Um emblemático guerrilheiro tupamaro da década de 70 governará o Uruguai


11/01/2010

Fernando Montabone

“O movimento tupamaro não foi senão um show com pólvora e sangue, mediante o qual o imperialismo soviético tentou conquistar a República Oriental do Uruguai” (Plinio Corrêa de Oliveira)

Extravagância de nossos tempos. Nas recentes eleições, a maioria dos uruguaios escolheu para a primeira magistratura da nação um personagem de todo singular, tanto pelo curriculum vitae como pelo peculiar modo de viver, vestir, falar: chama-se José Pepe Mujica, um homem beneficiado pela generosa e unilateral anistia concedida ao terrorismo, após penar 14 anos na prisão. Um líder do mais radical movimento terrorista de guerrilha urbana — o MLN-Tupamaros — que assolou o Uruguai nas décadas de 60 e 70. Além de causar inúmeras vítimas, esse movimento guerrilheiro esteve a poucos passos de institucionalizar e perpetuar indefinidamente no Uruguai e em Cuba, com reflexos em todo o Continente, a violação da Lei divina e do Direito natural.


José Mujica
Extravagante, dizemos, pois os que viveram aqueles dias amargos sabem que um sangrento show clérico-tupamaro punha em xeque as instituições uruguaias; que uma notável reação popular impedia as instituições de capitularem completamente; que a agressão terrorista se realizava mancomunadamente no terreno religioso, psicológico e físico; que uma integridade moral de base, poucas vezes vista, impôs a reação conservadora das Forças Armadas. E as mesmas pessoas que viveram aqueles dias amargos nunca podiam sequer conceber que, quatro décadas depois, os unanimemente execrados de então chegassem à presidência do Uruguai. Pior do que isso, que em grande número de casos eles contribuíssem para isso com os seus próprios votos...

Que imensa mudança!

Não menos inaudito era imaginar a suspeição, a desconfiança e a perseguição a que se veriam sujeitos, algumas décadas depois, aqueles mesmos que, apoiados pela imensa maioria do Uruguai, realizaram essa benemérita gesta de salvação nacional, impedindo assim que uma ditadura marxista clérico-tupamara se assenhoreasse do país. Dois presidentes da República daquela época estão presos.

Que desconcertante mudança: os que estavam no cume encontram-se no chão; os que se encontravam nos cárceres estão hoje no governo!

Como pôde isto acontecer, e com tanta naturalidade, sem sustos nem sobressaltos, num ambiente de confraternização que se diria geral?

Quem resolve esta charada?

Antes das eleições, Tradición y Acción por un Uruguay Auténtico, Cristiano y Fuerte, entidade que recolhe os ideais e a gloriosa herança de Tradición, Familia y Propiedad, publicou um manifesto de página inteira em “El País”, principal jornal do Uruguai, chamando a atenção para este enigma. Ao mesmo tempo, advertia os uruguaios com a frase da famosa esfinge, colocando a alternativa: “Tu me decifras ou te devoro”.

Realmente, ou entendemos em profundidade o que está sucedendo, ou seremos devorados pelos acontecimentos.

No referido comunicado, intitulado O bem do URUGUAI, as próximas eleições e o futuro da América Latina, advertia-se que “uma disputa eleitoral aparente camufla e desvia a controvérsia real, induz o eleitor ao engano e coloca o país em grave risco de precipitar-se, sem o saber, no caos do socialismo chavista do século XXI”.

Seguindo o esquema tomista de ver, julgar e agir, nele se mostrava o antecedente imediato desse resultado eleitoral, inaudito na perspectiva dos anos 70, quando a esquerda unida, ostensivamente dissociada dos tupamaros, não atingia 18% do eleitorado, ao passo que hoje, encabeçada por um tupamaro histórico, ultrapassa 50%. Mas sem renegar seu passado, sem mudar de nome — e aí está uma das chaves do enigma — esse tupamaro se metamorfoseia. Já não ameaça nem incita ao seqüestro, ao roubo, ao assassinato. Longe estão os dias dos cárceres do povo, dos julgamentos, das sentenças e dos acertos de conta “populares”. Não mais se ouve o estampido das bombas nem se vêem as metralhadoras. Não há medo de invasões de cidades nem de que se tome e exerça o Poder pelas armas. Metamorfose sintetizada nestes ditos eleitorais de Mujica: “Digo adeus à minha velha conduta política; O modelo sueco ou o da Nova Zelândia? – Tiro o chapéu; o exemplo a seguir é Lula. Grande Lula! Unindo os diferentes!”

Os tupamaros chegam hoje ao poder, estendendo a mão à força política não propriamente adversária, mas antes alternativa. Ao comemorar seu triunfo, e contrariando sua imagem histórica de incitar ao ódio de classes e à divisão dos uruguaios, Mujica dirigiu-se precisamente aos “compatriotas que têm tristeza e que são irmãos de nosso sangue”. E elevando a voz, proclamou: “Nem vencidos nem vencedores. Apenas elegemos um governo, que não é dono da verdade, que precisa de todos. Devemos escutar em primeiro lugar aqueles que não concordam conosco, porque terão suas razões e são uma parte da realidade”. Manifestou ainda seu “reconhecimento aos homens que representaram o Partido Nacional, o Partido Colorado, o Partido Independente, todos compatriotas”.

Esta metamorfose não é exclusiva da esquerda tupamara. Mais. Ela teria sido impossível se hoje não tivesse ocorrido também, paralelamente, entre seus adversários de ontem, transformando-os em alternativa e complemento. Está efetivamente havendo uma evolução doutrinária e temperamental recíproca em todo o espectro político uruguaio. Seguindo uma tendência universal, este diminui distâncias, lima diferenças, dissimula identidades, esconde os anseios e as convicções mais autênticas das pessoas. Em conseqüência, vai transformando a arena política num campo de engano e de mentira no qual se exila a verdade, desnaturando o regime de designação das autoridades, frustrando de modo perigoso os cidadãos, terminando por divorciar a sociedade do Estado.

Denúncia de Tradición y Acción


Fac-símile da publicação

Em seu pronunciamento, Tradición y Acción descrevia com exemplos as posturas eleitorais dos candidatos, que se caracterizavam por um jogo de “espelhos e de miragens políticas e religiosas, nos quais se dissimula o que se é e se aparenta o que não se é; moderados no que dizem, mas radical um, tímido e condescendente outro naquilo que calam e escondem; ambos omissos nas questões candentes mais importantes do momento”. E incluíam como tais “questões candentes”, entre outras, o “casamento” homossexual, o aborto, o divórcio, o desfazimento da família, das instituições e do próprio Estado. E os apresenta como concordes em elidir a questão religiosa, outrora tão candente no Uruguai.

Era duro denunciá-lo, mas o bem comum exigia fazer notar que, “acompanhando este mesmo jogo de espelhar o contrário, confundir em vez de distinguir e esclarecer, a autoridade eclesiástica aparece no quadro político- eleitoral como a que nas suas declarações se mostra menos sutil e mais radical em propiciar a (des)ordem igualitária, que é a meta última do comunismo, assim como o desmantelamento do princípio da propriedade privada”. “Abençoando” este jogo de espelhos deformadores, antecipando inclusive o discurso conciliador do presidente eleito ao qual fizemos menção, “dava a entender que as duas opções não só se equiparam, mas se combinam e complementam; chama a não confrontá-las, mas a nos enriquecermos com a outra opção, procurando seus pontos positivos; [!] declara que cumpre não canonizar uma opção e demonizar a outra”.


O diário comunista, La República, publicou virulento editorial contra o manifesto de Tradición y Acción

Não só isso. “Ao tratar de problemas tão essenciais de moral social, como o são os atinentes à família, ao aborto, às uniões aberrantes, o episcopado uruguaio se manifesta como a instituição mais ostensiva e reiteradamente laica; faz questão de sublinhar que não são temas de religião, de filosofia ou de sociologia; ou seja, as autoridades eclesiásticas são as que põem ostensivamente de lado Deus e sua divina Lei; exilam-No do debate, como se nada tivesse que ver e nada houvesse ensinado, estabelecido, mandado ou proibido a respeito; como se fosse um obstáculo ao entendimento entre os homens; como se fosse possível construir uma civilização e uma paz verdadeiras quando se marginaliza e contraria frontalmente o Criador, Sustentador e Providência do homem e da sociedade. Resumindo: ‘Deus, o grande excluído’, em vez da linda expressão francesa: ‘Deus o primeiro servido’”.

Mudança de tática da Revolução

O manifesto de Tradición y Acción, após transcrever o enigma mitológico da esfinge — um monstro com rosto feminino, corpo de leão e asas de pássaro, pronto a devorar todo aquele que não adivinhe seus prognósticos — termina dando a chave para se resolver o enigma e não ser devorado.

Com efeito, na sua magna obra Revolução e Contra-Revolução, Plinio Corrêa de Oliveira ensina que “a Revolução é um processo em transformação contínua”. E este processo sofreu uma imensa transformação em conseqüência da surpreendente derrubada do capitalismo de Estado e das ditaduras do proletariado: a Revolução, sem mudar de alma, mudou de rosto.

Numa formidável antevisão dos nossos dias, com 30 anos de antecedência o pensador católico brasileiro parece descrever o tupamaro Mujica, enquanto candidato e como presidente eleito, ao afirmar: “O comunismo coloca uma máscara risonha, de polêmico torna-se dialogante, simula estar mudando de mentalidade e de atitude, abre-se a toda espécie de colaborações com os adversários que antes tentava esmagar com a violência [...], deixa de ameaçar e agredir, passa a sorrir e pedir...”

Mas, com esta metamorfose, o comunismo não se desmente, antes pelo contrário: “Longe disto, usa o sorriso apenas como arma de agressão e de guerra, e não extingue a violência, mas a transfere do campo de operações, do físico e palpável para as atuações psicológicas impalpáveis. [...] Trata-se de uma verdadeira guerra de conquista — psicológica, sim, mas total —, tendo por objetivo o homem todo, e todos os homens em todos os países”.

 

Tradición y Acción mandou celebrar uma Missa pedindo a proteção divina para o país

Prestemos assim atenção, antes que seja demasiadamente tarde, às proféticas, sábias e oportunas advertências de um varão católico que consagrou sua vida à defesa da civilização cristã e da Igreja, e ao qual uma e outra tanto devem. Este é o grande problema da hora atual. Por acaso não é isto também — para nos atermos apenas ao nosso país — o que vimos no primeiro governo da Frente Ampla? Com as peculiaridades próprias, não é isso o que presenciamos atualmente e veremos desenvolver-se, na dupla recentemente eleita Mujica-Astori para presidente e vice-presidente da República?

Devemos, pois, estar prevenidos e vigilantes, não admitindo como realidade uma simples miragem estratégica de moderação e convergência. De fato e em profundidade, esta aperfeiçoa e torna mais devastadora a agressão em marcha contra as instituições e costumes do Uruguai e do Ocidente. É forçoso compreender que há um novo modo de proceder da Revolução: Dissimular o que se é, aparentar o que não se é. Falsidade esta que faz com que as instituições percam sua base de sustentação e sua razão de ser, começando a girar no vazio. Corrói-se assim de modo imperceptível — e por isso mais perigoso e fatal — não somente todo o sistema institucional do país, mas a própria estrutura mental dos atores sociais e do próprio indivíduo, cada dia mais apático e desinteressado da coisa pública.

Estamos diante de uma profunda erosão do Estado de Direito, feita a partir de dentro. Não seria diferente se ela estivesse cientificamente programada para nos conduzir ora pela mão direita, ora pela esquerda, em meio à apatia generalizada rumo à meta anarco-caótica sonhada pelos mentores do comunismo.

Que a Virgem Santíssima dos Trinta e Três, Padroeira do Uruguai, nos dê graças superabundantes para compreender quão importante é, neste momento, discernir a nova estratégia da Revolução, muito mais do que avaliar o triunfo desta ou daquela alternativa eleitoral. E nesse convencimento, acolhamo-nos sob sua materna proteção, certos de que fora de Deus não há salvação social nem individual. Se o homem não respeita a Deus, não há razão para que respeite outro homem. Ele resvala insensivelmente para o estado selvagem: homo homini lupus.

Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

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