Tu és Pedro, e sobre esta pedra está edificada a Igreja


14/06/2005

José Carlos Sepúlveda da Fonseca

A eleição de Bento XVI, a fé na indestrutibilidade da Igreja Católica e os anseios de restauração expressos pelo novo Pontífice

Após a Quaresma, a Semana Santa, a Páscoa e Pentecostes, que constituem as maiores festas do Ano Litúrgico, a Igreja retorna às festas comuns do calendário litúrgico, até chegarem o Advento e o Natal. As grandes festividades propiciam aos fiéis as graças e as forças extraordinárias de que necessitam para assegurar a perseverança em sua santificação e na condução de seu apostolado. Mas esse fruto seria efêmero se não fosse irrigado, no restante do tempo, pelo orvalho da rotina da vida da Igreja, que vivifica e aprofunda nos católicos os movimentos de alma engendrados pelos esplendores das festas extraordinárias.


Estátua de São Pedro em bronze, com vestes pontificais – Arnolfo di Cambio (1232 – 1302), nave da Basílica de São Pedro, Roma

Algo de similar se pode dizer a respeito dos dias que a Igreja acabou de viver, com o falecimento de S.S. João Paulo II, as cerimônias de seu sepultamento e a ascensão ao Trono Pontifício de S.S. Bento XVI. Multidões acorreram nesses dias à Cidade Eterna, atestando a enorme importância e influência da Santa Igreja e do Papado em todas as nações – até mesmo, a seu modo, entre as nações não católicas – e como os rumos da Igreja condicionam a fundo o porvir da Humanidade, infelizmente tão secularizada.

Para grande parte das pessoas que em número incalculável acorreram a Roma, e para muitos daqueles que pelo mundo afora puderam assistir a essas manifestações de catolicidade, tais dias se tornaram um fator de revigoramento na fé e na certeza da divindade da Igreja, operando-se em alguns uma verdadeira conversão. Houve até aqueles que, sem serem católicos, foram tomados de admiração pelos solenes e impressionantes testemunhos à Cátedra de Pedro.

Mas os sofisticados meios de comunicação modernos, contaminados por uma certa mentalidade de protagonismo e vedetismo imediatista, deixaram de focalizar de modo apropriado a realidade quotidiana subjacente à sucessão de um Papa, sem a qual essas grandes manifestações seriam efêmeras: a certeza da continuidade e da imortalidade da Igreja, pelas quais, a bem dizer, o Papa não muda nunca.

A história da Santa Igreja registra o surgimento de Papas santos e Papas não santos, de Papas indulgentes e Papas enérgicos, de Papas heróicos e Papas débeis. João Paulo II faleceu, sucedeu-lhe Bento XVI. O fato é que os homens passam, mas o Papado fica. É São Pedro que permanece, desde os primórdios da Igreja até hoje, e de nossos dias até a consumação dos séculos: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, as portas do inferno não prevalecerão contra Ela" –– eis o que Nosso Senhor Jesus Cristo afirma a cada Sumo Pontífice que O representou, ao que O representa e aos que O representarão até a consumação dos séculos.

Quando um Papa ascende ao sólio de São Pedro, o júbilo pela escolha do novo Pontífice tem como motivo de exultação não principalmente o que se altera, mas de modo proeminente o que não muda: ou seja, a indefectível fidelidade da Cátedra de Pedro a Jesus Cristo, o qual é perene ao longo dos séculos — "Christus heri et hodie, ipse et in saecula" (Heb. 13, 8).

Isso dito, ninguém negará que, secundariamente, algo de fato se modifica. Pois cada Pontífice manifesta sua personalidade própria, sua visão da realidade, sua experiência pastoral, seu programa de governo. E assim é natural que os fiéis indaguem o que de novo trará — nessa substancial imutabilidade do Corpo Místico de Cristo — a ascensão de S.S. Bento XVI.

No caso particular do atual Pontífice, a tarefa fica até certo ponto facilitada pelo fato de ter sido ele, enquanto um dos principais colaboradores de João Paulo II, talvez a personalidade mais conhecida da Igreja depois do próprio Papa; e uma figura que, em certas ocasiões, não hesitou em descrever com nobre franqueza sintomas da grave crise da Igreja, bem como apontar com objetividade erros consagrados pela cultura moderna. E também pelo fato de ter enunciado, às vésperas do Conclave que o elegeu, certos juízos a respeito da Igreja e do mundo contemporâneo, e quais deveriam ser, em sua opinião, algumas das prioridades do novo Pontificado.

Aliás, uma vez eleito, quiseram muitas vozes da mídia apodá-lo de reacionário, saudosista, extremista da intolerância, etc., –– qualificações que uma análise do conjunto de sua obra intelectual e de sua atuação à testa do Santo Ofício não permitem honestamente aceitar.

Diagnóstico incisivo dos problemas do mundo


Após a primeira Missa como Papa, Bento XVI junto aos Cardeais na Capela Sixtina, em 20 de abril de 2005

No dia que precedeu a morte de João Paulo II, o então Cardeal Ratzinger esteve em Subiaco — berço da Ordem Beneditina — para ali receber o Prêmio São Bento, que lhe fora atribuído pela promoção que fez da Família na Europa. No discurso de agradecimento, formulou dura crítica à cultura moderna, enquanto oposta e contrária ao Cristianismo. Cultura fundada, segundo ele, numa "confusa ideologia da liberdade", herdada do Iluminismo do século XVIII, que tem como ponto de partida o relativismo, ou seja, um novo dogmatismo que se julga "no direito de considerar todo o resto apenas como um estágio superado da humanidade que pode ser adequadamente relativizado".

Alguns dias mais tarde, no sermão da Missa inaugural do Conclave, o então Prelado frisou que, de acordo com esse novo dogmatismo, "ter uma fé clara, segundo o credo da Igreja, é freqüentemente catalogado como fundamentalismo, ao passo que o relativismo, isto é, o deixar-se levar 'ao sabor de qualquer vento de doutrina', aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais". Cunhando uma fórmula feliz e destinada a perdurar, alertou ele na mesma ocasião: "Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que usa como critério último apenas o próprio 'eu' e as suas vontades".

Ante a gravidade dessas palavras não podemos deixar de recordar, com um sorriso entristecido e reverente, o otimismo progressista com que tantos dos Padres Conciliares propugnaram que a Igreja abrisse os braços ao mundo contemporâneo, a fim de juntos participarem da alegria universal; e também a benevolência com que tantos e tantos eclesiásticos e altos Prelados consideraram a modernidade e a ela fizeram aberturas que surpreenderam por vezes não poucos dentre os melhores.

Reflexões pertinentes sobre a dolorosa crise da Igreja

Ainda no mencionado sermão da Missa inaugural do Conclave, lamentou o Cardeal Ratzinger a fraqueza dos católicos em relação à própria fé, que os leva a serem "batidos pelas ondas e levados ao sabor de qualquer vento de doutrina", segundo as palavras de São Paulo. E prosseguiu: "Uma descrição muito atual! Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantas modas de pensamento... A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi não raro agitada por estas ondas, lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até ao ponto de chegar à libertinagem; do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo, e por aí adiante".

O antigo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé já havia denunciado a crise interna que grassa nos meios católicos, e até nas fileiras do clero, por ocasião da Via Sacra realizada na última Sexta-Feira Santa no Coliseu de Roma, quando afirmou que, muitas vezes, a Igreja parece "uma barca que está para afundar" e um campo no qual se vê "mais cizânia que trigo".

Comentando a terceira queda de Jesus sob o peso da cruz, enfatizou: "Mas não deveríamos pensar também em tudo quanto Cristo tem sofrido na sua própria Igreja? Quantas vezes se abusa do Santíssimo Sacramento, da sua presença, freqüentemente como está vazio e mau o coração onde Ele entra! Tantas vezes celebramos apenas nós próprios, sem nos darmos conta sequer da presença d'Ele! Quantas vezes se contorce e abusa da sua Palavra! Quão pouca fé existe em tantas teorias, quantas palavras vazias! Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência! Respeitamos tão pouco o sacramento da reconciliação, onde Ele está à nossa espera para nos levantar das nossas quedas! Tudo isto está presente na sua Paixão".

Face à crise religiosa, moral e ideológica: necessidade de uma autêntica restauração

O jornalista italiano Sandro Magister, poucos dias antes do Conclave, prognosticou que, caso fosse eleito o Cardeal Ratzinger, se daria uma "revolução papal" — religiosa, cultural e política —, similar à reforma empreendida por São Gregório VII. Tal reforma, asseverava Magister, serviria de modelo para o programa pastoral do novo Pontífice Ratzinger ou de algum outro membro do Colégio Cardinalício de idéias afins às suas.

Uma autêntica e profunda restauração no seio da Santa Igreja e da Cristandade parece hoje uma necessidade incontestável, que considerável parte dos fiéis almeja ver realizar-se. Ao tomar posse da Cátedra de Bispo de Roma, na Basílica de São João de Latrão, S.S. Bento XVI pareceu querer fortalecer as esperanças dos que anelam por esse programa de restauração.

Ao aplicar a si mesmo a definição de Papa –– "servo dos servos de Deus" –– cunhada por São Gregório Magno, o Pontífice recordou que seu poder não é superior, mas está ao serviço da Palavra de Deus, e que sobre ele recai "a responsabilidade de fazer com que esta Palavra continue a estar presente na sua grandeza e a ressoar na sua pureza, de modo que não seja fragmentada pelas contínuas mudanças das modas", evitando "todas as tentativas de adaptação e de adulteração" e qualquer "oportunismo".

Dessa obediência à Palavra de Deus, Bento XVI destacou dois deveres que considera particularmente essenciais em nossos dias. O primeiro é dar testemunho de Cristo no atual mundo paganizado, ser o guia na profissão de fé em Cristo, o Filho do Deus vivo. Repetir incansavelmente: "Dominus Jesus" — Jesus é o Senhor –– ante os "pretensos deuses, quer no céu quer na terra", afirmando assim a unicidade da Igreja no plano divino de salvação.

O segundo dever consiste em pregar "de maneira inequívoca a inviolabilidade do ser humano, a inviolabilidade da vida humana desde a concepção até a morte natural", relembrando que "a liberdade de matar não é uma liberdade, mas é uma tirania".

Eis aí duas tarefas que, se levadas a seu último termo, são de molde a conduzir os católicos a uma oposição ao processo libertário, igualitário e “fraterno”, que há séculos vem contaminando a Cristandade e a Igreja. Um processo que visa eliminar a distinção entre verdade e erro, bem e mal, belo e feio, criando uma ilusão de paz entre os homens, pelo nivelamento e interpenetração de todas as religiões, filosofias, escolas de pensamento e culturas.

O papel central da devoção à Santíssima Virgem na crise hodierna

Ao consumar-se a Paixão de Nosso Senhor, na atmosfera perpassada de tristeza mas, ao mesmo tempo, de esperançosa serenidade, foi em torno da Santíssima Virgem que se aglutinaram todas as fidelidades. Reunidos no Cenáculo, com a Mãe do Salvador, os Apóstolos presenciaram o Espírito Santo baixar sobre Ela como língua de fogo, e a partir d´Ela espargir-se por todos eles.

Temos por certo que na crise religiosa, moral e ideológica – que o atual Pontífice tem apontado em determinados de seus aspectos essenciais – é também junto à Santíssima Virgem, e baseados numa devoção acendrada a seu Coração Imaculado, que se devem aglutinar aqueles que anseiam por uma verdadeira restauração da Igreja e da Civilização Cristã.

Oremos a Ela, pois, para que a atuação de S.S. Bento XVI seja de molde a encher de clareza os espíritos, de força os ânimos, e de glória a Igreja santa de Deus.

Veja:
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