“Apareceram a bondade e o amor pelos homens, do Salvador nosso Deus” (Ti 3, 4)
05/12/2006
Plinio Corrêa de Oliveira Catolicismo, dezembro de 1955
Diversos sinos de um mesmo carrilhão da Santa Igreja
“ Poderíamos comparar o conjunto das obras
católicas de um país a um imenso carrilhão, em que
cada sino emite um som próprio, seja ele grave, solene, possante,
seja cristalino, álacre, juvenil. Do fato de tocarem todos, resulta
a harmonia do conjunto”. |
Os fatos espirituais, por sua vez,
geram conseqüências no terreno
do apostolado. E assim vemos na Igreja militante uma admirável variedade
de obras apostólicas que agem cada qual com meios peculiares, falam
aos homens uma linguagem própria e se articulam explícita ou
tacitamente com as demais, para a realização do Reinado de Jesus
Cristo sobre a Terra.
Era necessário que assim fosse. Pois os homens, Deus os cria muito
diversos entre si, com necessidades, aspirações e vias muito
pessoais. As verdades que mais tocam a uns não são sempre as
que mais facilmente movem ou esclarecem a outros.
Poderíamos comparar o conjunto das obras católicas de um país
a um imenso carrilhão, em que cada sino emite um som próprio,
seja ele grave, solene, possante, seja cristalino, álacre, juvenil.
Do fato de tocarem todos, resulta a harmonia do conjunto.
No imenso carrilhão das obras
de apostolado do Brasil, qual o papel de Catolicismo?
A oferta da mirra que equivale ao princípio de contradição
“ No campo ideológico a grande verdade representada
pela mirra é o princípio de contradição,
pelo qual o sim é sim e o não é não. Todas
as outras são ouro e incenso, mas só valem se apreciadas
num ambiente perfumado pela mirra. E é desta mirra que largamente
necessita o Brasil”. |
Qual, nesse gigantesco esforço de construção, nossa parcela
de colaboração? Ajoelhados aos pés do Menino Jesus, na
visita de Natal, todos Lhe oferecerão seus presentes: educadores, missionários,
oradores, dirigentes de obras, terão frutos positivos a Lhe oferecer.
Enquanto tantos se Lhe apresentarão com as mãos cheias de ouro
e incenso, o que Lhe daremos nós?
Uma coleção de publicações. Nessa coleção,
o que há? Se cada palavra contendo boa doutrina, por mais modesta que
seja, tem aos olhos da misericórdia divina o valor do ouro e Lhe é agradável
como incenso, por certo há muitos grãos de incenso e ouro em
nossas páginas. Mas também há muita mirra. Do que, aliás,
sentimos alegria, já que o Evangelho conta que os Reis Magos levaram
ao presépio não só ouro e incenso, mas também mirra.
Há verdades que aos homens impressionam como o ouro. Há outras
que lhes são suaves e perfumadas como o incenso.
Quanto à mirra, é mais modesta. A raiz etimológica dessa
palavra se relaciona com o vocábulo “mur”, que em árabe
quer dizer “amargo”. Os especialistas descrevem a mirra como uma
resina gomosa, em forma de lágrima, dotada de gosto amargo, aromática,
vermelha, semi-transparente, frágil e brilhante. Seu odor é agradável,
mas um pouco penetrante. Como se vê, tem ela a beleza discreta, austera
e forte do sangue. E seu perfume é o da disciplina e da sobriedade.
Diríamos que no campo ideológico a grande verdade representada
pela mirra é o princípio de contradição, pelo qual
o sim é sim e o não é não. Todas as outras são
ouro e incenso, mas só valem se apreciadas num ambiente perfumado pela
mirra. E é desta mirra que larga, muito, muito largamente necessita
o Brasil.
A linguagem “sim, sim; não, não” — “pão,
pão; queijo, queijo”
Não se confunda o princípio de contradição, que é a
quintessência da lógica, da coerência, da objetividade,
com o espírito de contradição. Este é um vício
que resulta do prazer jactancioso de contrariar o próximo: é volúvel,
e faz do sim o não, e do não e sim, conforme convenha à posição
arbitrariamente tomada de momento.
Somos um povo que tem o defeito
de suas qualidades. Propensos habitualmente a tudo que é bom, infelizmente não somos ao mesmo tempo infensos
a tudo quanto é mau. Em geral os outros povos, quando amam uma verdade,
odeiam o erro que lhe é contrário. E reciprocamente, quando amam
o erro detestam a verdade que a ele se contrapõe. Em última análise, é pelo
jogo desse princípio que se explicam as grandes fidelidades, como as
grandes apostasias. Na psicologia do brasileiro, o ódio explícito
e declarado à verdade e ao bem é raro. Neste sentido somos um
dos melhores povos da Terra. Mas quando se trata, para nós, de deduzir
do amor à verdade e ao bem uma atitude militante contra o erro e o mal,
o caso é outro. E no fundo isto se dá porque o princípio
de contradição é antipático à pacatez brasileira.
Uma expressão muito conhecida exprime em linguagem popular o princípio
de contradição: “pão, pão; queijo, queijo".
Mas em inúmeros casos confundimos pão com queijo.
A bonomia na mentalidade do povo brasileiro
Esta tendência de espírito se reflete em muitos aspectos da nossa
mentalidade. O Brasil é uma República. Entretanto, em nenhum
lugar o monarca destronado e a monarquia deixaram mais saudades. Separamo-nos
de Portugal numa atmosfera borrascosa. Entretanto, no tratado em que a antiga
Metrópole reconhecia nossa independência, asseguramos a D. João
VI até o fim de seus dias o título de Imperador do Brasil. O
quadro corrente, e por assim dizer oficial, do Marechal Deodoro, proclamador
da República, apresenta-o com o peito constelado com as insígnias
do Império que derrubou. Expulsamos em 1930 o Presidente Washington
Luiz. Restaurado o regime constitucional, regressou ele ao Brasil num ambiente
de respeito e de simpatia tão gerais que, com exceção
de D. Pedro II, nenhum homem público reuniu em torno de si unanimidade
maior. Por que então foi destituído? Dessas pitorescas contradições,
poder-se-ia fazer uma longa lista. E o assunto Getúlio Vargas forneceria
a este respeito farta documentação.
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Veja:
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