Uma peregrinação ao Santo Sudário
01/06/2010
Frederico R. de Abranches Viotti
Uma figura na qual o auge do sofrimento foi o auge do amor. Esplendor do milagre reservado ao século da ciência, e a misericórdia concedida ao mundo contemporâneo
Um grande silêncio toma conta da galeria, onde centenas de peregrinos caminham calmamente. Durante cerca de trinta minutos -- ou algumas horas, em certos dias -- esses peregrinos aguardam o momento de passar diante daquela que é, certamente, a maior relíquia da Cristandade: o Santo Sudário, o lençol que envolveu o corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo após a Crucifixão, até sua gloriosa Ressurreição.
No último dia 30 de abril, após assistir a uma conferência organizada pela associação italiana Luci sull'Est, pude visitar esse inigualável tesouro de nossa fé. A conferência foi realizada por vários expositores, com a presença de quase 500 pessoas. Na abertura usaram da palavra Dom Juan Rodolfo Laise (bispo emérito de San Luis, Argentina) e o Sr. Julio Loredo (presidente da TFP italiana). Em seguida, proferiu sua palestra a Profª. Emanuela Marianelli, especialista no estudo científico do Sudário.
O bombeiro Mario Trematore, resgata o Santo Sudário |
O bombeiro Mario Trematore, que resgatou o Sudário durante o incêndio ocorrido na catedral de Turim (Itália) em abril de 1997, contou alguns fatos até então desconhecidos daquele público. Destaca-se a lembrança que ele conserva do momento em que, rompendo o vidro de proteção, alcançou o grande relicário que guardava o Santo Sudário. Nesse instante, como que amparado por anjos, ele pôde carregar aquele enorme relicário e levá-lo para fora da catedral, sem sentir seus pés tocarem o chão nem mesmo o peso daquela preciosa caixa. Para ele foi um milagre, que marcou sua vida. Sua corajosa ação gerou admirações no mundo inteiro, e também ódios inexplicáveis. Contou ele que foi agredido em duas ocasiões por pessoas desconhecidas, pelo fato de ter salvo das chamas a preciosa relíquia (para conhecer detalhes do acontecimento, vide Catolicismo, edições de novembro/97 e abril/2007, que reproduzem entrevistas com o próprio bombeiro).
A importância da sagrada relíquia
O Santo Sudário não é exposto com freqüência. Está muito bem guardado em um relicário precioso, na bela catedral de Turim. Em ocasiões especiais a Igreja o coloca em exposição, para que pessoas do mundo todo possam venerar essa relíquia deixada pelo próprio Deus aos homens, a fim de confirmá-los na fé.
Narra a Sagrada Escritura sobre o Sudário: "Chega, então, também Simão Pedro [...] e entrou no sepulcro; vê os panos de linho por terra e o sudário, que cobrira a cabeça de Jesus. O sudário não estava com os panos de linho no chão, mas dobrado em um lugar à parte" (Jo 20, 6-8). Dobrado, e não jogado ao chão, mostrando a importância dessa relíquia que testemunhou o maior milagre da nossa fé: a Ressurreição do homem-Deus, operada por Ele mesmo. São Paulo põe em realce a importância da Ressurreição, com as seguintes palavras: "Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé" (1 Cor 15, 14).
Durante sua vida, Nosso Senhor operou diversos milagres, inclusive ressuscitando mortos, como seu amigo Lázaro (Jo 11, 43). Muitos santos também operaram milagres como esses, e com isso glorificaram o poder de Deus sobre a vida e a morte. Todavia, jamais um homem seria capaz de ressuscitar a si mesmo, se não fosse Deus. A esse respeito, afirmou Nosso Senhor sobre sua vida: "Tenho o poder de entregá-la e o poder de retomá-la" (Jo 10, 18).
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O milagre reservado ao "século da ciência"
O Sudário de Turim é mais do que uma relíquia, é um milagre permanente. Um milagre reservado especialmente aos homens de nossa época, em que a ciência buscou explicar a origem da vida, porém relegando a Religião a uma posição secundária. Ensina Santo Tomás de Aquino que a razão e a fé andam juntas, pois Deus é o criador de ambas. Quando bem orientadas, tanto a Religião quanto a ciência levam-nos ao conhecimento de Deus.
Durante dezenove séculos, a imagem do Sudário permaneceu gravada no tecido de forma inexplicável. O seu verdadeiro significado só foi descoberto com o advento da técnica fotográfica. A partir daí, passou por centenas de testes científicos, alguns deles realizados pela Agência Espacial Norte-Americana (NASA).
O primeiro fato científico inexplicável sobre o Sudário ocorreu depois que se inventou a máquina fotográfica. Até o final do século XIX a relíquia era venerada, devido às manchas de sangue e ao semblante que marcou o tecido. Um semblante que deu origem a diversas imagens de Nosso Senhor ao longo dos séculos. A fé do povo católico nunca se arrefeceu a esse respeito, sempre crendo firmemente.
Sr. Mario Trematore |
Mas um fato novo se deu quando Secundo Pia, um advogado italiano, fotografou a relíquia. No dia 28 de maio de 1898, quando se encontrava na sala escura fazendo a revelação, surpreendeu-se ao ver no negativo fotográfico um semblante muito mais nítido e majestoso do que aquele venerado pelos cristãos nos séculos passados. Antes escondida dos olhares humanos, a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo aparecia agora com grande nitidez. Uma imagem majestosa e serena, de alguém que possuía o completo domínio sobre si mesmo.
Catolicismo já descreveu essas descobertas científicas em diversos artigos (vide, por exemplo, edição de junho/98), e não nos cabe neste curto espaço tratar de todas elas, inclusive das circunstâncias estranhas que cercaram o teste do carbono-14, já descartado pelos cientistas que se especializaram no tema.
Depois de tantos testes e descobertas surpreendentes, não resta dúvida de que Deus, em sua infinita misericórdia e sabedoria, deixou reservada aos homens de nossa época, tão confiantes na técnica e na ciência, a revelação exuberante de uma relíquia capaz de desconcertar o mais cético dos ateus. O Santo Sudário, além de ser uma relíquia, é uma "pedra de escândalo" para a modernidade em que vivemos e um convite constante à conversão e ao sofrimento amparado pela fé.
Sr. Julio Loredo |
Sofrimento, recusado pela maioria dos homens
São raros os seres humanos que compreendem a grandeza do sofrimento. Plinio Corrêa de Oliveira costumava dizer: "Trabalhar, muitos trabalham; rezar, alguns poucos rezam; sofrer, ninguém quer".
Os casamentos, por exemplo, atualmente não duram, porque os cônjuges não querem sofrer. Busca-se apenas o prazer da vida, evitam-se os filhos, abandonam-se os pais (que também não souberam sofrer pelos filhos), e cada qual não atura os defeitos do outro. E o mundo moderno, que foge do sofrimento, torna-se um lugar de dor e solidão.
No Santo Sudário, o sofrimento é patente. Um sofrimento cheio de grandeza e majestade, sereno e perfeito, em que a dor é sofrida sem pena de si e repleta de amor de Deus. A face estampada no Sudário é uma face da dor. Não uma dor qualquer, mas a do Filho de Deus morto pelos pecados dos homens. Nesse sentido, ele não é "apenas" um milagre específico para a época em que vivemos, mas também o remédio do qual nosso século tanto necessita.
Profª. Emanuela Marianelli |
Assim, poderíamos perguntar: neste mundo, quanta dor existe porque os homens não querem sofrer? O sofrimento, suportado por amor a Deus, torna-se leve e suave ("Meu jugo é suave e o meu fardo é leve" - Mt 11, 30), enquanto a recusa do sofrimento torna-se um fardo insuportável. Para um católico, a verdadeira felicidade passa pela porta do sofrimento. Afirmou o Divino Mestre no Evangelho: "Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me" (Mc 8,34).
Deus nos transforma pelo sofrimento
Dada a natureza humana decaída, o sofrimento é o caminho normal para transformar o homem, que nasceu no pecado, em homem ressuscitado pela graça. Um católico não foge do sofrimento, mas oscula-o como Nosso Senhor osculou a Cruz quando a recebeu dos algozes romanos. Não se trata de sofrimento doentio, mas de um padecimento que é fruto do amor.
Se um bloco de mármore pudesse sentir e pensar, reclamaria pela dor suportada quando um grande artista se utiliza dele para esculpir uma obra de arte. Todavia, após esse "sofrimento" ele poderia olhar para si mesmo e dizer: "Valeu a pena! Como fiquei formoso!"
Deus nos transforma em Cristo, para que possamos dizer como São Paulo: "Já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim" (Gal. 2, 20).
As maiores alegrias resultam do sofrimento
No alto da Cruz, tendo cumprido sua missão e redimido o gênero humano, Nosso Senhor alcançou o auge da felicidade. Ele tinha completado tudo que foi chamado a realizar, e podia dizer: "Consummatum est!" (Tudo está consumado, Jo 19,30). Deus, que poderia ter dado uma simples gota de seu sangue para operar a Redenção, desejou dar tudo, absolutamente tudo.
Não há área de atividade humana em que a alegria de realizar algo não esteja na proporção de sua dificuldade. No que diz respeito à virtude, o mesmo se dá com a alegria de ter cumprido o dever, amando e sendo amado por Deus. A felicidade só é alcançada quando o homem, que tem um desejo crescente de felicidade, encontra para saciá-lo o Ser infinito, que é Deus.
A Mater Dolorosa junto à santa Cruz
Nessa visita ao Santo Sudário, não poderia faltar Aquela que esteve sempre ao lado de seu Filho, e que a Igreja tão apropriadamente chama "Mãe sofredora". Ela, que permitiu a morte de seu divino Filho pelos pecados dos homens, sofreu com Ele e por Ele, por homens indiferentes ou cúmplices da crucifixão, aos quais Ele havia feito apenas o bem.
Era o momento central da história da humanidade, quando morria o Filho de Deus naquele auge de sofrimento, depois de se ter entregue pelos homens muito mais do que qualquer um poderia imaginar. Seu corpo envolto no Sudário foi depositado nos braços de sua Mãe, e depois no sepulcro, e após dois mil anos esse mesmo Sudário nos lembra a Paixão, Morte e Ressurreição do Salvador da humanidade. Convida-nos a amar o sofrimento ao lado da Virgem Santíssima, e a não temer: "Não temer porque estou aos pés de Nossa Senhora, junto da qual se reagruparão sempre, e sempre mais uma vez, para novas vitórias, os verdadeiros seguidores da vossa Igreja" (Plinio Corrêa de Oliveira, Via Sacra, in Catolicismo, março/1951).
Veja:
http://www.catolicismo.com.br
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