Conversão de São Paulo Um dos maiores acontecimentos na História da Igreja
09/01/2007
Plinio Maria Solimeo
De nenhum
dos
grandes santos penitentes
a Igreja celebra a conversão como
a de São Paulo. E uma das razões é a excelência
de toda s as virtudes que Nosso Senhor comunicou-lhe.
Um dos maiores santos do
firmamento católico, São Paulo, nos
diz que era judeu, nascido na “ilustre” Tarso, na Cilícia, Ásia
(At 21, 39), de pai cidadão romano (At 22, 26-28), de uma família
na qual a pureza de consciência era hereditária (II Tim, 1, 3),
muito apegada às tradições e observâncias dos fariseus
(Fil. 3, 5-6). Como pertencia à tribo de Benjamim, foi-lhe dado o nome
de Saul (Saulo), muito comum nessa tribo em memória do primeiro rei
dos judeus.
Como todo judeu respeitável tinha que ensinar a seu filho uma profissão,
o jovem Saulo aprendeu a tecer os fios dos quais eram feitas as tendas e a
confeccioná-las, o que lhe seria de muita utilidade no futuro. Ainda
muito jovem foi enviado a Jerusalém para receber educação
na escola de Gamaliel.
Ao contrário do que muitos imaginam, o grande São Paulo era
de pequena estatura, calvo, de fraca voz e má saúde. Por isso,
não impressionava à primeira vista. Entretanto, a alma que movia
esse corpo frágil era toda de fogo, e praticamente não encontra
paralelo não só nos primeiros tempos do Cristianismo, mas em
toda sua história.
De perseguidor a Apóstolo
de Cristo
Igreja-museu de São
Paulo
em Tarso |
Formado
na tradição dos fariseus, que exageravam o cumprimento
das exterioridades da lei, seu fanatismo ardente, que nada podia moderar, iria
se chocar contra o Cristianismo nascente. A doutrina deste, dotada de força
e vida, ameaçava tudo conquistar para Cristo, o que preocupava muito
a Saulo. Diante dessa marcha conquistadora, ele não hesitava em opor-se
com todas suas forças e até pela violência, conforme narram
os Atos dos Apóstolos (9, 1-2): “Respirando ameaças e morte
contra os discípulos do Senhor, apresentou-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe
cartas para as sinagogas de Damasco, com o fim de levar presos a Jerusalém
quantos achasse desta doutrina, homens e mulheres”. A isso comenta São
João Crisóstomo: “Que males não havia feito? Havia
enchido de sangue Jerusalém, matado os fiéis, afligido a Igreja,
perseguido os Apóstolos, apedrejado Estêvão, e não
perdoando a homem nem mulher, porque não se contentava com levá-los
aos tribunais e acusá-los ante os juízes, senão que os
buscava em suas casas, tirando-os delas; e, como uma fera, os arrebatava”.(1)
“Saulo, Saulo, por
que me
persegues?”
Entretanto, no caminho
de Damasco o Senhor o esperava. “Saulo, Saulo,
por que me persegues?”. Ele caiu do cavalo diante da fulgurante luz. “Coisa
maravilhosa é considerar que, tendo sido toda a vida de Cristo, nosso
Redentor, semeada de trabalhos, perseguições e penas, e sua sagrada
paixão cheia de tantas e tão inexprimíveis afrontas e
tormentos, nunca o Senhor se queixou nem abriu a boca para dizer: ‘Por
que me persegues?’... E agora, com voz portentosa e sonora, diz a Saulo: ‘Por
que me persegues?’. Como podia Saulo perseguir a Vós, Senhor,
sendo ele um pouco de pó, e vós o Rei da glória, estando
ele na Terra e vós no Céu? Mas, porque Saulo perseguia os membros
de Cristo, nossa cabeça, Ele tomava por próprias as injúrias
que contra seus membros se faziam”.(2)
“Senhor, que quereis que eu faça?” Era a coerência
falando. Se Aquele que lhe aparecia era o próprio Cristo, Filho de Deus,
Saulo deveria, em vez de perseguir seus discípulos, entregar-se inteiramente
e de vez a seu serviço.
Os teólogos asseguram que uma conversão é obra mais maravilhosa
que a ressurreição dos mortos. Assim, a conversão de São
Paulo constituiu fato maior e mais notável que a ressurreição
de Lázaro, encerrado havia quatro dias no sepulcro, e já cheirando
mal.
Para Santo Agostinho, se
a ressurreição de um morto e a conversão
de um pecador são obras de igual poder, a conversão é obra
de maior misericórdia.
Se isso se pode dizer de
qualquer conversão, mais se pode dizer da
de São Paulo. “Com efeito, se todas as outras são milagrosas,
estando elevadas acima da ordem da natureza, esta o é na mesma ordem
da graça, sendo como um milagre estabelecido sobre outros milagres.
O que parecerá evidente, tanto se se consideram os efeitos que produziu,
quanto os grandes frutos que a Igreja dela tirou”.(3)
Realmente, vemos nessa
conversão uma circunstância inteiramente
milagrosa, pois é milagre na ordem da graça que uma alma tão
carregada de pecados, e com disposições totalmente contrárias
a ela, se converta assim inopinadamente, sem ter sido preparada antes por atos
opostos a esses maus hábitos e a essas disposições perniciosas.
A conversão de São Paulo foi também um “prodigioso
acontecimento, de incalculável importância, sem o qual todo o
futuro do Cristianismo teria mudado de feição. [...] A transformação
foi nele radical e completa. O que havia odiado, passa, da noite para o dia,
a adorar; e a causa que combateu com toda a violência vai, igualmente
com toda a violência, servi-la de futuro. Num segundo, e na pista do
deserto, Deus vencera o adversário e o ligara a Si, para todo o sempre”.(4)
“Sede meus imitadores
como
eu o sou de Cristo”
Os teólogos
asseguram que uma conversão é obra mais maravilhosa que
a ressurreição dos mortos |
Quando
Ananias, por ordem do Senhor, foi ver Saulo para restituir-lhe a vista, conferiu-lhe
também os sacramentos do Batismo, da Confirmação
e da Ordem.
“Convertido, instruído,
consagrado, regenerado pelas águas
do Batismo, o ilustre neófito tinha tudo o que era necessário
para tornar-se o instrumento de grandes desígnios: a difusão
da Fé no mundo inteiro, tal é o programa cuja execuçã o
lhe foi confiada por seu novo mestre”. Entretanto, “a essa natureza
ardente era necessário, antes de percorrer sem parar sua nova carreira
apostólica, uma estadia na solidão. O deserto atrai as grandes
almas. Saulo permaneceu três anos em retiro, dispondo-se pela oração,
meditação, recolhimento e penitência a preencher a missão à qual
Deus o chamava”.(5)
Arrebatado ao terceiro
Céu, viu com os olhos da alma tudo o que Cristo
havia padecido e obrado na Terra e os íntimos pensamentos, dores, afetos
e desejos de seu amantíssimo Coração. Acima de tudo, foi
ele instruído diretamente pelo próprio Nosso Senhor, pelo que
pôde afirmar: “O Evangelho que preguei não é coisa
de homens; pois não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por revelação
de Jesus Cristo”. Depois de ter sido arrebatado aos céus, passou
a viver somente em função da vida futura: “Nossa conversação
está no Céu, e minha vida é Cristo; e morrer por Ele é lucro
para mim”, pois “vivo, mas não sou eu quem vive, é Cristo
que vive em mim”.
E transformou-se logo num
dos maiores pregadores do Evangelho: “Quem
imitou mais a Jesus Cristo que o mesmo São Paulo, que se propõe
como exemplo e nos exorta a que o imitemos porque é imitador de Cristo?
Quem seguiu mais a Cristo crucificado que o mesmo São Paulo, que diz
que estava crucificado com Cristo na cruz, e que toda sua glória era
a cruz de Cristo? E que não sabia outra coisa, senão a Cristo
crucificado? Que em seu corpo trazia impressos os estigmas, sinais e chagas
do Senhor Jesus Cristo, e dizia que todo seu gozo e triunfo era ver-se algemado
e carregado de cadeias por Ele? Quem poderá, ainda que tenha língua
de anjo, explicar as virtudes de São Paulo e o muito que Deus lhe deu
nesta conversão?”.(6)
Levou o nome de Cristo
por todas
as nações da Terra
São Paulo arrebatado
em êxtase - (O Arrebatamento de São Paulo – Nicolas
Poussin (1649-1650) – Museu do Louvre, Paris) |
Por isso sua doutrina está excelentemente acima da de todos os demais,
e seu espírito tão acima, que não encontra paralelo entre
os homens. Ele é “o lavrador que cultiva o campo da Igreja; ou
o arquiteto, que a edifica; ou o médico, que a cura; ou o soldado, que
a defende; ou o doutor, que a ensina; ou o pai, que a engendra; ou a ama, que
lhe dá o peito e a cria com seu leite; ou o juiz severo, que repreende
e castiga; ou a mãe piedosa, que afaga e regala; e não há estado
na Igreja que nas epístolas de São Paulo não tenha seu
particular ensinamento e doutrina”. Por isso “a Santa Igreja diz
que Deus ensinou todo o mundo por São Paulo, e o chama doutor das gentes,
e por excelência o apóstolo; porque, entre todos os apóstolos,
mais se esmerou, mais trabalhou e mais proveito fez com sua pregação
e com as 14 epístolas que escreveu”.(7)
Parte da epopéia apostólica do Apóstolo dos Gentios pode
ser lida nos Atos dos Apóstolos, em que se vê “no meio de
tantos trabalhos São Paulo, sempre o mesmo, sempre mais e mais abrasado
no amor de Jesus Cristo, sempre mais e mais zeloso de levar seu santo nome
por todas as nações da terra! Causa assombro considerar as cidades,
as províncias, os reinos e os vastos domínios que percorreu este
grande apóstolo, anunciando o Evangelho em todos eles”.(8)
Durante sua carreira apostólica, São Paulo foi flagelado, encadeado
e lançado sete vezes na prisão; três vezes sofreu o naufrágio,
e numa delas só se salvou agarrado a um destroço do navio durante
um dia e uma noite. Várias vezes teve que fugir perseguido pelos judeus,
sofreu fome e sede por amor de Cristo.
Culminando sua prodigiosa
vida pelo gládio, pôde afirmar: “Combati
o bom combate, percorri a carreira inteira, guardei a fé. Desde já me
está reservada a coroa da justiça que me dará o Senhor,
justo Juiz, naquele dia” (II Tim, 4, 7-8).
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Notas:
1. In Pedro de Ribadaneira,
S.J., Flos Sanctorum, apud Dr. Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro,
L. González y Compañia – Editores,
Barcelona, 1896, t. I, p. 258.
2. Id. Ib., p. 259.
3. Les Petits Bollandistes,
Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs,
Paris, 1882, tomo I, p. 600.
4. Daniel Rops, São
Paulo, o Conquistador de Cristo, Livraria Tavares Martins, Porto, 1952, pp.
53,54,59.
5. Les Petits Bollandistes, op. cit., tomo VII, p. 464-465.
6. Pedro de Ribadaneira, op. cit., p. 260.
7. Id. ib., p. 261.
8. Pe. José Leite,
S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A. O., Braga, tomo II, 1998, p. 325.
Outras obras consultadas:
– Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año
Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo I, 25 de janeiro.
– Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S. A., Saragoça,
1946, tomo I, 25 de janeiro.
Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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