“Escravos”
reincidentes, com saudades do patrão
O
conceito de escravidão, para os fiscais do trabalho,
parece ser bem diverso do pensamento dos trabalhadores. “O que
mais surpreende os técnicos do Ministério do Trabalho é que nem
todos os trabalhadores querem voltar para casa. Depois de receberem
o dinheiro, muitos deles pedem para voltar à fazenda”.(6)
Até mesmo o gato, que seria para os fiscais um
traficante de escravos, goza de outra reputação perante os trabalhadores.
Uma reportagem da “Folha de S. Paulo” informa que os trabalhadores
por vezes recompensam o gato, dividindo com ele o valor
das rescisões: “O Ministério do Trabalho retirou 41 trabalhadores
de uma fazenda em São Félix do Araguaia (MT), no ano passado, que
haviam sido aliciados pelo ‘gato’ Edivaldo Brandão Araújo em uma
pensão em Espigão do Leste (MT). Os peões dividiram o dinheiro
das rescisões trabalhistas com o ‘gato’, que chorou emocionado
diante dos fiscais.(7)
A
mesma reportagem sensacionalista da “Folha de S. Paulo” sobre
o TE
contém declarações do prefeito Oziel Oliveira
(PP), do município de Luiz Eduardo Magalhães (BA). Nessa região,
oeste da Bahia, ocorreram as operações de fiscalização de maior
vulto em 2003, com o resgate de mais de mil trabalhadores: “Na
avaliação de Oliveira, não se poderia falar em trabalho escravo
na região. ‘Os trabalhadores podem sair na hora que quiserem, até porque
não há cerca nas fazendas’. Ele diz que a divulgação dada às autuações
do Ministério do Trabalho prejudicou a região — que tem 3 milhões
de hectares de cerrado passíveis de uso para plantio — e que muitos
investidores teriam perdido o interesse”.(8)
Condições precárias que são as mesmas
da região
Os promotores da campanha contra o pretenso TE
reconhecem que o “ingrediente principal [da escravidão] é a
coerção física e moral que cerceia a livre opção e livre ação do
trabalhador”.(9) No entanto, basta existirem condições precárias
no campo, para já enxovalharem o fazendeiro como escravocrata. A
realidade e os costumes do município não entram na consideração
dos fiscais.
O
senador João Ribeiro (PFL-TO), que foi denunciado “por
sujeitar 38 trabalhadores rurais a condições semelhantes à de
escravidão”, mostrou que as condições de higiene encontradas
nos alojamentos de sua fazenda não são diferentes da realidade
do município de Piçarra (PA), onde está localizada: “Dos 2.846
domicílios particulares, segundo a defesa do senador, apenas
um possui banheiro ou sanitário com esgotamento. Em 1.606 há banheiro
ou sanitário, porém sem esgotamento. E em 1.239 não foram encontrados
sanitários ou banheiros. Ele acrescenta que a rede geral de abastecimento
de água atende apenas 14 domicílios particulares e só 55 recebem
coleta de lixo”.(10)
O senador confirma que “a
casa em que estavam os agricultores era um rancho mesmo de
palha, como é a prática
da região, mas tem bomba de água, com motor de luz, antena parabólica
e até televisão”.(11)
Legitimidade do trabalho assalariado
A
perseguição ao agronegócio — da qual o combate
cego ao chamado TE é um dos tentáculos mais ameaçadores(12) — se
fundamenta especialmente na mentalidade igualitária, contrária
por princípio à existência de patrão e trabalhador assalariado.
Em
vista de sua importância, aprofundemos a questão.
Os agro-reformistas mais radicais consideram o
regime do salariado, em si mesmo, injusto e contra a dignidade
humana. “O normal é que o homem, por sua natureza livre e igual
a todos os outros homens, não tenha patrões e se beneficie de todo
o fruto de seu labor. Viver de salário, na dependência de outrem, é aviltante”. Esse
pensamento — explica o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira — contraria
“a legitimidade do direito de propriedade, segundo a doutrina
da Igreja. O homem tem direito absoluto sobre o que resulta de
sua atividade, e, pois, sobre o que ganhar, economizar e acumular.
Neste sentido — disse-o de modo muito expressivo Leão XIII — o
capital não é ‘senão salário transformado’. O trabalho, no entanto,
não é a única fonte de propriedade. O homem tem igualmente o direito
de se apropriar dos bens móveis ou imóveis que não têm dono. [...]
“Os
comunistas e socialistas consideram injusto que o empregado
não fique com todo o fruto do seu trabalho, isto é,
com toda a colheita. Na lógica de seu sistema, que nega a propriedade,
têm razão. Mas como a propriedade privada é de si legítima, cai
por terra tudo quanto concluem com base na injustiça desta. O
regime do salariado é, pois, justo em si. O fato de ser esse
regime justo em tese não significa que não possa haver injustiças
concretas em sua aplicação.
São Pio X: "Os
patrões têm obrigação de pagar o justo salário aos operários"
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“Por
isto que todo homem tem direito de constituir família e de mantê-la com seu trabalho, o salário, além de ser
proporcional a este, deve ser suficiente para tanto. É o salário
familiar e mínimo definido por Pio XI”.(13)
Daí resultam direitos e deveres de patrões e empregados.
Resumindo o pensamento social de Leão XIII, São Pio X formulou
algumas proposições em seu Motu Proprio sobre a Ação Popular
Católica. Delas destacamos as seguintes: “O proletário e o operário
têm as seguintes obrigações de justiça: fornecer por inteiro e
fielmente todo trabalho contratado livremente e segundo a eqüidade;
não lesar os bens nem ofender as pessoas dos patrões; abster-se
de atos violentos na defesa dos seus direitos e não transformar
as reivindicações em motins.
Os
capitalistas e os patrões têm as seguintes
obrigações de justiça: pagar o justo salário aos operários; não
causar prejuízos às suas justas economias, nem por violências,
nem por fraudes, nem po
por
violências, nem por fraudes, nem por usuras
evidentes ou dissimuladas; dar-lhes liberdade de cumprir os deveres
religiosos; não os expor às seduções corruptoras e aos perigos
de escândalo; não os desviar do espírito de família e do amor
da economia; não lhes impor trabalhos desproporcionados às suas
forças ou pouco convenientes para a idade ou para o sexo”.(14)
Bem
diferente da posição equilibrada da Igreja
diante das relações entre patrões e empregados, é a motivação revolucionária
da ofensiva contra o suposto TE, baseada num exacerbado ódio ao
regime de salariado. Tal ódio origina-se no conceito marxista de
que todo assalariado seria um escravo, porque lhe é roubada uma
parte do fruto de seu trabalho, chamada de plus valia.(15)
Vemos, portanto, como o conceito marxista do trabalho
assalariado, amplamente difundido na esquerda católica, em
meios universitários e governamentais, serve de base ideológica
para denunciar qualquer infração trabalhista como constituindo
um odioso TE.
A
situação ideal é a harmonia de
classes
A
Igreja sempre ensinou que as obrigações e responsabilidades
dos patrões são muito graves. O Catecismo da Igreja Católica estabelece
a necessidade do pagamento do salário justo. Não pagar os salários
dos empregados constitui “pecado que brada aos céus e clama
a Deus por vingança”.(16)
Não se trata, portanto, de combater o patrão, mas
de corrigir o mau patrão, lembrá-lo de suas obrigações e responsabilidades,
estimulá-lo à prática da justiça e da caridade. Da harmonia e da
troca de legítimos interesses entre patrão e empregado surgem o
desenvolvimento e o progresso. As irregularidades nas relações
de trabalho devem ser corrigidas por uma lei trabalhista justa.
Não pela expropriação da terra.
De
modo geral, a realidade do campo brasileiro tem demonstrado essa
harmonia.
Apesar da pregação revolucionária
que incita os trabalhadores contra os proprietários rurais, obstinadamente
inculcada pela CPT, MST e quejandos, os invasores de terra normalmente
vêm de outras regiões, pois os empregados tomam o partido do patrão.
Isso pode ser comprovado no noticiário de norte a sul do País.
Os invasores não são recebidos como libertadores. Pelo contrário,
são vistos como intrusos, baderneiros e aproveitadores, pouco afeitos
ao trabalho. A mídia, muitas vezes, procura desmerecer essa defesa
que os autênticos trabalhadores rurais fazem de seu patrão, chamando-os
pejorativamente de jagunços.
É preciso deixar bem claro que, tanto quanto é possível
auscultar, o fazendeiro e toda a sociedade brasileira são contrários
ao TE, que causa mesmo repugnância. Um fazendeiro em Tocantins
chegou ao extremo do suicídio, ao ser tachado de escravocrata.
Não conseguia entender uma tal desonra.
É muito fácil, de dentro dos gabinetes com ar condicionado
em Brasília, atacar os que se opõem à Proposta de Emenda Constitucional
438, como sendo defensores do TE. Freqüentemente os acusadores
são pessoas que nunca geraram um emprego, nunca correram o risco
de um empreendimento, de vencer as intempéries, as doenças e adversidades
climáticas. Ao contrário do que apregoam, de fato eles não lutam
pelos trabalhadores. Tanto assim que o maior prejudicado por essa
campanha é o próprio trabalhador, que perderá a oportunidade de
emprego. Se essa campanha visasse o bem-estar do trabalhador, ela
procuraria, isto sim, reformar nossa ultrapassada legislação trabalhista,
de modo a facilitar a abertura de maior número de empregos.
Golpe legislativo contra o direito de
propriedade
Eis
o texto da PEC 438, como foi aprovado em primeira votação pelo Plenário da Câmara dos Deputados
(enquanto escrevemos, falta ainda a 2ª. votação):
Art.
1° – O art. 243 da Constituição Federal
passa a vigorar com a seguinte redação:
Art.
243 – As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho
escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária
e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização
ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas
em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5°.
Parágrafo Único – Todo e qualquer bem de valor
econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito
de entorpecentes e drogas afins e da exploração do trabalho
escravo será confiscado e reverterá a um fundo especial
com a destinação específica, na forma da lei”.
Art.
2° – Esta Emenda Constitucional entra
em vigor na data de sua publicação.
Sala
de sessões, 11 de agosto de 2004.
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