“Apareceram a bondade e o amor pelos homens, do Salvador nosso Deus” (Ti 3, 4)
05/12/2006
Plinio Corrêa de Oliveira Catolicismo, dezembro de 1955
“Seja vossa linguagem sim, sim; não, não”
“ Quantas famílias temos, modelarmente constituídas!
Por que progridem as modas imorais? É que essas famílias,
que prezam tanto a virtude, são por vezes pouco enérgicas
no combate ao vício. Em todos estes casos, o que nos falta? Viveza
no princípio de contradição lapidarmente definido
por Nosso Senhor, quando mostrou a incompatibilidade entre o ‘sim’ e
o ‘não’”. |
Talvez, à vista destas reflexões, algum leitor sorria, como
quem está em presença de um amável defeito. Pois não
deixa de ter algo de simpático e tranqüilizador um tal cúmulo
de bonomia.
Mas estudemos este assunto no terreno
da moral. Trata-se de analisar esta tendência psicológica, para ver se é conforme à Lei
de Deus. E não é com meros sorrisos, mas com muita seriedade,
que se resolvem os problemas morais.
Aquele que veio ao mundo para pregar
as Bem-aventuranças nos deixou
por preceito que fôssemos fiéis ao princípio de contradição: "seja
vossa linguagem sim, sim; não, não" (Mt 5, 37). E se tal
deve ser nossa linguagem, tal deve ser nosso pensamento. Em matéria
de moral, mais do que em qualquer outra, todo excesso é um mal, ainda
que seja de qualidades tão simpáticas quanto a bonomia e a suavidade
de trato. E um mal que, conforme o caso, pode tornar-se muito grave.
Católico “não praticante”, um termo cacofônico
e antitético
Exemplifiquemos. No terreno religioso,
não é bem verdade que
o amortecimento do princípio de contradição nos conduz
com muita freqüência a atitudes lamentáveis? Quantos são
os católicos que se julgam no direito de discordar da Igreja em algum
ou em muitos pontos? Com isto, embora se ufanem de católicos, pecam
contra a fé. Por quê? Simplesmente porque imaginam possível
um tertium genus entre ser católico e não ser. O mesmo se diga
da naturalidade com que se admite entre nós uma categoria de católicos “não
praticantes”! Claro que os há no mundo inteiro. Mas parece-nos
que em nenhum país eles têm tão pouca consciência
do que seu estado apresenta de cacofônico, de antitético, em uma
palavra, de contraditório.
Por fim, mais um exemplo. Quantas
famílias temos, modelarmente constituídas!
Por que progridem as modas imorais? É que essas famílias, que
prezam tanto a virtude, são por vezes pouco enérgicas no combate
ao vício. Em todos estes casos, o que nos falta? Viveza no princípio
de contradição lapidarmente definido por Nosso Senhor, quando
mostrou a incompatibilidade entre o “sim” e o “não”.
Este artigo se vai alongando. Não resisto entretanto ao desejo de indicar
outro exemplo. Todos se queixam da anemia de nossa vida partidária,
de nossa atonia em matéria de ideologia política e do predomínio
das questões pessoais em nossa vida pública. Uma das causas deste
fato está na carência do princípio de contradição.
Pois, se em face de uma idéia que temos por certa não nos arregimentamos
para a defender resolutamente contra as que lhe são opostas, como pode
haver partidos de verdadeiro conteúdo ideológico?
"Oxalá fosses frio ou quente; mas, como és
morno...”
“ Para Vós que, sendo a Sabedoria incriada
e tendo nascido d’Aquela que é a Sede da Sabedoria, conheceis
totalmente a índole de cada povo, a todos amais, a todos quereis
santificar. Para Vós, que desde toda a eternidade tão particularmente
amastes o povo brasileiro e o predestinastes a uma grandeza que encherá a
história de amanhã”. |
O amortecimento do princípio de contradição gera o gosto,
a mania das soluções intermediárias, eu quase diria a
servidão às soluções intermediárias. Dados
dois caminhos, escolher sempre o do meio, o que não é carne nem
peixe: é no que se cifra para muita gente toda a sabedoria. Ora, se
rejeitar por princípio as soluções intermediárias é um
erro, erro também é adotá-las por princípio. Pois
há casos em que a sabedoria as condena formalmente: “Oxalá fosses
frio ou quente; mas, como és morno, começarei a vomitar-te de
minha boca” (Apoc. 3, 15).
A pessoa viciada em soluções intermediárias é a
vítima ideal de todos os velhacos. Pois a habilidade do velhaco consiste
precisamente em fazer com que o ingênuo aceite, com algum disfarce, aquilo
que, a nu e sem maquilagem, ele repudiaria. Os hereges são useiros e
vezeiros em velhacarias desta natureza. Rejeitado o pelagianismo, obtiveram
eles a adesão de inúmeros ingênuos por meio do semi-pelagianismo.
Condenado o arianismo, puseram em circulação o semi-arianismo.
Condenado o protestantismo, inventaram o bayanismo — heresia propugnada
por Miguel Bayo (1513 – 1589), professor da Universidade de Louvain (Bélgica) — e
o jansenismo. Condenados o comunismo e o socialismo, fabricam um “socialismo
mitigado”, que em última análise não é senão
comunismo velado. E assim por diante.
Erros que “serpeiam” entre os fiéis
Que essa tática é particularmente desenvolvida em nosso tempo,
nada mais notório. Estamos no século da 5ª Coluna. E que
uma das formas mais hábeis de solapar os meios católicos é esta,
as mais altas autoridades eclesiásticas de nossos dias já o disseram.
Disse-o Sua Santidade o Papa Pio XII quando, na Encíclica Mystici Corporis
Christi, se referiu aos erros que “serpeiam” entre os fiéis.
Disse-o Sua Eminência o Cardeal Saliège, arcebispo de Toulouse,
quando afirmou em declaração mundialmente famosa que tudo se
passa como se houvesse uma ação articulada para “preparar
no seio do Catolicismo um movimento de acolhida ao comunismo” (cfr. Catolicismo,
nº 37, janeiro de 1954, p. 8).
E assim, nada mais perigoso para
o Brasil, nesta hora, do que o amortecimento do princípio de contradição. E nada mais necessário
do que trabalhar para que, em nosso País, este princípio tome
mais força, mais cor, mais eficiência em toda a vida mental.
A “mirra” com o encanto
do ouro e do incenso
Não sei se um leitor não brasileiro compreenderá bem
toda esta problemática. Duvido bastante. Mas para um brasileiro isto é bem
mais inteligível. E é inteligível sobretudo para Vós,
Senhor Jesus, que, deitado num berço rústico, sondais entretanto
até o fundo as almas e os corações. Para Vós que,
sendo a Sabedoria incriada e tendo nascido d’Aquela que é a Sede
da Sabedoria, conheceis totalmente a índole de cada povo, a todos amais,
a todos quereis santificar. Para Vós, que desde toda a eternidade tão
particularmente amastes o povo brasileiro e o predestinastes a uma grandeza
que encherá a história de amanhã.
Nossa obra é principalmente de mirra. Publicação feita
para católicos militantes e praticantes, queremos que eles Vos amem
sem mescla de qualquer outro amor. Que só sirvam a um Senhor. Que sejam
cada qual em seu coração uma cidade sem divisão, contra
a qual nada pode o inimigo. Que não olhem para trás, ao empunhar
o arado, e que no afã de semear não se esqueçam de arrancar
a erva daninha.
De certo modo os católicos militantes e praticantes são, também
eles, sal da terra e luz do mundo. Em parte depende da cooperação
deles que o mundo não se corrompa nem caia nas trevas. Queremos que
eles sejam um sal muito e muito salgado, uma luz posta no mais alto da montanha,
e muito brilhante. Neste sentido, Senhor, é nossa cooperação.
Eis o presente de Natal que acumulamos durante o ano inteiro, para Vos oferecer.
Outros Vos darão o incenso de suas inúmeras obras, capazes de
um bem inapreciável. Nós nos inserimos nessa grande obra queimando
em abundância, no solo bem-amado do Brasil, a mirra austera mas odorífera
do “sim, sim; não, não”.
Que Maria Santíssima aceite essa mirra em suas mãos indizivelmente
santas e Vo-las ofereça. Ela terá para Vós então
o encanto do ouro e do incenso, com alguma coisa a mais. E isto lhe virá do
suor, do sangue de alma e das lágrimas de um apostolado que tem suas
horas muito amargas... Mas na Cruz está a luz. E neste amargor, o melhor
da alegria e da beleza de nosso apostolado.
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Nota:
Os intertítulos neste artigo foram inseridos por esta redação.
Páginas: 1 2 3
Veja:
http://www.catolicismo.com.br
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