São Francisco Xavier Apóstolo do Oriente e taumaturgo
23/12/2005
Plinio Maria Solimeo
Abrasado pelo amor a Deus, Francisco Xavier inflamou os lugares por ele evangelizados,
com o fogo do amor divino e o brilho de seus milagres
Para Santo Inácio de Loyola não havia dúvida. O Papa,
para atender ao Rei João III de Portugal, estava pedindo-lhe membros
de sua recém-fundada Companhia para evangelizar os domínios portugueses
de ultramar. Como Francisco Xavier era o único de seus discípulos
disponível no momento para acompanhar Simão Rodríguez,
teria que ir. No entanto, dos seus primeiros filhos espirituais, Xavier era
o predileto, aquele que planejara ter consigo como conselheiro e provável
sucessor. Mas Inácio de Loyola havia escolhido como lema de sua milícia
Ad Majorem Dei Gloriam (Tudo para a maior glória de Deus). Se bem que
tivesse sentimentos muito profundos, não era um sentimental. Chamou
logo Francisco. Sempre pronto a obedecer, o futuro Apóstolo das Índias
exclamou: “Pues! Heme aqui!” (Estou pronto! Vamos!).
No dia 16 de março de 1540, provido dos títulos de Núncio
Papal e Embaixador de Portugal para os países do Oriente, Francisco
Xavier foi despedir-se de seu pai espiritual. Santo Inácio, pondo-lhe
as mãos sobre os ombros, percebeu que a batina era muito rala. “Como,
meu caro Francisco! Ides cruzar as neves dos Alpes com roupa tão leve?” O
discípulo sorriu timidamente. “Depressa, desvestindo sua própria
batina, o Fundador da Companhia de Jesus tirou uma veste de flanela que estava
usando, e fê-la vestir em Xavier. Era como se, com essa parte de sua
vestimenta, desse uma parte de si mesmo ao filho que partia”.(1) “Ide:
acendei e inflamai todo o mundo”, foram as últimas palavras do
antigo capitão de Pamplona ao ex-mestre do Colégio de Beauvais.
Essas palavras tornaram-se proféticas, pois o que esse hidalgo espanhol
fez o resto de sua vida não foi senão inflamar tudo com o ardente
fogo de seu amor de Deus.
Reformando a “Goa dourada, a Roma do Oriente”
Francisco Xavier tinha 35 anos quando cruzou o oceano para chegar a Goa em
6 de maio de 1542. Essa cidade, capital das possessões portuguesas no
Oriente, atraíra toda sorte de soldados de fortuna e aventureiros, os
quais, longe de sua pátria, família, parentes e conhecidos, tinham
caído numa vida licenciosa que escandalizava não só seus
correligionários, mas até os pagãos.
Dom João de Castro, um dos maiores vice-reis das Índias, descreve
assim a situação de Goa à sua chegada: “As cobiças
e os vícios têm cobrado tamanha posse e autoridade, que nenhuma
cousa já se pode fazer por feia e torpe, que dos homens seja estranha”.(2)
Braço
de prata com relíquia do Santo |
Impelido “pela necessidade de perder a vida temporal para socorrer a
espiritual de seu próximo”,(3) São Francisco Xavier atirou-se
ao trabalho, começando pelas crianças e doentes. Aos poucos sua
fama no confessionário e no púlpito atingiu outras áreas,
e gente de todas categorias passou a procurá-lo para purificar sua alma. “Aqui
em Goa eu moro no hospital, onde confesso e dou a comunhão para os enfermos.
Mesmo assim, é tão grande o número dos que vêm pedir-me
para ouvir confissões que, se eu estivesse em dez lugares ao mesmo tempo,
não teria falta de penitentes”,(4) escreveu ele a Santo Inácio
apenas um mês depois de sua chegada.
Goa, a “dourada” ou a “Roma do Oriente”, era uma cidade
cosmopolita e tinha atraído gente de todas as partes do mundo. São
Francisco Xavier viu a necessidade de criar uma escola de nível médio
para ajudar a evangelização. Menos de um ano depois de sua chegada,
tinha já fundado o Colégio da Santa Fé. Sua finalidade,
como ele explica, era “para que os nativos destas terras e os de diferentes
nações e raças possam ser instruídos na fé.
E para que, quando tiverem sido bem instruídos, sejam enviados às
suas pátrias, de modo que ganhem fruto com o ensinamento que receberam”.(5)
Os “filhos de São Francisco Xavier”
Sua presença era requisitada também em outras partes: “Num
reino longe daqui (Travancore, sudoeste da Índia), Deus moveu muitas
pessoas a se fazerem cristãs. De tal modo que, num só mês,
batizei mais de dez mil, homens, mulheres e crianças”.(6) Nessa
nova área ele foi recebido pelo marajá “com honras, e tratado
com gentileza”; o rei deu a ele “permissão para pregar o
Evangelho em todo seu reino, e para batizar aqueles de seus súditos
que quisessem tornar-se cristãos”.(7)
Como escreveu para os membros da Companhia, em Goa “eu tenho estado
ocupado batizando todos os infantes. [...] Os mais velhos deles não
me dão paz, pedindo-me sempre para ensinar-lhes novas orações.
Eles não me dão tempo para rezar meu breviário nem para
comer”.(8)
A
história do Cristianismo no Japão inicia-se com a chegada
de S. Francisco Xavier e seus companheiros. Depois vieram as perseguições
e os martírios. |
São Francisco Xavier desceu até o extremo sul da Índia
para evangelizar os Paravas, quase todos pescadores de pérolas. “Padre
Francisco fala desses Paravas como de uma nobre raça, inteligente, trabalhadora
e perseverante, a única tribo na Índia que se tornou inteiramente
católica. [...] Eles se orgulham de chamar-se a si próprios ‘os
filhos de São Francisco Xavier’”, escreve um Prelado no
início do século passado.(9)
Foi nessa Costa da Pescaria que o “Padre Francisco” realizou muitos
dos seus mais espetaculares milagres. Foram tantos e tão notáveis,
que fica difícil a escolha.
Uma vez os ferozes Badagas cruzaram as montanhas, devastando o Travancore.
O marajá, mal preparado para fazer face a esse perigo, apelou a São
Francisco Xavier. O apóstolo juntou-se ao improvisado exército,
colocando-se na primeira fila. Tão logo sua voz pôde ser ouvida
do outro lado, “o Padre Francisco, segurando seu Crucifixo, caminhou
para o inimigo [...] e gritou em alta voz: ‘Em nome de Deus, o terrível,
eu vos ordeno que pareis’”.(10) Os badagas das filas dianteiras,
aterrorizados, pararam e começaram a recuar. A debandada foi total.
“Eu te ordeno, levanta-te dos mortos!”
A cidade de Quilon, entretanto, não se impressionava com esses milagres,
e as palavras de fogo do apóstolo não penetravam nos corações
endurecidos de seus habitantes. Um dia, quando estava rodeado por uma multidão
a que não era capaz de tocar, o Santo ajoelhou-se e pediu fervorosamente
a Deus que mudasse o coração e a vontade daquele povo obstinado.
Depois de um instante, dirigiu-se ao local onde um jovem havia sido enterrado
na véspera. Pediu que o desenterrassem. “Verifiquem todos se ele
está mesmo morto”, disse à multidão. Alguns, ao
abrirem o caixão, recuaram exclamando: “ele não só está morto,
mas cheirando mal”. Xavier então ajoelhou-se e, com potente voz
para que todos ouvissem, disse: “Em nome de Deus e em testemunho da fé que
eu prego, eu te ordeno: levanta-te dos mortos”. Um tremor sacudiu o cadáver
e a vida retornou plenamente a ele. O número das conversões foi
grande, e a fama do milagre acompanhou Francisco Xavier através das Índias.(11)
Procissão
portando o corpo de São Francisco Xavier, venerado até por
não católicos, pelas ruas de Goa em dezembro de 2004 |
Para formar um clero nativo capaz de trabalhar entre seus
irmãos, ele
fundou mais quatro seminários: Cranganor, Baçaim, Coghim e
Quilon.
Qual era o segredo da eficácia apostólica de São Francisco
Xavier? Era uma heróica observância do maior mandamento de Cristo: “Amarás
o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e
de todo teu entendimento” (Mt 22, 37). “Tenho tão grande
confiança em Deus, cujo amor somente me move, que, sem hesitar, com
o único bafejo do Espírito Santo, afrontei todas as tempestades
do oceano na mais débil barca”.(12)
O segundo apóstolo da Índia recorre ao
primeiro
Para saber se deveria avançar mais para o Oriente em sua evangelização,
Francisco resolve fazer um recolhimento junto ao túmulo de São
Tomé, em Meliapor.
O segundo apóstolo da Índia, em contato com o primeiro, recebeu
muitas graças: “Aqui Deus lembrou-se de mim segundo sua costumeira
misericórdia; Ele tem consolado infinitamente minha alma, e me fez saber
que é sua vontade que eu vá para Málaca, e de lá às
outras ilhas da região”.(13)
O resto da história é muito conhecido. Com o mesmo zelo, São
Francisco evangelizou não somente Málaca e as Molucas, mas também
muitas outras ilhas vizinhas, e chegou até o Japão, do qual foi
o primeiro e mais importante apóstolo. Ele morreu só e desconhecido
nas costas da China, com os olhos postos em suas misteriosas terras, cuja antiga
e rica civilização queria conquistar para Cristo.
No processo de canonização do grande Apóstolo do Oriente,
a Santa Sé “reconheceu vinte e quatro ressurreições
juridicamente provadas e oitenta e oito milagres admiráveis operados
em vida pelo ilustre Santo”.(14) Na bula de canonização
são mencionados muitos milagres ocorridos em vida e depois da morte
de São Francisco Xavier. Um deles foi que as lamparinas colocadas diante
da imagem do Santo, em Colate, ardiam muitas vezes tanto com óleo como
com água benta.
O último milagre relacionado a ele foi seu corpo incorrupto por séculos,
cujos restos, mumificados e danificados por homens e elementos, podem ainda
ser vistos em Goa, coroando um dos mais notáveis exemplos do Evangelho
posto em prática.
Notas:
1. Mary Purcell, Don Francisco - the story of St. Francis Xavier, The Newman
Press, Westminster, Maryland, 1954, p. 108.
2. Cônego Arsênio Tomaz Dias, da Sé Patriarcal de Goa,
Memória Histórico-Eclesiástica da Arquidiocese de Goa,
Tip. A Voz de S. Francisco Xavier, Nova Goa, Índia, 1933, p. 344.
3. G. Schurhammer - I. Wicki, S.I., Epistolae S. Francisco
Xaverii, Romae, 1944, - Epist. 55, t. I., p. 325), citada pelo Papa Pio
XII em sua mensagem
aos católicos da Índia, in "Boletim do Instituto Vasco da
Gama", Bastora, Goa, Índia, Dez. 1952, p. VIII.
4. Mary Purcell, op. cit., p. 147.
5. P. Rayanna, S.J., St. Francis Xavier and his shrine,
2nd ed., Bom Jesus, Old Goa, Índia, 1982, p. 72.
6. In Dr. E. P. Antony –– The History of Latin Catholics in Kerala,
I.S. Press, Ernakulan, Índia, 1992, p. 44.
7. D. Ladislau Miguel Zaleski, Saint François
Xavier, Missionaire et son Apostolat en Inde, Ensieldeln, Germany, 1910,
p.102.
8. Mary Purcell, op. cit., p. 165.
9. D. Ladislau Zaleski, op. cit., p. 204.
10. D. Ladislau Zaleski, op. cit., pp. 115-116. Ver
também “Memória…”,
p. 344, Antony, pp. 45-46, P. Thomas, Christians And Christianity In India
And Pakistan, London, George Allen & Unwin Ltd., 1954, p. 56 e J.M.S. Daurignac,
São Francisco Xavier, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 5ª ed.,
pp. 183-184.
11. Cfr. D. Ladislau Zaleski, op. cit., pp. 114-115.
12. Carta de 8 de maio de 1845 para os membros da Companhia, em Goa. In J.M.S.
Daurignac, op. cit., p. 215.
13. Mary Purcell, op. cit., p. 182.
14. J.M.S. Daurignac, op. cit., p. 482.
Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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