Festa de Glória e de Paz


18/12/2007

Plinio Corrêa de Oliveira

As grandes lições que o Santo Natal nos dá


Para seu Filho, a Sagrada Família apresenta uma gruta para primeira morada, e uma manjedoura por berço. Mas o Filho é o próprio Verbo Encarnado, para cujo nascimento a noite se ilumina, o Céu se abre e os anjos cantam, e a Quem dos confins da Terra vêm Reis cheios de sabedoria oferecer ouro, incenso e mirra...
Seria interessante ler um jornal de há cem anos, para ver o papel que tinham nas relações humanas — entre pessoas, famílias, grupos sociais ou nações — esses valores. Hoje, abra-se um jornal, e ver-se-á que o mais das vezes os homens se aliam ou se guerreiam por motivos bem outros: exportações, importações, divisas cambiais, tarifas e coisas congêneres.

Ora, diante desse mundo que hipertrofiou até o delírio a importância do que conduz à vida material farta, larga e segura, Nosso Senhor nos dá, por ocasião do Santo Natal, uma dupla lição da maior oportunidade.

Consideremos a Sagrada Família do ponto de vista da boa instalação na vida. Uma dinastia que perdeu o trono e a riqueza tem em São José um rebento que vive na pobreza. A Santíssima Virgem aceita essa situação com uma paz perfeita. Ambos se empenham em manter uma existência ordenada e composta nessa pobreza, porém suas mentes estão cheias, não de planos de ascensão econômica, de conforto e prazeres, mas de cogitações referentes a Deus Nosso Senhor. Para seu Filho, a Sagrada Família apresenta uma gruta para primeira morada, e uma manjedoura por berço. Mas o Filho é o próprio Verbo Encarnado, para cujo nascimento a noite se ilumina, o Céu se abre e os Anjos cantam, e a Quem dos confins da Terra vêm Reis cheios de sabedoria oferecer ouro, incenso e mirra...

Quanta pobreza, e quanta glória! Glória verdadeira, porque não é “cotação” junto aos homens meramente utilitários e farisaicos de Jerusalém, que apreciam os outros segundo a medida de suas riquezas, mas uma glória que é como o reflexo da única verdadeira glória: a de Deus no mais alto dos Céus.

Costuma-se dizer que a pobreza da Sagrada Família em Belém nos ensina o desprendimento dos bens da terra, e isto é mil vezes verdade. Convém acrescentar, contudo, que há além disto no Santo Natal um alto e lúcido ensinamento sobre o valor dos bens do Céu e o dos bens morais, que são na Terra como a figura dos bens celestes.

A finalidade da existência humana

E, a este respeito, há talvez uma confusão a desfazer.

Deus criou o universo para sua glória extrínseca. Assim, todas as criaturas irracionais tendem inteiramente para a glorificação de Deus. E o homem, dotado de inteligência e livre arbítrio, tem obrigação de empregar para o mesmo fim as potências de sua alma e todo o seu ser. O seu fim último não consiste em viver gostosa, farta e despreocupadamente, mas em dar glória a Deus.

Ora o homem o alcança isto dispondo todos os seus atos interiores e exteriores de maneira a reconhecer e proclamar sempre as perfeições infinitas e o soberano poder do Criador.

Criado à imagem de Deus, ele lhe dá glória procurando imitá-lo, tanto quanto possível à sua natureza de mera criatura.

E assim o próprio exercício do amor de Deus, à medida que nos vai assemelhando a Ele, também nos torna participantes de sua glória.

É o que explica o imenso respeito que os santos sempre despertaram, mesmo nos que os odiavam e perseguiam. Uma simples cozinheira como a Beata Ana Maria Taigi, ao andar pelas ruas de Roma, impressionava os transeuntes por sua respeitabilidade. Em todas as aparições de Nossa Senhora, Ela se manifesta sumamente materna, amável e condescendente, mas ao mesmo tempo inexprimivelmente digna, respeitável, refulgente de régia majestade. Quanto a Nosso Senhor, fonte de toda santidade, que dizer? Tão condescendente, que chegou a lavar os pés aos Apóstolos! Mas tão infinitamente majestoso, que uma palavra sua prostrou de rosto em terra todos os soldados que vinham prendê-lo (cfr. Jo 18, 6)!

A dignidade de todo poder — reflexo da majestade divina

Ora, Jesus Cristo é nosso modelo. Os santos, que eximiamente O imitaram, o são também. E assim todo verdadeiro católico deve tender a uma alta respeitabilidade, a uma gravidade, a uma firmeza, a uma elevação que o deve distinguir da vulgaridade, da sordície, da extravagância de tudo quanto cai sob o domínio de Satanás.

E aí não se trata só de um esplendor decorrente do exercício da virtude. Todo poder vem de Deus (cfr. Rom. 13, 1), o do rei como o do nobre, do pai, do patrão ou do professor. E de algum modo o detentor de um cargo deve ser enquanto tal, para os seus súditos, como que uma imagem de Deus. Há uma dignidade intrínseca de todo poder, que é um reflexo da majestade divina.

Assim, numa sociedade cristã, o detentor de qualquer situação de relevo deve respeitar-se a si próprio em razão dessa situação. E deve transfundir esse respeito nos que com ele tratam. Dessa maneira, a sociedade temporal cristã é toda ela refulgente da glória de Deus. Ela a canta a seu modo, como também a canta com acentos inefáveis a sociedade espiritual, que é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. E aqui na Terra a vida do homem é um prenúncio daquele cântico de glória que entoará no Céu pelos séculos sem fim.

Desejo da própria glória, para que Deus seja glorificado


A paz verdadeira só existe entre os homens de boa vontade, que procuram de todo o coração a glória de Deus. E por isto a mensagem de Natal liga uma coisa à outra: “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e na Terra paz aos homens de boa vontade!” (Lc 2, 14).
Mas, dirá alguém, não será orgulho esse amor de cada qual à sua própria glória?

Bem entendidas as coisas, não e mil vezes não.

Se alguém ama a sua glória, e não a de Deus, nisto há orgulho. Se alguém ama a sua própria glória, não porque ela é um reflexo da glória de Deus, mas apenas porque é um meio de obter homenagens, exercer domínio sobre os outros e dirigir a seu talante o curso dos fatos, nisto há orgulho. Mas se um homem deseja merecer o respeito do próximo só para que nisto seja Deus glorificado, mostra grandeza de alma e verdadeira humildade.

Bem sabemos que muitas vezes um orgulho sutil pode iludir uma pessoa, dando-lhe a impressão de que é por amor de Deus que procura uma glória que, de fato, só deseja por amor de si. Para obviar a esse risco, infelizmente muito e muito real, é preciso rezar, freqüentar os sacramentos, meditar, mortificar-se, praticar exames de consciência rigorosos, sujeitar-se à direção espiritual. O remédio está no emprego desses meios eficacíssimos, e nunca em negar um princípio em si mesmo muito verdadeiro.

O respeito e o amor não se excluem

E a bondade? Não consiste ela em que a gente se “democratize”, se nivele com os que estão de baixo, para atrair seu amor?

Um dos erros mais funestos de nosso tempo está em imaginar que o respeito e o amor se excluem, e que um rei, um pai, um professor será tanto mais amado quanto menos for respeitado. Ora, a verdade está no contrário. A alta respeitabilidade, sempre que esteja embebida num verdadeiro amor de Deus, só pode atrair a estima e a confiança dos homens retos. E quando isto não se dá, não é porque a respeitabilidade é muito alta, mas porque não tem seu fundamento no amor de Deus.

A solução não está em rebaixar, mas em sobrenaturalizar.

A dignidade verdadeiramente sobrenaturalizada se abaixa sem se rebaixar.

A dignidade egoística e vaidosa não quer e não sabe condescender conservando-se íntegra. Quando ela se sente forte, rebaixa os outros. Quando se sente fraca, por medo rebaixa-se a si mesma.

Verdadeira paz naqueles que procuram a glória de Deus

Imagine-se, pois, uma sociedade temporal toda impregnada dessa alta, majestosa e forte nobreza, reflexo da sublimidade de Deus. Uma sociedade em que tanta elevação estivesse indissoluvelmente ligada a uma imensa bondade, de tal maneira que, quanto mais crescessem a força e a majestade, tanto mais cresceriam a comiseração e a bondade. Que suavidade, que doçura — em uma palavra, que ordem! Que ordem, sim... e quanta paz. Pois o que é a paz, senão a tranqüilidade na ordem? (cfr. Santo Agostinho, De Civitate Dei, XIX, cap. 13).

A estagnação no erro e no mal, a concórdia com os soldados de Satanás, a aparente conciliação entre a luz e as trevas, por isto mesmo que conferem cidadania ao mal, só trazem desordem e geram uma tranqüilidade que é a caricatura da verdadeira paz.

A paz verdadeira só existe entre os homens de boa vontade, que procuram de todo o coração a glória de Deus.

E por isto a mensagem de Natal liga uma coisa à outra:

“Glória a Deus no mais alto dos Céus, e na Terra paz aos homens de boa vontade!” (Lc 2, 14).

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