“Supermercado de religiões”


13/06/2005

Juan Gonzalo Larrain Campbell

Certa pregação, que defende uma igualdade entre todas as religiões, desnorteia muitos fiéis católicos. Isso tem favorecido o crescimento das seitas protestantes, perigo este já denunciado por Plinio Corrêa de Oliveira.

Em seu livro Revolução e Contra-Revolução (1959), que mereceu numerosos elogios de altas personalidades eclesiásticas e temporais, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira descreve e analisa o processo revolucionário que há cinco séculos vem destruindo a Cristandade. E ensina: “Duas noções, concebidas como valores metafísicos, exprimem bem o espírito da Revolução: igualdade absoluta, liberdade completa”.(1)


Plinio Corrêa de Oliveira

Depois de mostrar que o orgulho é a paixão que melhor serve ao igualitarismo, o autor assinala vários aspectos desse igualitarismo radical e metafísico. Entre eles o seguinte:

“Igualdade entre as diversas religiões: todas as discriminações religiosas são antipáticas porque ofendem a fundamental igualdade entre os homens. Por isto, as diversas religiões devem ter tratamento rigorosamente igual. O pretender-se uma religião verdadeira com exclusão das outras é afirmar uma superioridade, é contrário à mansidão evangélica, e impolítico, pois lhe fecha o acesso aos corações”.(2)

O verdadeiro e o falso ecumenismo

Se existe algum termo do qual se tenha abusado nos meios católicos, é “ecumenismo”. Sua difusão é hoje tão generalizada, que não nos deteremos em documentá-la com pormenores.

Ecumênico é tradicionalmente sinônimo de universal. Daí, por exemplo, denominar-se Concílios Ecumênicos os concílios que, presididos pelo Papa, se fazem com todos os bispos católicos do mundo. Distinguem-se dos concílios diocesanos ou regionais.

Nesse sentido, está na missão da Igreja Católica trabalhar ardentemente por um são ecumenismo, e os católicos devem desejar de todo coração a conversão do maior número de almas, de maneira que haja “um só rebanho e um só Pastor”.

Porém, esta conversão deve operar-se sempre com o auxílio da graça de Deus, sendo ensinada ao neófito toda a doutrina da Igreja, ainda que por partes, mas sem qualquer relativização. Deve-se ademais fazer o jogo da verdade, apontando lealmente as discrepâncias doutrinárias em relação às outras religiões e ensinando os argumentos que refutam erros e heresias de toda espécie. É a apologética cristã.

Mas o termo “ecumenismo” passou por transformações, e não raro, hoje em dia, acabou designando uma espécie de compromisso entre a verdade e o erro, inaceitável para um católico.

Os adeptos desse novo “ecumenismo” colocam todo seu empenho em reduzir à mínima expressão as verdades católicas, para não chocar – dizem — os não-católicos. Assim, seu principal esforço parece ser o de adaptar os ensinamentos evangélicos às máximas do mundo ou até às teorias de seitas heréticas.

Em seu método de “apostolado”, tais elementos também fazem todo o possível para subestimar o que separa a Igreja da heresia e hipervalorizar o que, segundo eles, as une.

Em artigo publicado em Catolicismo (matéria de capa da edição de junho de 2003), tratou-se do livro Em Defesa da Ação Católica, do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, obra fundamental para se conhecer as causas próximas da crise estabelecida na Santa Igreja na fase pós-conciliar. Tal obra veio a lume em junho de 1943, quando o autor era presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo. Foi um “livro-bomba”, que despertou muitas almas da letargia em que se encontravam. Embora trouxesse um prefácio do então Núncio Apostólico no Brasil, D. Bento Aloisi Masela, e recebesse cartas de aplauso de mais de 20 bispos — ao lado do silêncio de muitos outros —, suas teses suscitaram irritação furibunda em outros prelados e sacerdotes. Seis anos mais tarde, o próprio Papa Pio XII interferia na polêmica, enviando carta de louvor ao autor por meio da Secretaria de Estado.

No presente artigo veremos que os primeiros sintomas do estado de espírito ecumênico (em seu mau sentido), tal como ele se apresenta hoje, brotaram em círculos da Ação Católica e foram denunciados com clarividência e energia pelo Prof. Plinio.

Deserção generalizada: futuro deste estado de espírito

Ainda no tempo do jornal “Legionário”, o insigne pensador católico denunciara esse estado de espírito, prevendo a geral deserção que se daria nas fileiras católicas caso a ocultação da fé fosse aplicada como regra universal de procedimento:

“Quem diria que tudo isso começa hoje a renascer? Quem diria que, sob pretexto da infiltração, há quem sustente que o católico deve evitar de arvorar claramente o pendão da Fé, que deve evitar todas as atitudes ou todas as opiniões capazes de desagradar a corrupção do século, que ele deve, para atrair as almas a Cristo, esconder cuidadosamente que ele pertence à Igreja de Cristo, e que, em lugar de proclamar as verdades de Cristo, para fazer com que as almas se encantem com seu perfume, deve ocultar sua fé e insinuá-la como uma mercadoria de contrabando! Oh, São Paulo, que entrava de chofre no areópago a fim pregar Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado! Evidentemente, há situações excepcionais que impõem uma regra de conduta imensamente moderada. Mas quem não veria a geral deserção que essa conduta acarretaria, caso ela fosse apregoada como regra universal de procedimento?”(3)

* * *

                                                           Unicidade da Igreja

“A Igreja está constituída na unidade por sua mesma natureza; é uma, ainda que as heresias procurem desgarrá-la em muitas seitas. Dizemos, pois, que a antiga e católica Igreja é uma, porque tem unidade; da natureza, de sentimento, de princípio, de excelência [...]. Ademais, o cume da perfeição da Igreja, como o fundamento de sua construção, consiste na unidade; por isso, sobrepuja a todo o mundo, pois nada há igual nem semelhante a Ela.(*)

Por isso, quando Jesus Cristo fala desse edifício místico, não menciona mais que uma Igreja, que chama sua: Eu edificarei minha Igreja.

Qualquer outra que se queira imaginar fora d'Ela não pode ser a verdadeira Igreja de Jesus Cristo (nº 6).

Isto resulta mais evidente ainda, caso se considere o desígnio do divino Autor da Igreja. O que buscou, o que desejou Jesus Cristo Senhor no estabelecimento e conservação da Igreja? Uma só coisa: transmitir à Igreja a continuação da mesma missão, do mesmo mandato que Ele recebeu de seu Pai”. (Leão XIII, Encíclica Satis Cognitum, de 29–6–1896, nº 6 e 7).

* São Clemente de Alexandria, Stromata, VII, c. 17

Tudo com o pretexto de converter os infiéis

Todo apostolado consiste em conquistar as almas para Nosso Senhor Jesus Cristo, de modo que as que estão fora da Igreja n'Ela entrem, e as que estão tíbias se afervorem.

Em meios da Ação Católica, entretanto, começou-se a usar a expressão “apostolado de conquista”, que se diferenciava do verdadeiro apostolado por um frenético e intemperante desejo de atrair as almas, qualquer que fosse a disposição destas, sem tomar em consideração os perigos que essa atitude acarretaria para o apóstolo, nem as oposições que ele encontraria no mundo. O que, ademais, não produziria autênticas conversões.

Descuidavam assim a própria vida espiritual, tendendo a diluir a doutrina católica para apresentá-la com um aspecto mais simpático aos olhos dos mundanos. Este modo de agir acabou formando em setores da Ação Católica, consciente ou inconscientemente, uma predisposição favorável para com os réprobos, os hereges e os moralmente corruptos, que se expandiu posteriormente aos meios progressistas em geral.

Ao descrever o espírito e os métodos do “apostolado de conquista”, que moviam membros da Ação Católica, Plinio Corrêa de Oliveira profetizou que sua generalização causaria grandes apostasias: "A preocupação ou antes a obsessão do apostolado de conquista gera um outro erro que mencionamos simplesmente aqui, e a respeito do qual em ulterior capítulo nos estenderemos mais. Consiste em ocultar ou subestimar invariavelmente o que há de mal nas heresias, a fim de dar ao herege a idéia de que é pequena a distância que o separa da Igreja. Entretanto, com isto, esquece-se que se oculta aos fiéis a malícia da heresia, e se aplainam as barreiras que os separam da apostasia! É o que sucederá com o uso, em larga escala ou exclusivo, deste método”.(4)

É precisamente o que tem acontecido.

“Canonização” do respeito humano

Em coerência com o estado de espírito denunciado acima, membros da Ação Católica preconizavam “o retrocesso estratégico”, que consistia em ocultar as verdades católicas que chocariam aqueles que desejavam conquistar. Pois estes estariam no erro sempre de boa fé, bastando um pouco de tato e uma dose diluída de verdade para convertê-los.

Esta técnica, baseada em princípios falsos, também foi energicamente denunciada pelo Prof. Plinio:

“Entretanto, é a este erro que arrastam certas concepções por demais estreitas que, da técnica do apostolado, correm em alguns círculos da Ação Católica. Aceitando-se os métodos preconizados em tais círculos, dir-se-ia que a imensa variedade das almas existentes fora da Igreja se reduz a um só tipo de pessoas, idealmente bem intencionadas e cândidas, em cujo interior nenhum obstáculo voluntário se ergue contra a Fé, e que um simples equívoco de ordem meramente especulativa e sentimental mantém afastadas da Igreja.

"Estabelecida esta concepção arbitrária, toda a sabedoria pastoral se reduz a iluminar as inteligências e a granjear simpatias, o que deve ser feito evidentemente aos poucos, com extremos de tato, em doses diluídas, para que essas almas, 'subindo lentamente de claridade em claridade, se reconciliem com o íntimo de si próprias, e cheguem por fim quase sem o perceber, e como que através de uma engenhosa armadilha, à posse da verdade e da transparência interior’.

"Daí decorre toda uma tática que, uma vez adotada oficialmente na Ação Católica, seria a ‘canonização’ da prudência carnal e do respeito humano. O primeiro princípio da sabedoria consistiria em evitar sistematicamente qualquer coisa que, legitimamente ou não, pudesse causar a menor diversidade de opinião. Colocado em um ambiente acatólico, deveria o membro da Ação Católica salientar apenas, e sobretudo no começo, os pontos de contato entre ele e as demais pessoas presentes, calando cautelosamente as divergências. Em outros termos, o início de qualquer manobra de apostolado consistiria em criar largas zonas de ‘compreensão recíproca’, entre católicos e não católicos, situando-se ambos em terreno comum, neutro e simpático, por mais vago e largo que este terreno fosse”.

* * *

O caráter pleno e definitivo da Revelação de Jesus Cristo

          “Para fazer frente a essa mentalidade relativista, que se vai difundindo cada vez mais, há que afirmar, antes de mais, o caráter definitivo e completo da revelação de Jesus Cristo. Deve, de fato, crer-se firmemente na afirmação de que no mistério de Jesus Cristo, Filho de Deus Encarnado, que é o caminho, a verdade e a vida (cfr. Jo 14, 6), dá-se a revelação da plenitude da verdade divina: Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o queira revelar (Mt 11, 27); 'A Deus, ninguém jamais O viu. O próprio Filho Único, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer' (Jo 1, 18); 'É em Cristo que habita corporalmente toda a plenitude da divindade e n'Ele participais da sua plenitude' (Col. 2, 9). [...]

É, por conseguinte, contrária à fé da Igreja a tese que defende o caráter limitado, incompleto e imperfeito da revelação de Jesus Cristo, que seria complementar da que é presente nas outras religiões.

Unicidade e unidade da Igreja

“Assim, e em relação com a unicidade e universalidade da mediação salvífica de Jesus Cristo, deve crer-se firmemente como verdade de fé católica a unicidade da Igreja por Ele fundada. Como existe um só Cristo, também existe um só seu Corpo e uma só sua Esposa: 'uma só Igreja católica e apostólica'".* (Congregação para a doutrina da fé, Declaração Dominus Jesus, de 6-8-2000, nº 5 e 16. Joseph Card. Ratzinger, Prefeito; Tarcísio Bertone, S.D.B., Arcebispo emérito de Vercelli, Secretário).

_______________

* Símbolo da fé: Denz., nº 48. Cfr. Bonifácio VIII, Bula Unam Sanctam: Denz., nº 870-872; Conc. Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, nº 8.

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