Anteprojeto propõe descriminalizar o aborto
27/07/2005
CLÁUDIA COLLUCCI DA REPORTAGEM LOCAL
São Paulo, quarta-feira, 27
de julho de 2005
LEGALIZAÇÃO
EM DEBATE
Comissão criada pelo governo apresenta relatório na segunda,
mas trâmite no Legislativo ainda é incerto
Descriminalizar
o aborto até a 12ª semana de gestação,
ampliar o prazo da interrupção da gravidez para 20 semanas em
casos de estupro e não determinar limite de tempo para o aborto em casos
de grave risco à saúde da mulher e de má-formação
do feto.
São essas as principais propostas do texto do anteprojeto elaborado
pela comissão tripartite montada em abril pelo governo federal para
discutir a revisão da legislação punitiva do aborto.
Hoje, o Código Penal pune com um a três anos de prisão
a mulher que realiza um aborto. Os únicos casos permitidos por lei são
a gravidez resultante de estupro ou quando há risco à vida da
mãe.
A redação final do documento, feita por cinco dos 18 integrantes,
será apresentada na segunda-feira aos demais membros. Mas ainda não
está definida qual será a estratégia de encaminhamento
da proposta ao Legislativo.
A Folha apurou que, em razão da crise política vivida hoje pelo
governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, havia uma expectativa
de que o senador Eduardo Suplicy (PT) -que faz parte da comissão- entrasse
com o anteprojeto pelo Senado. Suplicy descarta a hipótese, pelo menos
neste momento.
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres disse que só vai se pronunciar sobre o teor do anteprojeto
depois de recebê-lo e analisá-lo com todos os integrantes da comissão
(seis do governo, seis do Legislativo e seis da sociedade civil).
Dos seis representantes da sociedade civil, quatro vêm de entidades feministas
e são a favor da descriminalização. Uma delas é a
antropóloga Lia Zanotta Machado, representante da Rede Feminista de
Saúde e que participou da redação final do projeto.
Segundo ela, as propostas saíram de um consenso dentro do comitê e "não
há possibilidade de volta". "Pode ser mudado o formato final
de apresentação, mas o conteúdo, não", afirmou.
Um dos pontos que deve sofrer alteração na redação é a
não determinação de prazo para o aborto quando há riscos à saúde
da mulher ou quando há má-formação fetal incompatível
com a vida, diz o ginecologista Jorge Andalaft Neto, que integra a comissão.
Segundo ele, a partir da 5ª semana de gestação, fetos já têm
condições de sobreviver e, nessas condições, é preconizado
uma antecipação do parto, e não o aborto. "Todas
as gestações que ultrapassarem 20 semanas devem ser criteriosamente
avaliadas."
Esse, aliás, foi um dos pontos de discórdia na comissão.
Tanto Andalaft quanto o geneticista Thomas Gollop são contra a inclusão,
no texto, de falta de limite de tempo para o aborto.
Para Lia Zanotta, com a descriminalização não haverá aumento
do número de abortos no país e ocorrerá uma redução
da taxa de mortalidade materna -hoje, o aborto é a quarta causa de morte.
Além da descriminalização, a proposta do anteprojeto elaborada
pela comissão garante que a interrupção voluntária
da gravidez seja realizada no Sistema Único de Saúde (SUS), bem
como seja coberta pelos planos e seguros privados de assistência à saúde.
Segundo o ginecologista Aníbal Faúndes, coordenador do Comitê de
Direitos Sexuais e Reprodutivos da Federação Internacional de
Ginecologia e Obstetrícia, o aborto até a 12ª semana de
gravidez causa menos riscos à mulher e há consenso médico
de que, até essa idade gestacional, não existe atividade cerebral
do feto.
As decisões que constam da minuta do anteprojeto da comissão
tripartite são semelhantes a um projeto elaborado pelas Jornadas Brasileiras
pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro -rede que reúne organizações
em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos- e que foi apresentado ao grupo.
Segundo Gilberta Soares, coordenadora das jornadas, o projeto, elaborado por
seis advogados, tratou de adaptar o direito ao aborto às normas vigentes.
O anteprojeto também deverá vir acompanhado da revogação
dos dispositivos do Código Penal que tipificam o aborto como crime.
Só seria mantido como crime o abortamento praticado sem o consentimento
da mulher.
Embora poucas mulheres sejam condenadas por aborto, a proibição
faz com que, a cada ano, cerca de 1 milhão de brasileiras realize abortos
clandestinos, segundo estimativa do Ministério da Saúde.
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