São Carlos Borromeu, arquétipo de bispo católico
08/11/2005
Plinio Maria Solimeo
Peça-mestra da Contra-Reforma católica, grande propugnador do Concílio
de Trento, realizou profunda reforma na arquidiocese de Milão. Foi um
exemplo de verdadeiro Pastor, por seu zelo pelas almas e santidade de vida.
Carlos
Borromeu nasceu no castelo de Arona, nas margens do Lago Maior, Ducado de
Milão, a 2 de outubro de 1538, filho dos condes Gilberto e Margarida
de Médici. A mãe era irmã do Cardeal João Ângelo,
que seria elevado ao sólio pontifício com o nome de Pio IV.
Dizia-se do conde que levava mais a vida de monge que a de grande senhor,
rezando diariamente o breviário e dedicando muitas horas à oração
e às boas obras. A condessa emulava com ele em piedade.
Todos os biógrafos do futuro santo mencionam uma claridade extraordinária
que envolveu o castelo de Arona quando nascia o menino, tomada como sinal a
denotar a luz de santidade que o recém-nascido projetaria em toda a
Cristandade.
Com pais tão virtuosos, era natural que também se desse logo
cedo à piedade, sendo suas distrações montar altares e
repetir cerimônias que via na igreja. Desabrochou logo cedo em Carlos
a vocação sacerdotal, de modo que já aos oito anos recebeu
a primeira tonsura; aos 12, seu tio, Júlio César Borromeu, resignou
em seu nome a Abadia de São Graciano e São Felino. Apesar da
pouca idade, Carlos estava ciente de que as rendas da abadia eram patrimônio
dos pobres. Pediu ao pai que as considerasse assim, e que fossem empregadas
exclusivamente para esse fim.
Sua infância e juventude, como predestinado desde o berço, foi
de grande inocência e perfeita integridade de costumes. Mesmo quando
foi terminar seus estudos na Universidade de Pavia, geralmente conhecida pela
debochada vida de seus estudantes, Carlos soube permanecer ileso naquele ambiente,
com o auxílio da Virgem Santíssima, por quem nutria filial e
confiante devoção, e dos sacramentos da confissão e comunhão.
Cardeal Arcebispo aos 22 anos
São
Carlos venera o Santo Sudário em Turim |
Aos 21 anos Carlos doutorou-se nos Direitos civil e eclesiástico. Seus
pais tinham já falecido. Sua carreira começaria cedo, pois no
ano seguinte seu tio João Ângelo, eleito Papa, chamou-o para junto
de si o fez Cardeal Arcebispo de Milão. Encarregou-o, apesar de seus
22 anos, da maior parte do governo da Igreja. Isto é, fê-lo Secretário
de Estado sem o título, além de Protonotário Apostólico
da firma pontifícia e várias outras honrarias.
Não movido pela ambição, mas pela obediência, Carlos
entregou-se ao trabalho. Diz um biógrafo: “Foi coisa admirável
que, quanto possuía (causa comumente de ruína para os demais)
foi-lhe de não pouca ajuda para a perfeição a que anelava,
porque, ocupando tão grande posto e gozando de todos os bens que o ânimo
mais altivo apenas atreveria prometer-se, achava tudo tão sem gosto
e substância, que generosamente se deu a buscar um só e perfeito
bem no qual achasse plena satisfação e cabal paz”.(1)
Carlos alojou-se, vestiu-se e mobiliou seus aposentos com magnificência,
para sustentar sua qualidade de príncipe, de cardeal e de sobrinho do
Papa.
Mas repentinamente ocorreu o falecimento do Conde Frederico,
seu irmão
mais velho, a quem o Papa chamara também a Roma e cumulara de honras.
Todos esperavam que Carlos, não tendo ainda sido ordenado sacerdote
e sendo agora o único herdeiro do nome da família, deixasse a
carreira eclesiástica e se casasse para perpetuar o nome. Ele, pelo
contrário, acelerou sua ordenação e consagração
total a Deus de modo irrevogável.
Considerando então a sublime dignidade sacerdotal e a obrigação
que tinha de ser o bom odor de Cristo, despojou-se das ricas vestes de seda,
simplificou o serviço de sua casa e escolheu o piedoso Pe. João
Batista Ribeira, jesuíta, para seu diretor espiritual. Vendeu também
boa parte do seu patrimônio, entregando o valor aos tios com a condição
de darem parte da renda para a assistência dos seminários, escolas
gratuitas, hospitais, conventos e pobres.
Grande propugnador do Concílio de Trento
Detalhe de carta escrita por São Carlos Borromeo
|
Uma de suas iniciativas mais importantes foi trabalhar para a conclusão
do Concílio de Trento, que fora interrompido. Não podendo dele
participar, por causa de seus afazeres em Roma, empenhou-se na publicação
de suas Atas e do Catecismo Romano, conforme dispunha o Concílio, e
da reforma do breviário. Trabalhou também para pôr em prática
as resoluções dessa assembléia conciliar, principalmente
no que diz respeito à reforma do clero, contando para isso com a ajuda
muito eficaz de São Felipe Néri. Cooperou também para
a reforma da música sacra, decretada pelo Concílio, e pela adoção
da polifonia proposta e executada pelo grande compositor Giovanni Pierluigi
da Palestrina.
Como a missão de um bispo é guiar suas ovelhas, começou,
para esse fim, a exercitar-se na pregação, com assombro de todos,
pois não era costume na época que cardeais se entregassem a esse
ministério. Suas palavras penetravam a fundo, obtendo grande fruto.
Sabendo como era necessário aos bispos o conhecimento da doutrina católica
para opor-se às falsas doutrinas dos hereges, começou o estudo
de lógica e filosofia.
Mas sobretudo queria pôr em prática as normas do Concílio
em sua Arquidiocese de Milão, como pastor de almas que era. Depois de
muito insistir, obteve do Papa licença para dela tomar posse.
Autêntica reforma na diocese
São
Carlos ministra o ensino do catecismo às crianças |
Chegando a Milão, o Cardeal Borromeu, seguindo a orientação
do Concílio, começou a reforma do clero. Que este necessitava
urgentemente de reforma, é certo, pois “os padres eram ainda mais
desregrados que o povo; sua ignorância era tão grande, que a maioria
não sabia as fórmulas dos sacramentos; alguns não acreditavam
mesmo que fossem obrigados a se confessar, porque confessavam os outros. A
bebedeira e o concubinato eram muito comuns entre eles, e acrescentavam a esses
sacrilégios outros mais execráveis, pela administração
dos sacramentos e celebração dos Santos Mistérios em um
estado criminoso e escandaloso. [...] Os mosteiros femininos estavam [também]
abertos a toda dissolução”.(2) Como o mal não era
somente da cidade de Milão, mas de toda a arquidiocese, Carlos convocou
um concílio provincial para promulgar os decretos do Concílio
de Trento. A ele acorreram 11 bispos da região. Chegou a convocar seis
concílios provinciais e 11 sínodos diocesanos com o mesmo fim.
Ele começou por sua própria casa a reforma que pregava, estabelecendo
nela um regulamento para que todos vivessem com simplicidade e modéstia.
Havia horário para as orações vocal e mental e para o
exame de consciência, e ninguém podia ausentar-se desses atos
sem permissão. Os sacerdotes eram obrigados a confessar-se todas as
semanas e a celebrar o Santo Sacrifício diariamente. Os não-sacerdotes
deveriam confessar-se e comungar semanalmente e assistir à Missa diariamente.
As refeições eram em comum, com a leitura de algum livro de vida
espiritual. Enfim, ordenou sua casa como se fosse um colégio da Companhia
de Jesus, com exercícios, costumes e ofícios semelhantes aos
que há nas casas da Companhia. Ele dava o exemplo, sendo o mais observante
de todos. Mas, como tinha mais responsabilidade, pois era o pastor, passou
a levar uma vida de verdadeiro anacoreta: dormia poucas horas, sobre umas pranchas,
flagelava-se impiedosamente e comia pouco, chegando no fim da vida a viver
só de pão e água uma vez por dia. Sua delicada saúde
ressentiu-se disso, e foi necessário apelar para o novo Papa, São
Pio V, para que lhe ordenasse atenuar um tanto suas penitências.
Na terrificante peste de 1576
Durante
a peste que assolou Milão, o Santo leva o viático
a um moribundo |
As obras do santo foram incontáveis. “Estabeleceu uma ordem edificante
na catedral de Milão; a devoção dos eclesiásticos,
a magnificência dos ornamentos, o esplendor das cerimônias formavam
um conjunto do mais tocante efeito. Edificou muitos seminários, fundou
um colégio de nobres; os edifícios eram soberbos e as regras
traziam o cunho da sabedoria do santo fundador. Estabeleceu em Milão
os padres teatinos. [...] Recebeu os padres da Companhia de Jesus. Fundou também
uma congregação de sacerdotes sem votos (Padres Oblatos de Santo
Ambrósio), dependentes só dele como seu chefe imediato, a fim
de os ter à mão para os empregar consoante o pedissem as necessidades
da diocese”.(3)
Entretanto, onde o zelo do santo mais se desdobrou foi por
ocasião
da violenta peste que assolou Milão em 1576. Todos que puderam fugiram,
inclusive as autoridades civis. Mas o Pastor não podia abandonar suas
ovelhas feridas. Vendeu toda a prataria do palácio episcopal para socorrer
os atingidos, deu-lhes todos os móveis de sua casa e até seu
próprio leito. Ele os ia confessar e administrar-lhes os últimos
sacramentos, visitava-os nos hospitais ou nos tugúrios, ordenou preces
e procissões para pedir o fim da epidemia, e ofereceu-se como vítima
pelos pecados de toda sua diocese. As coisas que fez durante essa epidemia
foram tão admiráveis, que encheram de assombro toda a corte romana
e toda a Cristandade.
São Carlos Borromeu morreu aos 46 anos, em 4 de novembro
de 1584, sendo canonizado em 1610.(4)
_____________
Notas:
1. Pe. Pedro Ribadaneira,
Flos Sanctorum, in Dr. Eduardo Ma. Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L. González y Compañia, Barcelona, 1897, tomo
4º, p. 237.
2. Les Petits Bollandistes,
Vies des Saints d’après le Père
Giry, Paris, Bloud et Barral, 1882, tomo 13, pp. 180-181.
3. Pe. José Leite,
S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, tomo III, pp. 263
e ss.
4. Outras obras consultadas:
Fr. Justo Perez de Urbel, Año Cristiano,
Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo IV, pp. 264 e ss.; Edelvives, El Santo de
Cada Dia, Editorial Luis Vives, Saragoça, 1949, tomo VI, p.41 e ss.
Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
|