Plinio Corrêa de Oliveira, desde pequeno, cultivou os valores contra-revolucionários
03/10/2008
Adolpho Lindenberg
Da. Lucilia: católica, monarquista e tradicionalista
Foto dos pais de Dr. Plinio tirada pouco antes de seu casamento |
Para uma compreensão melhor da personalidade de Plinio, nada mais adequado do que começar por conhecer de perto a figura muito especial, muito próxima a mim, muito querida, que foi sua mãe, tia Lucilia, irmã de minha mãe.
Se quiséssemos destacar a nota característica de sua personalidade, eu diria que tia Lucília encarnava o ideal perfeito da mãe católica, em toda a extensão do termo. Não só de mãe, mas também de esposa, filha e tia. Sendo ela a mais velha das irmãs, cuidou de vovó durante o longo período de sua doença, como era o costume daqueles tempos. “Lucilia se anulou, se afastou de tudo para cuidar de sua mãe, dia e noite, como se fosse uma enfermeira” – este era o mais freqüente comentário sobre ela, feito pela parentela, que guardei na memória. Com o correr do tempo, pude avaliar quão penosa deve ter sido essa missão, pois vovó foi uma pessoa com inúmeras qualidades, mas a paciência certamente não era a maior delas.
A razão de seu “anulamento”, no entanto, conforme foi-me dado observar ao longo dos anos, se deve ao fato de ela, sendo católica à outrance, monarquista e tradicionalista, não pactuar de modo algum com o relaxamento dos costumes, com as modas extravagantes nem com a glorificação do progresso. Enfim, com aquilo que passou a se denominar “mundo moderno”. Nesta postura, ela foi a fonte da aversão de Plinio por tudo quanto era modernizante, pouco cerimonioso e igualitário.
Quem não conheceu tia Lucilia, terá dificuldade de entender o filho. Foram muito próximos a vida inteira, com temperamentos e gostos em perfeita sintonia. Ele fazia de tudo para agradá-la, e ela, por sua vez, tinha a atenção totalmente posta no filho. Lembro-me de que todos os dias Plinio, já homem feito, após o jantar reservava vinte minutos para conversar com ela, hábito esse que manteve mesmo quando estava ocupadíssimo com trabalhos urgentes.
Após ter ele sofrido um revés no seu trabalho apostólico, ela o consolou com uma frase que sintetizava perfeitamente seu modo de sentir as coisas: “Filhão, o importante na vida é olhar-se, querer-se bem e estar juntos”. E isso eles praticavam. O resto, seja lá o que for — ambições, êxitos, fracassos –– para ela contava bem menos. Plinio sempre lembrou essa frase até o fim da vida, edificado e saudoso.
Lembro-me muito bem de tia Lucilia, vindo visitar-me quando eu estava doente, acometido pelas clássicas doenças de infância. Ela me lia Os três mosqueteiros e tantos outros livros que exaltavam o heroísmo, a fidelidade e a união mais absoluta entre os amigos. Inútil dizer que a leitura era entremeada por conselhos, advertências sobre os perigos que encontraria ao longo de minha vida, além de agrados mil. Terá ela tido consciência de que, assim fazendo, estava me preparando para tornar-me um fiel seguidor de seu filho?
Uma senhora cerimoniosa e acolhedora
Fotografia de Da. Lucilia tirada em Paris |
Tia Lucilia nunca tingiu nem cortou curto seu cabelo, não se pintava, usava vestidos discretíssimos. Em outras palavras, tinha-se a impressão de que era uma senhora de uma geração anterior, cerimoniosa e acolhedora. Seu maior atributo era o olhar. Tenho certeza de que nunca vi — e creio que poucas pessoas viram — um olhar tão doce, expressivo, acolhedor e profundo. Triste? –– poder-se-ia perguntar. Às vezes, sim; melancólico, não. Vou tentar recordar, em algumas palavras, um traço muito fugidio desse olhar, ao qual nunca vi ninguém se referir: ao falar com os sobrinhos ou com os jovens que freqüentavam a casa, via-se nele como que um desafio, um repto, um convite para que enfrentassem as vicissitudes da vida — a cruz, que todos nós temos de carregar — com galhardia, ânimo e alegria; pois não pensássemos que ela, por razões de seu isolamento, doenças e certa carência de recursos materiais, se sentisse menos feliz do que eles.
Para ela, a resignação, a conaturalidade com o sofrimento, a noção de que os valores fundamentais da vida são de ordem moral, faziam parte de seu modo de viver e de observar as coisas. Segundo ela, existe entre o bem e o mal uma oposição radical, infensa a concessões ou a meios termos. Deus existe, Nosso Senhor fundou a Igreja, que é infalível e deve nos guiar. Suas devoções principais foram para com o Sagrado Coração de Jesus e para com Nossa Senhora. O resto lhe era totalmente secundário, e só valia na medida em que fosse virtuoso, belo e consoante com a doutrina católica. O pecado, a feiúra, a sujeira, a anormalidade se equivalem, e devem ser rejeitados com toda a força da alma.
Não tenho dúvidas de que as devoções de tia Lucilia e sua visão do mundo — simples por um lado, plenas de certeza por outro — foram transmitidas, pelo leite materno, ao seu “filhão” muito querido.
Numa infância calma, forjou-se um aguerrido polemista
Da. Lucilia foi a fonte da aversão de Plinio por tudo quanto era modernizante, pouco cerimonioso e igualitário |
Quem conheceu Plinio no apogeu de suas polêmicas contra o progressismo católico, o agro-reformismo socialista e tantos outros movimentos revolucionários, talvez tenha dificuldade em compreender que seu natural era muito pacífico e cordato; alegre até, poder-se-ia dizer.
Pelo que se contava na família, e as fotografias daquele tempo o confirmam, na sua infância foi um menino de temperamento calmo, pacífico (bem ao contrário de sua irmã), um pouco sonhador, ainda desarmado para se opor à truculência de seus futuros colegas de escola; detestava debates acalorados, gritarias, palavrões sobretudo. Gostava de trocar idéias com seus primos e amigos, mas sempre que as discussões esquentavam, preferia encerrá-las.
Antiga fotografia, pertencente à família, mostra Rosée aos sete anos, pequena, viva e atenta, andando por uma calçada e puxando pela mão o irmão — dois anos mais moço, mas de sua altura — que com ar absorto e distraído olhava para algum ponto indefinido do horizonte. A governante alemã Fräulein Mathilde sempre comentou como os dois irmãos eram diferentes: Rosée, alerta, desconfiada, pronta para defender suas prerrogativas; Plinio, meditativo, cordato, ainda desarmado contra a agressividade dos futuros maus colegas de escola, infenso a desordens e discussões, pensando talvez nas delícias de um bom lanche preparado pela queridíssima mãe.
Tenho certeza de que nunca vi — e creio que poucas pessoas viram — um olhar tão doce, expressivo, acolhedor e profundo como o de tia Lucilia |
Lembro-me de ter notado, apesar de ainda ser pequeno, uma característica que marcou toda a vida de meu primo: sua presença, suas idéias, suas certezas, principalmente, rachavam o público de alto a baixo. Meu pai fazia não poucas restrições ao modo de Plinio pensar e agir. Eu, graças sem dúvida a uma proteção muito especial de Nossa Senhora, absorvia no entanto, deslumbrado, as descrições que ele fazia do Ancien Régime e os relatos das memórias de tantas figuras de realce da História, sobretudo francesa.
Amiúde Plinio recordava um conselho que havia recebido de seu pai, Dr. João Paulo. Certo dia, não sei quando, depois de uma magnífica dissertação de um outro tio durante uma reunião de família, tio João Paulo chamou o filho e lhe disse: “Plinio, preste atenção. Você viu como seu tio é um bom expositor, agradou a todos. Mas ele não foi preciso ao enunciar seu pensamento. Ele é sempre assim, o pensamento não sai com precisão. Meu filho, nunca seja assim. Esforce-se. O enunciado do seu pensamento tem de ser sempre preciso, nítido”.
Ele tinha a tendência a exprimir o conceito de forma muito adaptada a quem o ouvia ou lia, sem entretanto deturpá-lo em nada; e ainda a relacioná-lo com fatos da atualidade ou com alguma realidade humana, o que o tornava mais fácil de ser entendido por quem o ouvia. Esta deve ser, talvez, a razão da crítica infundada que alguns faziam ao seu modo de discutir, afirmando que seu raciocínio era “psicologizado”. Com efeito, graças ao seu senso psicológico agudo, ele percebia as menores variações dos estados de alma de seus interlocutores.
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