Trabalho Escravo Nova arma contra propriedade privada
17/02/2005
Nelson Ramos Barretto
Tramitação
apressada e
sensacionalista
Todos
se queixam do custo-Brasil, todos se
queixam da morosidade de nossa Justiça, todos sabem que o País se encontra
praticamente imobilizado pelo cipoal de leis impensadas, além de agravadas por
uma Constituição que se diz cidadã, mas angustia governantes e governados.
Precisamos de clareza de linguagem, de termos que definam as situações, e não
que as embaralhem e confundam, pois os demagogos e oportunistas preferem pescar
sempre em águas turvas.
Infelizmente,
não foge a essa prática
viciosa a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº 438. Recordemos
que ela só foi incluída na pauta da convocação extraordinária do Congresso em
fevereiro de 2004, após o assassinato de três fiscais do trabalho e de um
motorista em Unaí (MG). Fato seguido de grande zoeira publicitária, própria a
açular emoções e criar um clima sensacionalista, e assim pressionar a aprovação
de qualquer projeto sobre o assunto, sem analisar as suas conseqüências.
No
meio do recesso parlamentar, a PEC foi
incluída na pauta da convocação extraordinária do Congresso, e na mesma semana
a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a sua
admissibilidade, sem nenhum debate sobre as suas várias inconstitucionalidades.
Acresce que, no mesmo dia, o presidente da Câmara instalou comissão especial
com o prazo de 40 sessões para votar a matéria antes de seguir para o Plenário.
Surgiram
algumas reações clarividentes. Em
contundente discurso, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) advertiu: “Não
vamos resolver os problemas do campo e do desemprego ameaçando produtores e
fazendeiros com o confisco de terras no caso das muitas e controversas versões
de ‘trabalho escravo’”. No mesmo sentido pronunciou-se o deputado Lael
Varella (PFL-MG): “Um novo golpe contra a propriedade privada paira sobre
nossas cabeças, e acontecerá através de uma reforma à Constituição com a
utilização de expressão ambígua: ‘trabalho escravo’”.
Mas
a maioria não quis discutir argumentos
tão cogentes. Tudo parecia previamente decidido.
Indefinição
ou generalização inaceitável
O representante da
Confederação dos Trabalhadores na Agricultura, (3º da esquerda para a
direita) Ivaneck Alves, esbravejou contra os produtores rurais: "Quem é escravocrata
tem que ser tratado como tal"
|
A
fim de mostrar como se pode manipular um
vocábulo e colocá-lo a serviço de uma bandeira, analisemos um exemplo. O uso
do
termo improdutivo é aplicado à propriedade rural que não atinge os altos
índices de produtividade impostos pelo Incra. O comum das pessoas, no entanto,
ao ouvir falar em terra improdutiva, imagina tratar-se de terra que nada
produz. Ledo engano. Ela pode até estar produzindo muito bem, mas como não
alcança os índices arbitrados pelo Incra, passa à categoria de improdutiva.
Isto constitui propriamente uma pirueta verbal, visando tornar mais aceitável,
pelo público não-especializado, a desapropriação de terra de um legítimo
proprietário.
Ocorre o mesmo com trabalho escravo.
A expressão vem acompanhada de forte carga emocional. Não haverá nela também
uma pirueta para confundir as mentes desavisadas? Aplica-se aqui o refrão do
Direito Penal: A quem aproveita [tal pirueta]?
Para
o Ministério Público do Trabalho, “considerar-se-á
trabalho escravo ou forçado toda a modalidade de exploração do trabalhador em
que este esteja impedido, moral, psicológica e/ou fisicamente, de abandonar o
serviço, no momento e pelas razões que entender apropriadas, a despeito de
haver inicialmente ajustado livremente a prestação dos serviços”.(17)
Para
a OIT, a definição incide apenas sobre
a expressão trabalho forçado: “Para fins desta Convenção, a expressão
‘trabalho forçado ou obrigatório’ compreenderá todo o trabalho ou serviço
exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha
oferecido espontaneamente”.(18)
A
questão trabalhista prejudicando a produção
O
colunista Ari Cunha, do “Correio
Braziliense”, levanta a questão trabalhista: “Só em Unaí há pelo menos 20
mil ‘bóias-frias’, que são deslocados para as fazendas, conforme o trabalho que
vá surgindo. Fica difícil para o fazendeiro, com estrutura precária, registrar
em carteira de trabalho esse povo pelo espaço de um ou dois dias. Ninguém quer
assumir a mudança, mas deve haver outro meio de controle em benefício dos
trabalhadores, malfalados e sem assistência previdenciária.
Conversando
com fazendeiros, senti que
reclamam das exigências do governo e da petulância dos funcionários
fiscalizadores. É preciso mudar a legislação. Isso poderá ser feito de vários
modos, mas os ‘gatos’ não devem ficar de fora. Eles são os precursores das
mudanças e poderão criar pequenas empresas para registrar os trabalhadores nômades,
que o governo não quer aceitar, mas são a realidade plausível. As cooperativas
poderiam ser alternativa secundária, mas o que precisa mesmo é alterar a
legislação”.(19)
É mais um depoimento apontando a
necessidade de uma reforma nas leis trabalhistas, que venha atender às
múltiplas atividades econômicas, sobretudo às do campo, com suas
peculiaridades. Leis que facilitem a geração de empregos e a legalização de
milhões de trabalhadores informais.
Caso
a PEC venha a ser aprovada, o Brasil
inteiro perderá com mais este golpe desferido contra a propriedade, e ganhará
mais uma fonte de conflitos no meio rural. A CPT e o MST não desejam outra
coisa!
Reforma
Agrária: autêntica escravidão ao Estado
Além da injustiça contra os proprietários
rurais, a solução da PEC para os supostos trabalhadores escravos não
poderia ser pior: assentamentos de Reforma Agrária. Conforme pude constatar e
publicar no livro Reforma
Agrária: o mito e a realidade,(20) os assentamentos são verdadeiras favelas rurais. Com
exceção dos oportunistas, que se utilizam das verbas do Incra e da venda dos
lotes para fazer negócio, os outros só conseguem transferir a miséria da cidade
para o campo. Como disse acertadamente o professor Aércio Cunha, é uma
verdadeira crueldade, e também uma discriminação contra a agricultura, colocar
esses pobres trabalhadores ou desempregados nos assentamentos.
A
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rosana e assentada
na Gleba XV, Pontal do Paranapanema (SP), Raquel
Malanzuch, expõe a dramática situação de prisioneiros em que se encontram: “O
desejo dos assentados é serem libertados, poderem entrar no banco, fazerem um
financiamento, sentirem-se responsáveis pelo que fazem. Para que isso se
realize, precisamos do título definitivo dessas terras. Infelizmente ninguém
ainda tem. Estamos sendo encabrestados pelo DAF (Departamento de Assuntos
Fundiários). Só podemos fazer o que eles querem”.
Na
Bahia, encontramos um antigo invasor de
terra, Maurício Alves de Miranda, 45 anos, ex-vereador e Secretário da
Agricultura do município de Ponto Novo. Falava revoltado contra o regime de
escravidão nos assentamentos: “No meu conceito, Reforma Agrária é para
melhorar o padrão de vida do homem do campo, dar a ele condição de
sobrevivência, e não de escravidão! Você vive submisso às regras da Reforma
Agrária! Vim de Itabuna para cá junto com o projeto de Reforma Agrária, desde
82, como invasor. Eu estou há dez anos numa área de assentamento, não tenho um
título, não tenho um documento qualquer que prove, que eu possa ir a um banco
tentar desenvolver um projeto individual para mim. O Incra não cumpriu isso com
todos os parceleiros deste projeto”.
Ante
denúncia tão séria, caberia ao
Ministério do Trabalho fazer uma investigação dentro dos assentamentos de
Reforma Agrária. E também uma revisão da legislação agrária que permite, nesse
caso sim, um estado de escravidão.
Uma
armadilha contra o agronegócio
Uma cilada está montada
contra o agronegócio. os primeiros atingidos serão os proprietários. Depois
virão os trabalhadores, com a diminuição dos empregos. E, por fim, a toda a
população, com a dimunuição da oferta de alimentos e consequente aumento de
seus preços. |
“Comerás o pão
com o suor do teu rosto”, diz a Sagrada Escritura. A conquista do pão, por mais
penosa que seja, tem a sua dignidade e compõe a existência da maior parte dos
homens. O trabalho penoso e precário não se confunde com o TE. E nem as
condições do trabalho rural com as do trabalho urbano. O verdadeiro problema
está na legislação trabalhista e na interpretação equivocada que dela se faz,
quando aplicada aos trabalhos no campo. Utilizam-se normas urbanas para as
condições rurais, e não há interesse real em corrigir tal distorção nem em
qualificar melhor o trabalhador.
O
trabalhador sem carteira assinada realiza, na cidade, trabalho informal.
No campo, a denominação passou a ser trabalhador
escravo. Os barracos e cortiços, na cidade, são favelas. As choupanas, no
campo, são agora senzalas. A falta de água encanada e de saneamento básico, nas
favelas, é desleixo do Estado. A água abundante e tranqüila do riacho, no
campo, virou sinal de escravidão.
Diante
desse quadro, não podemos deixar de
fazer algumas perguntas: Por que tanta insistência no TE? Por que vinculá-lo ao
agronegócio? Por que a expropriação sem indenização? Não será uma temeridade
colocar em nossa Constituição um instrumento draconiano da expropriação para um
crime indefinido e sujeito a generalizações?
A
Constituição não deveria proteger os
cidadãos da onipotência do Estado? Um Estado todo-poderoso, que impõe cerca de
40% de tributos aos seus cidadãos, não está reduzindo os brasileiros à condição
de escravos? Pois isso significa trabalhar quase metade do tempo para o Estado.
E certamente é esta, aliás, uma das razões que impedem muitos patrões de
legalizar inteiramente seus funcionários. A se falar em senzalas, haveria uma
escravidão anterior e mais alta (imposta pelo Estado) que acabaria sendo
culpada da posterior e mais baixa.
Toda
essa zoeira publicitária é articulada
para se criar uma falsa solução para um problema inexistente. Uma cilada está
montada contra o agronegócio. Os primeiros atingidos serão os proprietários,
com a expropriação pura e simples de suas terras. Depois virão os
trabalhadores, com a diminuição dos empregos. E, por fim, a população, com a
diminuição da oferta de alimentos e conseqüente aumento de seus preços.
Figuremos
a cena: instala-se o terror contra o produtor rural tachado de escravocrata;
os fiscais, com o aparato de guerra
da Polícia Federal, intimidam empregados e empregadores; a mídia se encarrega
do estrondo publicitário; a CPT, o MST e ONGs fazem manifestações espontâneas; se
o juiz negar a expropriação, será tachado igualmente de escravocrata
e amigo dos poderosos.
Alguém poderá dizer que estamos exagerando.
Mas essa já não é a realidade brasileira? Não é a isso que assistimos com as
invasões de propriedade, crimes de esbulho rotulados de ocupações promovidas
por legítimos movimentos sociais? Se na Câmara os deputados sentem-se
intimidados em votar contra a PEC, para não serem tachados de amigos dos escravocratas, não é difícil supor que o mesmo ocorrerá com os juízes.
Constituirá um desastre legal e social para o
Brasil a aprovação desse Projeto de Emenda Constitucional. A discussão e a
eventual aprovação de tal projeto não pode dar-se numa Câmara desligada do
sentir da Nação, e é salutar que ela encontre uma oposição lúcida e firme da
parte dos brasileiros. Conjugando o esforço bem orientado e decidido das
lideranças nacionais, tudo ainda se poderá esperar. Unamo-nos, portanto, dentro
da legalidade, com o objetivo de afastar do Brasil mais esta ameaça.
Que
Nossa Senhora Aparecida, Rainha e
Padroeira do Brasil, proteja a Nação e nos oriente na luta contra essa
injustiça, evitando um desastre para nossa Pátria.
____________
Notas:
1. O livro faz parte da coleção Em defesa do Agronegócio. O primeiro trabalho publicado, Pastoral da Terra e MST incendeiam
o País, é de autoria do advogado Gregorio Vivanco Lopes (Editora Cruz de
Cristo, SP, 2004).
2. “Folha de S. Paulo”, 21-07-04.
3. “O Estado de S. Paulo”, 14-06-04
4. Cfr. “Correio Braziliense”, 1-02-04.
5. “Correio Braziliense”, 19-09-03.
6. “Correio Braziliense”, 14-12-03.
7. “Folha de S. Paulo”, 18-07-04.
8. “Folha de S. Paulo”, 18-07-04.
9. Hélio de Souza Rodrigues Júnior, Nome aos bois, in “Revista
Consultor Jurídico”, 14-4-04.
10. “Agência Carta Maior”, 19-06-04.
11. “Correio Braziliense”, 18-07-04.
12. Outros tentáculos do polvo que ameaça o agronegócio são, por
exemplo, as invasões do MST, uma legislação ambiental absurda, as pressões
descabidas da CPT e congêneres, a demarcação indiscriminada de reservas
indígenas.
13. Plinio Corrêa de Oliveira e outros, Reforma Agrária — Questão
de Consciência, Editora Vera Cruz, SP, 1962, pp. 95-96.
14. São Pio X, Motu Proprio sobre a Ação Católica, 18-12-1903 –
Editora Vozes, Petrópolis, p. 22.
15. A diferença entre o valor daquilo que o trabalhador produz e o
que ele recebe é a plus valia (mais-valia), que vai para as mãos do
capitalista. É o lucro, segundo a doutrina marxista (http://www.dji.com.br/dicionario/materialismo_historico.htm).
16. Catecismo da Igreja Católica, P.28.21.1 (http://catecismo-az.tripod.com/conteudo/a-z/p/pecado.html).
17. Rodolfo Tavares, audiência pública, 24-3.
18. Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho –
OIT, art. 2°.
19. “Correio Braziliense”, 12-02-04.
20. Artpress, SP, 2003. Livro que é fruto de ampla pesquisa de
campo que fiz juntamente com Paulo Henrique Chaves, percorrendo assentamentos
de Reforma Agrária de norte a sul do Brasil.
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Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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