entusiasmo pela causa de Deus.

Urbano II convocou um Sínodo para março de 1095, o qual contou com a presença de 4.000 clérigos e 30.000 fiéis. O evento foi concluído com a seguinte proclamação: “Levantemos e rompamos as cadeias da Cristandade!”. Tal foi o entusiasmo do povo, que a partir dali o Papa se dirigiu à França, onde se realizaria um Concilio.

Concilio de Clermont-Ferrand

No dia 18 de novembro daquele mesmo ano de 1095, numa planície da cidade de Clermont-Ferrand, Urbano II encontrou-se com uma multidão de cavaleiros vindos de todas as partes da Europa. Em sua proclamação, ressaltou que, na Terra Santa, os templos tinham sido transformados em currais, os sacerdotes haviam sido assassinados e as donzelas violadas. Recordou-lhes a missão de um cavaleiro, exclamando: “Ó Francos, não sois habilidosos cavaleiros? Poderosos guerreiros ao serviço da palavra de Deus? Próximos a São Miguel na habilidade de expurgar o mal pela espada?”³

Ouviram-se, então, milhares de vozes, poderosas como o trovão, que bradaram em uníssono “Deus vult!" (Deus o quer!). Continuou o Papa: “Que essa palavra seja vosso grito de guerra em todos os perigos, e a Cruz vossa insígnia, que vos dê força e humildade!”. Prometeu indulgência a todos que se assinalassem com a cruz, e perdão dos pecados a todos os que morressem em batalha. Por isso, os que iriam seguir para a luta costuraram uma cruz em suas vestes como símbolo da vontade de Deus, surgindo então a denominação de “Cruzados”, atribuída aos soldados que participariam da “Cruzada”. A partida foi marcada para a festa da Assunção do ano seguinte.

Incalculável foi o efeito desse discurso, o qual, conforme se propagava, expandia o número dos que tomavam a cruz. Com o fim de preparar-se para a saída, muitos vendiam tudo o que possuíam, outros simplesmente abandonavam tudo. O brado de “Deus Vult!” ecoou por toda a Europa.

Enquanto a nobreza se armava durante o inverno, com calma e circunspecção, um movimento precipitado agitou as povoações rurais. Grande número de camponeses, sob influência de Pedro, o eremita, partiu antes da data marcada. Estes, sem organização e disciplina, nada puderam contra os muçulmanos.

Nobres de toda Europa


Dentre os muitos nobres que partiram com seus exércitos, destacaram-se Godofredo de Bouillon, duque da baixa Lorena, com seus irmãos Balduíno e Eustáquio, comandando aproximadamente 80.000 guerreiros do norte da França.

Dentre os muitos nobres que partiram com seus exércitos, destacaram-se Godofredo de Bouillon, duque da baixa Lorena, com seus irmãos Balduíno e Eustáquio, comandando aproximadamente 80.000 guerreiros do norte da França; Roberto de Friso, conde de Flandres, liderando seus soldados da Normandia; Raimundo, Conde de Toulouse, que reuniu sob seu estandarte os habitantes da Provence, Aquitânia e do Languedoc. Entre os normandos da Itália, levantaram-se Boemundo, príncipe de Tarento, e seu primo Tancredo, com seus exércitos. E todos sob o comando espiritual do legado do Papa e bispo de Le Puy, Ademar de Monteuil, que com suas exortações e conselhos contribuiu muito para manter a ordem e a disciplina.

Iniciando a marcha, passaram os franceses por Roma, recebendo então a bênção apostólica do Sumo Pontífice. Prosseguiram depois para Constantinopla, que era o ponto combinado para o encontro de todos os exércitos.

A passagem dos cruzados pela capital do Império Romano do Oriente foi entremeada de intrigas por parte do imperador Alexis I Comneno. Este, embora desejasse ajuda para combater os muçulmanos, temia perder o trono para os cruzados. Só depois de conseguir uma submissão formal dos comandantes cruzados a si, é que permitiu aos guerreiros seguirem em frente.

Nicéia: a primeira vitória

Entrando finalmente na Ásia Menor, os cruzados dirigiram-se a Nicéia. Esta cidade, famosa por ter sediado dois concílios da Igreja, encontrava-se então subjugada pelos inimigos.

Nicéia estava muito bem protegida pelo exército do sultão Kilidj-Arslan, que contava com milhares de combatentes a seu serviço. O sultão, para animar a resistência e inspirar confiança, deixou na cidade sua família e seus tesouros.

No dia 15 de maio de 1097, começou o sítio à cidade. Durante todo o cerco, os cristãos fizeram diversas investidas nas quais praticaram muitos atos de heroísmo. Os chefes davam constantemente exemplos de zelo, os soldados observavam a disciplina e os religiosos percorriam suas fileiras lembrando as máximas da moral católica.

Quando o sultão e seus cavaleiros atacaram os cruzados, enfrentando-se os dois exércitos com fúria, os cristãos saíram vencedores. Após sete semanas de terríveis combates, os defensores da cidade perderam a confiança. Os cruzados estavam prestes a conquistar a cidade, quando um dos generais de Alexis I, vendo uma oportunidade para se apoderar dela em nome do imperador bizantino, entrou em Nicéia como emissário dos atacantes e conseguiu sua rendição. Em comemoração da vitória, o imperador ordenou distribuição de presentes aos cruzados.4

Foi essa a primeira vitória dos soldados de Cristo — apenas a primeira, de muitas que teriam de vencer antes de chegar a Jerusalém.

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Notas:
1. Cfr. Michaud, História das Cruzadas, Joseph-Fraçois, Vol. 1, p. 105, Editora das Américas, S. Paulo, 1956.
2. Cfr. Historia Universal, Juan Baptiste Weiss, Vol. V, p. 461. Editora Tipografia La Educación, Tradução da 5ª edição alemã, Barcelona, 1927.
3. http://ascruzadas.blogspot.com/2008/06/sermo-do-beato-urbano-ii-covocando.html
4. http://ascruzadas.blogspot.com/2011/04/vitoria-de-niceia-gesta-dei-per-francos.html

Veja:
Revista Catolicismo

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