Um abismo atrai outros abismos
Investida para ampliação dos casos de aborto no Brasil


14/04/2005

Padre Davi Francisquini

Está em curso uma verdadeira conspiração mundial contra o nascituro, utilizando táticas e argumentos de sentido radicalmente contrário à doutrina católica. No Brasil, articula-se mais uma ofensiva para ampliar os casos de aborto permitido por lei.

Nova campanha para descriminalizar o aborto no Brasil. Faz parte da tática utilizada pelos promotores do aborto em nível mundial, caracterizada, entre outras coisas, por ofensivas midiático-legislativas sucessivas e periódicas, seguidas de interstícios de aparente silêncio e esquecimento.

Nos períodos de aparente calmaria, a terrível realidade do aborto, existente em muitos ambientes, é apenas entrevista pela maioria. Mas pode ser vista ou percebida com clareza suficiente para deixar as consciências pesadas ante a indiferença mais ou menos cúmplice da sociedade. Ao mesmo tempo, o lusco-fusco que a encobre basta para cada um tentar “lavar as mãos”, recusando assumir responsabilidades por crimes cometidos no seu ambiente, mas sem a sua participação nem aprovação direta.

De modo processivo, cada ofensiva abortista encontra menos resistência na opinião pública, porque a consciência moral se vai entorpecendo pelo convívio quotidiano com essa prática. Quase ninguém lhe atribui hoje o qualificativo de “criminosa”, pelo temor de enfrentar os “dogmas” e slogans de uma minoria ativa e agressiva, dotada de apoio decidido — às vezes velado — dos meios de comunicação.

O que na prática se pretende é ampliar os casos em que a lei não penaliza o aborto (ou mesmo passe a aprová-lo diretamente), limitados atualmente, na legislação brasileira, ao estupro e à gravidez que ponha em risco a vida da mãe. Hoje em dia, esta última razão não é válida, pois, graças aos avanços da medicina, são praticamente inexistentes os casos de gravidez que ponha em risco de vida a mãe. Quanto aos casos de violação, o acompanhamento clínico das mulheres nessa situação mostra que sofrem trauma psicológico muito maior quando abortam, porque vivem essa experiência como uma “segunda violação”.

As leis que legitimam a eliminação direta de seres humanos inocentes, por meio do aborto e da eutanásia, estão em contradição total e inconciliável com o direito inviolável à vida”.


(S.S. João Paulo II, Carta Encíclica Evangelium Vitae, 1995, nº 72)

Intensa e poderosa ofensiva abortista em andamento

Neste momento o Brasil sofre uma ofensiva cuidadosamente orquestrada pelos promotores do aborto, na qual acontecimentos altamente midiatizados se sucedem. Vamos os fatos:

“A ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, defendeu ontem a polêmica proposta de revisão da legislação sobre o aborto. [...] A proposta de revisão [...] é um dos pontos do Plano Nacional de Política para as Mulheres, lançado anteontem pelo Governo. [...] De acordo com a ministra, a partir de janeiro uma comissão formada por Governo, Congresso e sociedade civil irá se reunir para fazer a revisão dos instrumentos legais existentes sobre o assunto. Só depois de terminado o trabalho do grupo é que serão encaminhadas propostas de mudanças ao Congresso. [...] Um dos temas que certamente serão discutidos pelo grupo de trabalho é o aborto nos casos de anencefalia do feto”.(1) O objetivo é, segundo a ministra, descriminalizar o aborto, para poder assim prestar assistência às mulheres que sofrem complicações pós-aborto.

Na sua declaração, a ministra cuidou de destacar o “carro-chefe” da atual ofensiva abortista: os casos de anencefalia, diagnosticados durante a gravidez por técnicas de ultrassom. Recorrer à anencefalia como motivo para legalizar o aborto é evidentemente absurdo, por várias razões que analisaremos neste texto.

A propósito desse tema, convém ressaltar desde já um importante aspecto. Sendo o diagnóstico de anencefalia muito tardio, aproximadamente de 18 semanas, o aborto é realizado em fase tardia, o que exige formas de prática abortiva especialmente cruéis, tais como o denominado “aborto por nascimento parcial” (quando provocado durante o trabalho de parto, sendo perfurado o crânio, arrancados os ossos, e então terminado o “parto”); ou o “D&E” (dilatação e extração, no qual o feto é despedaçado no próprio ventre materno, e dali arrancado aos pedaços).

Manipulação sensasionalista para facilitar o aborto


Na Argentina, feministas realizam passeata exigindo a liberalização do aborto e de anticoncepcionais gratuitos

A imprensa havia colocado na ribalta a descriminalização do aborto por anencefalia algumas semanas antes, com base numa liminar juridicamente heterodoxa do ministro Marco Aurélio Mello, emitida no dia 1º de julho de 2004, liberando o aborto nesses casos.

Aderindo sofregamente à ofensiva geral, o Poder Legislativo também entrou em ação: “No Senado, há projeto de lei no mesmo sentido da decisão liminar de Marco Aurélio, tramitando na Comissão de Constituição e Justiça. O Senador Duciomar Costa (PTB-PA) apresentou um projeto alterando o Código Penal para incluir a possibilidade de aborto no caso de feto sem cérebro”.(2)

Também a OAB se manifestou: “A OAB decidiu ontem, por maioria dos votos de seus conselheiros, que a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia do feto, isto é, ausência de cérebro, não deve ser considerada aborto. Nem, portanto, crime”.(3) Convém aduzir mais uma tomada de posição pró-aborto: “O conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) aprovou resolução em favor do direito da mulher a fazer aborto de feto sem cérebro. A resolução [...] será comunicada ao Supremo Tribunal Federal (STF), no qual a questão está sendo objeto de deliberação. O Conselho tem poder apenas consultivo junto à Presidência da República, mas suas resoluções são bastante consideradas em julgamentos por expressarem o ponto de vista dos principais organismos do governo e da sociedade civil ligados aos direitos humanos”.(4)

O ministro do STF Marco Aurélio Mello convocou uma audiência pública para ouvir diversas entidades da sociedade sobre a permissão para grávidas abortarem fetos anencefálicos, que não têm cérebro e chances de sobrevivência. Apesar de previsto no regimento, será a primeira vez que o STF utiliza esse instrumento antes de julgar uma ação.(5) Nesse debate, o ministro foi desautorizado pela maioria dos seus colegas: “Depois de quatro horas de discussão, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) cassou por 7 votos a 4 uma liminar concedida em julho pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello que garantia a interrupção das gestações”.(6)

Infelizmente, trata-se apenas da cassação de uma liminar. O STF deve ainda pronunciar-se: “A derrubada da liminar não significa necessariamente a proibição definitiva da interrupção das gestações de fetos com essa anomalia. O STF poderá julgar o mérito da ação em breve. Nos próximos dias, o tribunal voltará a analisar o caso sob o ponto de vista técnico”. O plenário terá de decidir se a autora da ação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), acertou ao usar uma argüição de descumprimento de preceito fundamental (adpf) para pedir o reconhecimento do direito ao aborto. Se o STF concluir que a CNTS errou, o assunto estará liquidado. Se o tribunal reconhecer a validade da ação, o mérito será julgado. Segundo os observadores, muito provavelmente o resultado será a confirmação da liminar, e então o caminho estará aberto para a comissão parlamentar que estuda um novo projeto de lei liberalizando ainda mais a prática do aborto no Brasil.

Os fatos caminham mais rapidamente que as idéias

Toda essa enorme pressão exercida a fim de obter uma legislação pró-aborto em nosso País poderia ser vista equivocadamente. Pensam alguns que, para um católico, não tem importância ser aprovada tal legislação, tratando-se de um país majoritariamente católico. Porque, segundo argumentam, a lei não tem possibilidade de violar a consciência de ninguém, posto que ela não pode obrigar a praticar o aborto quem não o deseja.

Mas o ensinamento da Igreja observa com sabedoria que “em muitos países os poderes públicos que resistem a uma liberalização das leis sobre o aborto são objeto de fortes pressões para induzi-los a isto. Tal liberalização, diz-se, não violaria a consciência de ninguém e impediria a todos impor a própria aos demais. O pluralismo ético é reivindicado como a conseqüência normal do pluralismo ideológico. Entretanto, é muito diferente um do outro, já que a ação atinge os interesses alheios mais rapidamente que a simples opinião; além do que não se pode invocar jamais a liberdade de opinião para atentar contra os direitos dos demais, muito especialmente contra o direito à vida”.(7)

Em outros termos, defender a opinião de que abortar é um direito é coisa muito diversa do fato de o aborto ser legalmente permitido e praticado no País em nome de um falso direito da mulher. Uma lei que declare legal o aborto, e que disponha a aplicação de fundos para que os hospitais passem a praticar essa nefanda ação de modo rotineiro, não só corrompe a moral como acaba deformando a alma do povo.

Aborto forçado, infanticídio, eutanásia

Assim, a legalização do aborto é uma rampa inclinada, que terminará em legalização da eutanásia, passando pelo aborto forçado e o infanticídio. Na China comunista, por exemplo, o plano de controle da natalidade impõe o aborto àquelas que excedem o máximo de “um filho por mulher”. Tal lei trouxe ainda, como conseqüência, enorme aumento do infanticídio, pois os casais geralmente desejam ter pelo menos um filho homem, e quando nasce uma menina, matam-na. E com a disponibilidade do diagnóstico pré-natal, este constitui uma sentença de morte para as meninas no seio materno.

A eutanásia, que se pratica cada vez mais abertamente em países como a França, já é legalizada em outros como a Holanda.

Pressões: ampliar opinião de que aborto é um “direito”

De acordo com os cálculos estatísticos, praticam-se 46 milhões de abortos por ano em todo o mundo, a metade dos quais ilegais. Em 1998, o Brasil foi declarado pela OMS o país com maior número de abortos no mundo ocidental, calculados em 2,3 milhões.(8) Em período equivalente, isto significa mais que as vítimas de todas as guerras do século XX juntas; mais que todos os mortos em catástrofes naturais; mais que as vítimas do terror stalinista; mais que o genocídio de três milhões no Camboja, praticado pelos comunistas.

Aborto na atualidade, em escala mundial

46 milhões de abortos por ano, sendo metade ilegais

126 mil abortos por dia

Permitido em 54 países, que representam 61% da população mundial

Proibido em 97 países

No Brasil: 2,3 milhões por ano

_____________

Nos EUA:

1.370.000 abortos por ano

Só 16% da população favorável ao aborto sem nenhuma limitação legal

55% da população favorável ao aborto em casos de estupro e de grave risco para a vida da mãe.

Fonte: Nikki Katz Abortion Statistics –– World – US – Demografhics –– Reasons

Como é possível que o mundo moderno tenha chegado a esse ponto? Uma catástrofe de tais proporções não pode ser vista apenas como um incontável número de pecados individuais contra a vida humana, cometidos isoladamente por mães desnaturadas. Trata-se de um pecado social, ao qual adere parte considerável da humanidade.

Qual o grau dessa adesão? Qual o grau de pressão irresistível exercida por circunstâncias criadas artificialmente?


Santa Gianna Beretta Molla preferiu morrer a abortar. Ela optou pela própria morte evitando assassinar a filha em seu seio

A maioria tem natural horror ao aborto; e as mulheres sentem repugnância ante a perspectiva de praticá-lo, mas se vêem muitas vezes forçadas a isso pelo ambiente que as cerca. É fato constatado que a maioria das mulheres que abortam tomam essa decisão pressionadas por parentes, médicos e outras pessoas do próprio meio. Cada semana, milhares de meninas ou mulheres enfrentam ameaças e violência de pessoas que querem obrigá-las a abortar, sem tomar em consideração seus próprios sentimentos. Tudo isso, no entanto, pode significar apenas uma atenuante para sua decisão, pois não suprime a gravidade moral do ato. Temos o exemplo de Gianna Beretta Molla, recentemente canonizada por ter resistido às pressões para abortar, inclusive preferindo morrer a matar sua filha em seu seio.

Para ilustrar essa pressão exercida nos EUA, reproduzimos abaixo significativo tópico de obra norte-americana que trata do assunto: “A uma mulher sem-teto foi negado abrigo até que ela se submetesse a um aborto indesejado; uma adolescente foi ridicularizada por um conselheiro escolar e colocada num ônibus com destino a uma clínica de aborto; uma filha foi introduzida numa clínica de aborto pela mãe, que lhe apontava o revólver; uma jovem recebeu do namorado uma injeção de substância abortífera; uma jovem de 13 anos foi reconduzida ao seu estuprador, depois de realizar o aborto; três irmãs foram violentadas seguidamente pelo pai, durante uma década, e forçadas a abortar; uma garçonete foi despedida depois de recusar-se a abortar. Estes casos são apenas uma amostragem dos inúmeros casos em que as mulheres só tiveram como opção o aborto, dentre os pavorosos relatos de abuso, violência e manipulação narrados no relatório especial”.

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Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

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