Trabalho Escravo Nova arma contra propriedade privada


17/02/2005

Nelson Ramos Barretto

“Escravos” reincidentes, com saudades do patrão

O conceito de escravidão, para os fiscais do trabalho, parece ser bem diverso do pensamento dos trabalhadores. “O que mais surpreende os técnicos do Ministério do Trabalho é que nem todos os trabalhadores querem voltar para casa. Depois de receberem o dinheiro, muitos deles pedem para voltar à fazenda”.(6)

Até mesmo o gato, que seria para os fiscais um traficante de escravos, goza de outra reputação perante os trabalhadores. Uma reportagem da “Folha de S. Paulo” informa que os trabalhadores por vezes recompensam o gato, dividindo com ele o valor das rescisões: “O Ministério do Trabalho retirou 41 trabalhadores de uma fazenda em São Félix do Araguaia (MT), no ano passado, que haviam sido aliciados pelo ‘gato’ Edivaldo Brandão Araújo em uma pensão em Espigão do Leste (MT). Os peões dividiram o dinheiro das rescisões trabalhistas com o ‘gato’, que chorou emocionado diante dos fiscais.(7)

A mesma reportagem sensacionalista da “Folha de S. Paulo” sobre o TE contém declarações do prefeito Oziel Oliveira (PP), do município de Luiz Eduardo Magalhães (BA). Nessa região, oeste da Bahia, ocorreram as operações de fiscalização de maior vulto em 2003, com o resgate de mais de mil trabalhadores: “Na avaliação de Oliveira, não se poderia falar em trabalho escravo na região. ‘Os trabalhadores podem sair na hora que quiserem, até porque não há cerca nas fazendas’. Ele diz que a divulgação dada às autuações do Ministério do Trabalho prejudicou a região — que tem 3 milhões de hectares de cerrado passíveis de uso para plantio — e que muitos investidores teriam perdido o interesse”.(8)

Condições precárias que são as mesmas da região

Os promotores da campanha contra o pretenso TE reconhecem que o “ingrediente principal [da escravidão] é a coerção física e moral que cerceia a livre opção e livre ação do trabalhador”.(9) No entanto, basta existirem condições precárias no campo, para já enxovalharem o fazendeiro como escravocrata. A realidade e os costumes do município não entram na consideração dos fiscais.

O senador João Ribeiro (PFL-TO), que foi denunciado “por sujeitar 38 trabalhadores rurais a condições semelhantes à de escravidão”, mostrou que as condições de higiene encontradas nos alojamentos de sua fazenda não são diferentes da realidade do município de Piçarra (PA), onde está localizada: “Dos 2.846 domicílios particulares, segundo a defesa do senador, apenas um possui banheiro ou sanitário com esgotamento. Em 1.606 há banheiro ou sanitário, porém sem esgotamento. E em 1.239 não foram encontrados sanitários ou banheiros. Ele acrescenta que a rede geral de abastecimento de água atende apenas 14 domicílios particulares e só 55 recebem coleta de lixo”.(10)

O senador confirma que “a casa em que estavam os agricultores era um rancho mesmo de palha, como é a prática da região, mas tem bomba de água, com motor de luz, antena parabólica e até televisão”.(11)

Legitimidade do trabalho assalariado

A perseguição ao agronegócio — da qual o combate cego ao chamado TE é um dos tentáculos mais ameaçadores(12) — se fundamenta especialmente na mentalidade igualitária, contrária por princípio à existência de patrão e trabalhador assalariado.

Em vista de sua importância, aprofundemos a questão.

Os agro-reformistas mais radicais consideram o regime do salariado, em si mesmo, injusto e contra a dignidade humana. “O normal é que o homem, por sua natureza livre e igual a todos os outros homens, não tenha patrões e se beneficie de todo o fruto de seu labor. Viver de salário, na dependência de outrem, é aviltante”. Esse pensamento — explica o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira — contraria “a legitimidade do direito de propriedade, segundo a doutrina da Igreja. O homem tem direito absoluto sobre o que resulta de sua atividade, e, pois, sobre o que ganhar, economizar e acumular. Neste sentido — disse-o de modo muito expressivo Leão XIII — o capital não é ‘senão salário transformado’. O trabalho, no entanto, não é a única fonte de propriedade. O homem tem igualmente o direito de se apropriar dos bens móveis ou imóveis que não têm dono. [...]

“Os comunistas e socialistas consideram injusto que o empregado não fique com todo o fruto do seu trabalho, isto é, com toda a colheita. Na lógica de seu sistema, que nega a propriedade, têm razão. Mas como a propriedade privada é de si legítima, cai por terra tudo quanto concluem com base na injustiça desta. O regime do salariado é, pois, justo em si. O fato de ser esse regime justo em tese não significa que não possa haver injustiças concretas em sua aplicação.


São Pio X: "Os patrões têm obrigação de pagar o justo salário aos operários"

“Por isto que todo homem tem direito de constituir família e de mantê-la com seu trabalho, o salário, além de ser proporcional a este, deve ser suficiente para tanto. É o salário familiar e mínimo definido por Pio XI”.(13)

Daí resultam direitos e deveres de patrões e empregados. Resumindo o pensamento social de Leão XIII, São Pio X formulou algumas proposições em seu Motu Proprio sobre a Ação Popular Católica. Delas destacamos as seguintes: “O proletário e o operário têm as seguintes obrigações de justiça: fornecer por inteiro e fielmente todo trabalho contratado livremente e segundo a eqüidade; não lesar os bens nem ofender as pessoas dos patrões; abster-se de atos violentos na defesa dos seus direitos e não transformar as reivindicações em motins.

Os capitalistas e os patrões têm as seguintes obrigações de justiça: pagar o justo salário aos operários; não causar prejuízos às suas justas economias, nem por violências, nem por fraudes, nem po

por violências, nem por fraudes, nem por usuras evidentes ou dissimuladas; dar-lhes liberdade de cumprir os deveres religiosos; não os expor às seduções corruptoras e aos perigos de escândalo; não os desviar do espírito de família e do amor da economia; não lhes impor trabalhos desproporcionados às suas forças ou pouco convenientes para a idade ou para o sexo”.(14)

Bem diferente da posição equilibrada da Igreja diante das relações entre patrões e empregados, é a motivação revolucionária da ofensiva contra o suposto TE, baseada num exacerbado ódio ao regime de salariado. Tal ódio origina-se no conceito marxista de que todo assalariado seria um escravo, porque lhe é roubada uma parte do fruto de seu trabalho, chamada de plus valia.(15)

Vemos, portanto, como o conceito marxista do trabalho assalariado, amplamente difundido na esquerda católica, em meios universitários e governamentais, serve de base ideológica para denunciar qualquer infração trabalhista como constituindo um odioso TE.

A situação ideal é a harmonia de classes

A Igreja sempre ensinou que as obrigações e responsabilidades dos patrões são muito graves. O Catecismo da Igreja Católica estabelece a necessidade do pagamento do salário justo. Não pagar os salários dos empregados constitui “pecado que brada aos céus e clama a Deus por vingança”.(16)

Não se trata, portanto, de combater o patrão, mas de corrigir o mau patrão, lembrá-lo de suas obrigações e responsabilidades, estimulá-lo à prática da justiça e da caridade. Da harmonia e da troca de legítimos interesses entre patrão e empregado surgem o desenvolvimento e o progresso. As irregularidades nas relações de trabalho devem ser corrigidas por uma lei trabalhista justa. Não pela expropriação da terra.

De modo geral, a realidade do campo brasileiro tem demonstrado essa harmonia. Apesar da pregação revolucionária que incita os trabalhadores contra os proprietários rurais, obstinadamente inculcada pela CPT, MST e quejandos, os invasores de terra normalmente vêm de outras regiões, pois os empregados tomam o partido do patrão. Isso pode ser comprovado no noticiário de norte a sul do País. Os invasores não são recebidos como libertadores. Pelo contrário, são vistos como intrusos, baderneiros e aproveitadores, pouco afeitos ao trabalho. A mídia, muitas vezes, procura desmerecer essa defesa que os autênticos trabalhadores rurais fazem de seu patrão, chamando-os pejorativamente de jagunços.

É preciso deixar bem claro que, tanto quanto é possível auscultar, o fazendeiro e toda a sociedade brasileira são contrários ao TE, que causa mesmo repugnância. Um fazendeiro em Tocantins chegou ao extremo do suicídio, ao ser tachado de escravocrata. Não conseguia entender uma tal desonra.

É muito fácil, de dentro dos gabinetes com ar condicionado em Brasília, atacar os que se opõem à Proposta de Emenda Constitucional 438, como sendo defensores do TE. Freqüentemente os acusadores são pessoas que nunca geraram um emprego, nunca correram o risco de um empreendimento, de vencer as intempéries, as doenças e adversidades climáticas. Ao contrário do que apregoam, de fato eles não lutam pelos trabalhadores. Tanto assim que o maior prejudicado por essa campanha é o próprio trabalhador, que perderá a oportunidade de emprego. Se essa campanha visasse o bem-estar do trabalhador, ela procuraria, isto sim, reformar nossa ultrapassada legislação trabalhista, de modo a facilitar a abertura de maior número de empregos.

Golpe legislativo contra o direito de propriedade

Eis o texto da PEC 438, como foi aprovado em primeira votação pelo Plenário da Câmara dos Deputados (enquanto escrevemos, falta ainda a 2ª. votação):

Art. 1° – O art. 243 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 243 – As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5°.

Parágrafo Único – Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração do trabalho escravo será confiscado e reverterá a um fundo especial com a destinação específica, na forma da lei”.

Art. 2° – Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Sala de sessões, 11 de agosto de 2004.

Páginas: 1 2 3 4

Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

Topo da Página

 

 

 

 

 

 
Leia Também
O Brasil e seu agronegócio ameaçados pelo leviatã ecológico
O caso da freira assassinada no Pará
Desprestígio do MST
Número de gordos ultrapassa de longe o de magros
Socialismo fracassa entre índios e assentados
Sucesso da propriedade privada na agricultura