Plinio Corrêa de Oliveira, desde pequeno, cultivou os valores contra-revolucionários
03/10/2008
Adolpho Lindenberg
A “Contra-Revolução” em marcha
Sem ter ainda montado a estrutura de sua obra Revolução e Contra- Revolução — que só veio a lume em 1959 —, sua pessoa já era a Contra Revolução em marcha |
Como se pode imaginar, no seu modo de vestir, comportar-se, falar, tecer elogios a eras passadas, e sobretudo criticar o mundo moderno, Plinio era um contra-revolucionário total, sem disposição para concessões. Sem ter ainda montado a estrutura de sua obra Revolução e Contra-Revolução — que só veio a lume em 1959 —, sua pessoa já era a Contra Revolução em marcha. Monarquista, entusiasta do Ancien Régime, contrário às modas extravagantes, crítico acerbo da arte contemporânea e da influência hollywoodiana em nossos costumes, desconfiado das benesses da industrialização e do progresso, ele manifestava por todos os poros uma oposição veemente a tudo o que participasse dos erros modernos.
No que se refere à arquitetura, sua preferência, seu entusiasmo, seu enlevo, sempre foi para o gótico, estilo que não foi herdado de uma civilização pagã, mas fruto de uma civilização verdadeiramente cristã — a Idade Média. No estilo gótico, Plinio apreciava enormemente as rosáceas multicolores e os vitrais das catedrais. Vivendo num ambiente em que alguns manifestavam admiração pelo estilo moderno, pode-se imaginar o cenário de polêmicas vivíssimas em que se transformou a casa de vovó.
Se as polêmicas aparentavam um ambiente tenso entre tios e sobrinhos, por outro lado o convívio diário era animadíssimo, e isso em grande parte pela alegria e jovialidade com que Plinio participava de brincadeiras, de conversas sem fim. E sobretudo de jantares opulentos em restaurantes alemães e italianos, que na época começaram a se abrir em São Paulo.
Lembro-me também de seu assombroso apetite. Em seus almoços e jantares, começava por comer algumas fatias de pão com bastante manteiga; depois se servia de uma entrada seguida pelo prato principal; e no final, doces, frutas ou sorvetes. O que distinguia suas refeições eram os comentários que fazia — esses, sim, truculentos — sobre as virtudes dos diversos pratos. Quais suas preferências? Do que ele não gostava? Nisso era um fiel seguidor de Eça de Queiroz, para quem todos os pratos, requintados ou simples, são deliciosos, desde que seus ingredientes sejam de primeira ordem, preparados com cuidado e servidos largamente.
Era de personalidade extrovertida, exuberante, bem-humorada e benquerente. Com sua figura imponente, era cerimonioso ao extremo, mas afável e sempre interessado nos assuntos levantados pelos interlocutores. Lembro-me muito bem de um jantar na casa de uma tia nossa, durante o qual ele se sentou ao lado de uma ginecologista. Ouviu com tanto interesse as digressões sobre a necessidade de serem construídas mais maternidades na cidade, que ela ficou pasma ao saber que era um advogado, e não um médico.
Profundo discernimento das características dos povos
Dr. Plinio e sua irmã Da. Rosée |
Tia Lucilia, apesar de seus limitados recursos financeiros e de sua preferência absoluta por tudo o que fosse francês — parcialidade essa sempre criticada pelo meu pai, germanófilo à outrance —, contratou uma governante alemã bávara para educar seus filhos, Rosée e Plinio. Fräulein Mathilde, católica, monarquista, culta, européia a mais não poder, abriu os olhos de seus pupilos para os esplendores da Idade Média, levou-os a admirar as grandes figuras do passado, dissertou sobre os fins trágicos da maioria das famílias reinantes na Europa.
Essa abertura de horizontes permitiu a Plinio, anos depois, discorrer com freqüência e gosto sobre as qualidades e limitações de cada povo europeu. As comparações que fazia sobre as características dos franceses, alemães, ingleses, italianos, espanhóis, húngaros, etc, de tão interessantes poderiam perfeitamente ser publicadas em separatas.
Lembro-me de um espanhol afirmar que só compreendeu a grandeza de sua terra natal depois de ter assistido a uma conferência na qual Plinio elogiava os traços ainda existentes do espírito de cruzada na alma espanhola, a altivez e o espírito varonil do caráter ibérico, o destino glorioso que ainda aguardava a Espanha numa futura época de civilização católica. Brilhantes também foram suas comparações entre prussianos e bávaros. As conclusões a que elas conduziam me levaram a acreditar que a Fräulein Mathilde teve uma participação não pequena nessas apreciações.
Admiração pelos grandes personagens da História
Da. Lucilia contratou Fräulein Mathilde, uma governante alemã bávara, para educar seus filhos. Da esq. para a dir., Plinio, sua prima Ilka, Fräulein Mathilde e Rosée, a irmã. |
Nos dias de hoje, a mente das crianças é povoada por monstros ou figuras de reinos imaginários e pagãos. Porém, na imaginação dos dois irmãos, Plinio e Rosée, habitavam fadas, príncipes, cruzados, grandes santos, reis, rainhas, heróis e personagens de realce do Ancien Régime. Figuras como Carlos Magno, Roland, Santa Joana d’Arc, Felipe II, Luis XIV, personagens das memórias do Duque de Saint-Simon e tantas outras, ficaram tão próximas a Plinio, a ponto de ele referir-se a elas com a mesma naturalidade com que seus primos se referiam aos artistas de cinema ou aos jogadores de futebol. As prosas na saleta dos moços na casa de vovó eram pelo menos curiosas: Rodolfo Valentino e Friedenreich (jogador de futebol dos anos 30) alternando-se muito harmonicamente com La Grande Mademoiselle, Maria Antonieta e Chateaubriand...
Fräulein Mathilde ensinou-os também a distinguir tudo aquilo que é honesto, nobre, elevado, verdadeiro, das coisas chulas, ordinárias, falsas ou mesquinhas. Levou-os a compreender que a educação e a elevação de espírito são valores intrinsecamente superiores à riqueza material e às glórias efêmeras que o mundo pode oferecer. Compreende-se assim como, desde pequeno, Plinio conheceu o primado da cultura, da finura e do espírito aristocrático.
Não foi sem razão, por conseguinte, que duas realidades disputavam a primazia dentro de minha cabeça de criança: o mundo de meus outros primos –– corriqueiro, banal, com prevalência do imediato, cheio de contradições, materialista e hedonista –– e o mundo de Plinio, com seus absolutos, suas grandezas, seus píncaros do espírito a serem atingidos.
Certeza de suas convicções e santa intransigência
Plinio vestido de espanhol numa festa em Águas da Prata (MG) |
Como aluno dos jesuítas, Plinio aprendeu desde cedo a arte das disputas ideológicas, os meandros da boa argumentação, a habilidade em se defender de falsos argumentos. Sua placidez e objetividade constituíram também armas eficazes nas polêmicas e perseguições de que foi vítima. Com efeito, ele ouvia calmamente os argumentos e as objeções de seus interlocutores, e depois os ia desmontando, rebatendo, separando o verdadeiro do errado, e tudo isso com uma lógica inaciana, num tom de voz forte mas desapaixonado.
Sua principal força residia, no entanto, na certeza e segurança de suas convicções. O superior de um colégio –– no qual ele fora fazer uma conferência para os alunos –– queixou-se de que, sempre que convidava Plinio para falar, o ambiente ficava alvoroçado com discussões, que se prolongavam por bom tempo após o término da exposição. Eu redargüi, elogiando o interesse dos rapazes pelo debate de temas ideológicos, mas ele foi peremptório: “O Plinio é de uma radicalidade insuportável. As verdades precisam ser apresentadas de modo diplomático, não com essa afirmatividade”. De fato, ele era tão infenso a meios termos e concessões em questões de ortodoxia católica, que transmitia a muitos a impressão de excessiva intransigência. Chegaram injustamente a acusá-lo de fanático.
O ardente anseio por uma civilização ideal
Com apenas 22 anos, Dr. Plinio formou-se em Direito pela Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo |
Essa impressão de intransigência e de espírito categórico que Plinio causava era reforçada pela vitalidade e desassombro com que defendia verdades de há muito esquecidas. Num tempo em que só as senhoras eram católicas praticantes e iam à Missa, em que os homens, em sua imensa maioria, eram positivistas, maçons e liberais, ele, com sua voz forte, proclamava em alto e bom som que a moral católica deveria ser praticada por todos, mulheres e homens. Num tempo em que nos meios católicos só se louvavam a paciência, a humildade e a conformidade, dizia que os católicos deveriam afirmar sua fé com desassombro, ser combativos e capazes de vencer os inimigos da Santa Madre Igreja. Mais ainda, que deveriam se arregimentar e formar um movimento que tivesse condições de influir nos destinos do País e alterar o rumo dos acontecimentos.
Amigos mais próximos de Plinio, todos aprendemos com ele, ao longo de nossas vidas, a desejar uma sociedade ideal, numa civilização autenticamente cristã — chamada internamente por nós, com base nos escritos de São Luís Grignion de Montfort, de Reino de Maria. Tal sociedade deverá ter um tônus sacral, uma organização social orgânica e hierárquica, e refletir a doutrina católica em toda a amplitude desta expressão. Em meu estreito convívio com Plinio, pude constatar como ele era um modelo vivo, uma pré-figura dessa futura sociedade ideal.
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Veja:
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