O “Leão de Münster” elevado à honra dos altares
23/02/2006
Renato Murta de Vasconcelos
Descendente
de família nobre, intrépido defensor da Igreja, adversário
indômito do nazismo, o Cardeal von Galen não se deixou dobrar
nem pelos louvores nem pelo temor: modelo para nossos dias.
Mons.
von Galen, o “Leão de Münster”: “Nec
laudibus nec timore” (Não me movo nem por louvores nem
por temor) |
21 de fevereiro de 1946 — Basílica de São Pedro. Em seu
trono S.S. o Papa Pio XII, cercado de altos prelados. Atmosfera de grande gala,
presentes o corpo diplomático e personalidades vindas do mundo inteiro.
O longo cortejo de 32 novos Cardeais estende-se ao longo da nave central. Dentre
eles, um sobressai por sua estatura muito elevada e arrebata o entusiasmo dos
fiéis, que começam a aplaudir e a bradar: "Viva o Conde
de Galen!"(1)
O Papa havia elevado em 23 de dezembro de 1945 ao cardinalato
o Bispo de Münster
(Alemanha), merecidamente célebre por verberar, já nos primeiros
anos da Segunda Guerra Mundial, os crimes nazistas, especialmente a perseguição à Igreja
e a prática abominável da eutanásia contra doentes e idosos.(2)
Quem foi essa personalidade arrebatadora, entusiasticamente
aplaudida pelos fiéis romanos? Por que foi tão importante sua oposição
ao nazismo? Alguns breves dados biográficos esclarecerão essas
questões.(3)
Tradição católica, ilustre passado,
nobre origem
Von
Galen nasceu em 16 de março de 1878, no Castelo de Dinklage
em Oldenburg, Alemanha |
Clemens August conde von Galen (1878-1946) nasceu em 16 de
março no
Castelo de Dinklage em Oldenburg, Alemanha, como décimo-primeiro de
12 irmãos. Seus pais foram o Conde Ferdinand Heribert e Elisabeth, nascida
Condessa von Spee. A família, de antiga cepa católica, deu à Igreja
almas de escol como arcebispos, bispos, clérigos e numerosas freiras.(4)
E também ardorosos defensores de seus direitos no campo temporal. O
Conde Heribert foi destacado deputado católico do Zentrumspartei (Partido
do Centro) no Reichstag (Parlamento alemão).
Em seu lar túmido de virtudes cristãs, recebeu o jovem Clemens
August uma esmerada educação. Freqüentou de 1890 a 1894
a escola jesuítica Stella Matutina em Feldkirch.
Freqüentou
de 1890 a 1894 a escola jesuítica Stella Matutina em Feldkirch, Áustria |
Nos dois anos seguintes estudou em Vechta, onde concluiu seu
curso colegial. Em 1897, acompanhado de seu irmão Franz, freqüentou a Faculdade
de Fribourg, na Suíça. Foi ali que resolveu tornar-se sacerdote.
Em 1899 ingressou no seminário jesuíta de Innsbruck. Ordenado
em 28 de maio de 1904 na Catedral de Münster, foi nomeado no mês
seguinte vigário capitular e capelão de seu tio, bispo-auxiliar
de Münster, Mons. Maximilian von Galen. Em 1906 foi transferido para Berlim,
onde se tornou capelão da paróquia de São Mathias. Além
de seus cuidados pastorais, dava aulas de Religião em ginásio
da cidade.
Altas virtudes sacerdotais e humanas
No dia 5 de setembro de
1933, Pio XI(5) elevou-o ao episcopado, designando-lhe a sede ocupada anteriormente
por seu tio. No dia de sua sagração
episcopal, 28-10-1933, escreveu dele o Cardeal Schulte: “Aussi Clement,
qu´Auguste” (Igualmente Clemente e Augusto). O novo bispo de Münster
adotou como lema de seu brasão as palavras “Nec laudibus nec timore” (Não
me movo nem por louvores nem por temor), indicando destarte a firmeza de seu
caráter. A seu respeito escrevia o “Münstersche Anzeiger” de
12-9-1933: “Assinalam o novo bispo altas virtudes sacerdotais e humanas.
Como cura de almas em Berlim, [...] levantou continuamente sua voz contra a
crescente secularização da vida, exigindo um retorno aos claros
princípios da Igreja Católica”.(6)
Oito meses antes havia
o Partido Nacional Socialista (nazista) galgado o poder. Com sua doutrina
pagã da raça ariana pura, o nazismo iria entrar
necessariamente em choque com a Igreja, a qual começou a perseguir,
de início discreta, mais tarde aberta e ferozmente.
Bispo heróico, apelidado “Leão de Münster”
Retornando
de Roma, o Cardeal von Galen é recebido em Münster |
Mons. von Galen logo percebeu
os erros contidos na obra Mito do Século
XX, de Rosenberg, o ideólogo do partido nazista. E combateu-os rijamente
em sua Carta Pastoral de 19 de março de 1935, denunciando o “mito
do sangue” de Rosenberg como uma nova religião pagã.
Empolgados com a coragem
de seu bispo, os católicos deram-lhe a alcunha
de “Leão de Münster”. Isso se deve não apenas
a suas críticas constantes aos erros nazistas, mas sobretudo por três
famosos sermões(7) que proferiu nos dias 13 e 20 de julho e 3 de agosto
de 1941 na igreja de São Lamberto, de cujas torres se podem ver ainda
hoje penduradas as gaiolas nas quais apodreceram os restos mortais dos chefes
anabatistas.
Desafiando os nazistas,
condena a eutanásia
Em
Carta Pastoral denunciou a doutrina de Rosenberg, ideólogo nazista |
No sermão do dia 13 de julho, criticou o confisco de mosteiros e conventos,
apontando para um “ódio profundo contra o Cristianismo, o qual
querem exterminar”. Dia 20 de julho, empregou a figura da bigorna e do
martelo: “Atualmente não somos martelo, mas bigorna. [...] A bigorna
não pode e nem precisa rebater. Ela precisa apenas ser firme e dura“.
No dia 3 de agosto, increpou o crime da eutanásia, praticado em pessoas
idosas, paralíticas e com doenças incuráveis. A reação
suscitada por este sermão foi imensa. Altos funcionários do partido
nazista exigiam que se movesse um processo contra o bispo e o enforcassem numa
praça pública de Münster. Goebbels, o ladino ministro da
propaganda, percebeu que tal medida alienaria do esforço de guerra os
católicos de toda a Alemanha. E recomendou a Hitler que deixasse o “acerto
de contas” para depois da “vitória final”. Ele teve
de viver com essa espada de Dâmocles sobre sua cabeça e a aceitou
heroicamente, sem recuar.
A “vitória final” não houve. Com a capitulação
da Alemanha em maio de 1945 e o processo de Nuremberg, que julgou os crimes
dos principais chefes nacional-socialistas, o nazismo desapareceu ingloriamente
do cenário mundial, deixando atrás de si, a exemplo do comunismo,
morte, escombros e miséria.
O alemão
ideal, orgulho da Alemanha
O Cardeal
Schulte referindo-se a Mons. von Galen, disse: “Aussi Clement,
qu´Auguste” (Igualmente Clemente e Augusto) |
Depois de receber o chapéu cardinalício, Mons. von Galen ficou
ainda alguns dias na Itália, visitando soldados alemães em diversos
campos de concentração. Em meados de março esperava-o
em Münster uma acolhida triunfal. Deus, porém, tinha outros planos
para seu “Leão”. Acometido por uma apendicite aguda, faleceu
na tarde do dia 22 de março de 1946.
Torre da igreja de São Lamberto: cestos onde permaneceram restos de
anabatistas
Em seu sermão fúnebre, o Cardeal Frings salientou que, enquanto
houvesse uma diocese em Münster, Mons. von Galen seria o seu adorno. E
acrescentou: “Enquanto houver uma história do povo alemão,
ele será apontado como o alemão ideal, o orgulho da Alemanha”.
* * *
Em 9 de outubro de 2005
o Cardeal von Galen foi beatificado pelo Papa Bento XVI, que na ocasião enalteceu a luta do novo bem-aventurado contra a
eutanásia.
Momento da beatificação do Cardeal von Galen na Basílica
de São Pedro
Na Praça de São Pedro, milhares de fiéis — só da
diocese de Münster compareceram cerca de cinco mil — acompanharam
por telões a cerimônia que se desenrolava no interior da Basílica,
também ela repleta de convidados especiais, entre os quais se encontrava
a Condessa Johanna von Westfalen, sobrinha do novo Beato e destacada líder
anti-abortista na Alemanha.
Após 60 anos da queda do nazismo e de seu desaparecimento nas brumas
da História, muitos se perguntarão talvez que importância
tem, para nossos dias, a resistência do bispo de Münster ao nazismo.
O desassombro de Mons.
von Galen ao condenar o crime da eutanásia é mais
atual do que nunca.
Mons. von Galen enfrenta os nazistas na “Grande Procissão” de
1936 em Münster
Numa época como a nossa, em que mundialmente dezenas de milhões
de nascituros são abortados, em que a eutanásia vai entrando
na legislação de muitos países, é preciso ter coragem
para defender a vida inocente. Mesmo com perigo de morte, o “Leão
de Münster” não se acovardou. Magnífico exemplo a
ser seguido.
E-mail do autor: renatovasconcelos@catolicismo.com.br
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Notas:
1. Um “applauso trionfale”, escreveram os jornais italianos. O
secretário de Mons. von Galen, P. Heinrich Portmann, fala de “um
verdadeiro furacão”. O Pe. Portmann é autor da excelente
biografia Kardinal von Galen – Ein Gottesmann seiner Zeit (Cardeal von
Galen – Um homem de Deus de seu tempo). São também de sua
lavra: Bischof von Galen spricht (Sermões do Bispo von Galen) e Dokumente
um den Bischof von Galen (Documentos relativos ao Bispo von Galen)
2. Integravam igualmente
o conjunto de novos cardeais dois heróis da
resistência anticomunista: Mons. Mindszenty, Arcebispo de Eztergom e
Primaz da Hungria, que se tornaria mais tarde famoso por sua inflexibilidade
diante dos títeres comunistas húngaros; o prelado croata Mons.
Stepinac, também ele intrépido opositor do regime vermelho, falecido
em 1960 em conseqüência dos maus tratos sofridos nas enxovias comunistas.
Mons. Stepinac foi beatificado em 1998 e seus restos mortais repousam incorruptos
num escrínio de cristal diante do altar-mor da catedral de Zagreb.
3. Catolicismo publicou,
em sua edição de fevereiro de 1984,
matéria a respeito, sob o título Cardeal von Galen, indômito
adversário do nazismo.
4. Entre essas destaca-se
a figura ímpar da Condessa Maria Droste zu
Vischering, prima-irmã do Cardeal von Galen e Superiora do Convento
do Bom Pastor na cidade do Porto. Falecida em 1899, foi beatificada por Paulo
VI em 1975.
5. Pio XI nutria especial
simpatia pelo Bispo de Münster. Certo dia,
após recebê-lo em audiência, comentou com Mons. Ruffini: “Gigas
est corpore, sed non tantum corpore” (Ele é gigante de corpo,
mas não só de corpo).
6. Citado por Lothar Groppe SJ, Zur Seligssprechung von Kardinal Graf von
Galen, Katholische Bildung, Oktober 2005, p. 7
7. A respeito dos sermões de fogo de Mons. von Galen, escreveu o protestante
e antigo Ministro do Reich, Conde Schwerin v. Krosigk, em seu livro Es geschah
in Deutschland: “Os sermões do Conde Galen, bispo católico
de Münster, vão entrar para todo o sempre na história da
resistência interna (ao nazismo). Os sermões e comunicados do
Bispo eram difíceis de ser incriminados, porque se abstinham de entrar
na política; não atacavam ninguém pessoalmente; [...]
apenas apontavam o pecado, aquilo que segundo a concepção cristã é pecado”.
Veja:
http://www.catolicismo.com.br
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