Artigo de Plinio Corrêa de Oliveira repercute na Câmara dos Deputados
17/03/2006
Maomé Renasce, artigo profético de Plinio Corrêa de Oliveira
publicado no Legionário em 1947, foi estampado com ilustrações
na primeira página do Informativo Parlamentar da Liderança do PFL.
O Informativo destaca o discurso do deputado Lael Varella, PFL/MG, que pediu
a sua transcrição para os Anais da Câmara dando as seguintes
razões:
"
Diante do preocupante cenário que se afigura, gostaria de deixar consignado
nos Anais desta Casa artigo do grande líder e pensador católico
e também ex-constituinte Plínio Corrêa de Oliveira que, com
palavras proféticas, publicou há 60 anos, em números redondos,
no semanário Legionário, sob o título MAOMÉ RENASCE,
matéria que constitui análise profunda da decadência do Ocidente."
Segue o discurso:
O Sr. Lael Varella (PFL-MG).
Pronuncia o seguinte discurso em 09-03-2006.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados.
A publicação de 10 charges com caricaturas de Maomé,
estampadas inicialmente num pequeno jornal dinamarquês, em setembro do
ano passado, colocaram o mundo islâmico em clima de guerra santa. Analistas
políticos vêm mostrando que o fosso de valores, idéias
e hábitos entre o mundo islâmico e o Ocidente continua se aprofundando
perigosamente.
Com efeito,
em janeiro p.p., após uma reunião da Federação
Islâmica, desencadeou-se uma histérica reação diplomática
dos países muçulmanos, com boicotes econômicos, multidões
enfurecidas, assassinato de um sacerdote católico na Turquia e outras
ameaças de morte, além de muitos atentados terroristas.
O jornal britânico Daily Telegraph já havia publicado declaração
da rainha Margaret II da Dinamarca, em abril do ano passado, com o título “Devemos
mostrar nossa oposição ao islã”. A rainha conclamou
o País a mostrar sua oposição ao islã, independentemente
da revolta que tal declaração provocaria no exterior.
São palavras da rainha: “Estamos sendo desafiados pelo islã nestes
anos, global e localmente. E um desafio que devemos tomar a sério. Nós
deixamos essa questão pairar no ar por muito tempo, pois somos tolerantes
e preguiçosos. Temos de mostrar nossa posição ao islã e
correr o risco de sermos rotulados com etiquetas. Para algumas coisas não
podemos mostrar senão intolerância. E quando somos tolerantes,
devemos saber se é por conveniência ou convicção”.
Por sua vez,
Condoleezza Rice acusou a Síria e o Irã de estimularem
deliberadamente os violentos protestos no mundo islâmico. Os EUA suspeitam
de que grupos terroristas islâmicos, como a Al-Qaeda e a Jihad Islâmica,
estejam instigando e coordenando as manifestações de protesto
que assolam o mundo muçulmano.
Diante do preocupante
cenário que se afigura, gostaria de deixar consignado
nos Anais desta Casa artigo do grande líder e pensador católico
e também ex-constituinte Plínio Corrêa de Oliveira que,
com palavras proféticas, publicou há 60 anos, em números
redondos, no semanário Legionário, sob o título MAOMÉ RENASCE,
matéria que constitui análise profunda da decadência do
Ocidente.
MAOMÉ RENASCE
Plinio Corrêa de
Oliveira
Quando estudamos a triste
história da queda do Império do Ocidente,
custa-nos compreender a curteza de vistas, a displicência e a tranqüilidade
dos romanos diante do perigo que se avolumava. Roma sofria, a agravar-lhe os
outros males, de um inveterado hábito de vencer. A seus pés estavam
as mais gloriosas nações da Antigüidade, o Egito, a Grécia,
toda a Ásia. A ferocidade dos celtas estava definitivamente abrandada.
O Reno e o Danúbio constituíam para o Império uma esplêndida
defesa natural. Como recear que os bárbaros, que vagueavam nas selvas
virgens da Europa central, pudessem expor a risco sério tão imenso
edifício político?
Habituados a esta visão, os romanos não tiveram flexibilidade
de espírito para compreender a situação nova que aos poucos
se ia criando. Os bárbaros transpuseram o Reno, começaram suas
invasões, diante deles a resistência das legiões era fraca,
indecisa, insuficiente. Mas os romanos continuaram a ignorar o perigo, obcecados
de um lado pela sede absorvente dos prazeres, e iludidos de outro lado pelo
que se chamaria na detestável terminologia freudiana um "complexo" de
superioridade. É o que explica a tranqüilidade mortal em que se
conservaram até o fim.
Ainda mesmo que consideremos
dentro deste conjunto o mistério da inércia
romana, o quadro nos parece singular e quiçá algum tanto forçado.
Compreendê-lo-emos muito mais ao vivo, se considerarmos outro grande
mistério que se passa diante de nossos olhos, do qual somos de certo
modo participantes: a grande inércia do Ocidente cristão diante
da ressurreição da gentilidade afro-asiática. O tema é por
demais vasto para ser tratado em bloco. Bastará, para que o compreendamos
bem, que consideremos apenas um dos aspectos do fenômeno: a renovação
do mundo muçulmano.
É um tema que o "Legionário", já habituado
a não ser compreendido, tem abordado com uma insistência que pareceu
por vezes importuna. Mas a questão merece ser examinada mais uma vez,
com uma extensão maior do que a das pequenas notas dos "Sete dias
em Revista" nas quais a tratamos anteriormente.
Lembremos rapidamente alguns
dados gerais do problema. Como se sabe, o mundo maometano abrange uma faixa
territorial
que começa na Índia,
passa pela Arábia e Ásia Menor, atinge o Egito e vai terminar
no Oceano Atlântico. A zona de influencia do Islão é imensa
de todos os pontos de vista: território, população, riquezas
naturais. Mas até há algum tempo atrás certos fatores
inutilizavam de modo quase completo todo este poderio. O vínculo que
poderia unir os maometanos de todo o mundo seria, evidentemente, a religião
do Profeta. Mas esta se apresentava dividida, fraca, e totalmente desprovida
de homens notáveis na esfera do pensamento, do mando ou da ação.
O maometanismo vegetava, e isto parecia bastar perfeitamente ao zelo dos altos
dignitários do Islão. O mesmo gosto pela estagnação
e pela vida meramente vegetativa era um mal de que também estava atingida
a vida econômica e política dos povos maometanos da Ásia
e da África. Nenhum homem de valor, nenhuma idéia nova, nenhum
empreendimento verdadeiramente grande podia afirmar-se nesta atmosfera. As
nações maometanas fechavam-se cada qual sobre si mesma, indiferentes
a tudo que não fosse o deleite tranqüilo e miúdo da vida
quotidiana. Assim, vivia cada qual em um mundo próprio, diversificada
das outras por suas tradições históricas profundamente
diversas, separadas todas por sua recíproca indiferença, incapazes
de compreender, desejar e realizar uma obra comum. Neste quadro religioso e
político tão deprimido, o aproveitamento das riquezas naturais
do mundo maometano, riquezas que consideradas em seu conjunto constituem um
dos maiores potenciais do globo, era manifestamente impossível. Tudo,
pois, não era senão ruína, desagregação
e torpor.
Arrastava assim os seus
dias o Oriente, enquanto o Ocidente chegava ao zênite
de sua prosperidade. Desde a era vitoriana, uma atmosfera de juventude, de
entusiasmo e de esperança soprava pela Europa e pela América.
Os progressos da ciência haviam renovado os aspectos materiais da vida
ocidental. As promessas da Revolução encontravam crédito,
e nos últimos anos do século XIX havia quem esperasse o século
XX como a era de ouro da humanidade.
É claro que um ocidental colocado neste ambiente se capacitava a fundo,
da inércia e da impotência do Oriente. Falar-lhe na possibilidade
da ressurreição do mundo maometano lhe pareceria algo de tão
irrealizável e anacrônico, quanto o retorno aos trajes, aos métodos
de guerra e ao mapa político da Idade Média.
Desta ilusão, vivemos ainda hoje. E, como os romanos, fiados no Mediterrâneo
que nos separa do mundo islâmico, não percebemos que fenômenos
novos e extremamente graves se passam nas terras do Corão.
É difícil abranger em uma discriminação sintética
fenômenos tão vastos e ricos como este. Mas de um modo muito geral
pode-se dizer que, depois da grande guerra, todo o Oriente - e entendemos esta
expressão num sentido muito lato abrangendo em sua totalidade as zonas
de civilização não cristã da Ásia e da África
- começou a passar por um fenômeno de reação anti-Europa
e muito pronunciado. Esta reação comportava dois aspectos algum
tanto contraditórios, mas ambos muito perigosos para o Ocidente. De
um lado, as nações orientais começavam a sofrer com impaciência
o jugo econômico e militar do Ocidente, manifestando uma aspiração
cada vez mais pronunciada pela soberania plena, pela formação
de um potencial econômico independente e de grandes exércitos
próprios. Esta aspiração comportava, é claro, uma
certa "ocidentalização", ou seja a adaptação
da técnica militar, industrial e agrícola moderna, do sistema
financeiro e bancário euro-americano, à Ásia, etc. De
outro lado porém, este surto patriótico provocava um renouveau
de entusiasmo pelas tradições nacionais, costumes nacionais,
culto nacional, história nacional. É supérfluo acrescentar
que o espetáculo degradante da corrupção e das divisões
a que estava exposto o mundo ocidental concorria para estimular o ódio
ao Ocidente. De onde a formação, em todo o Oriente, de novo interesse
pelos velhos ídolos, de um "neo-paganismo" mil vezes mais
combativo, resoluto e dinâmico do que o paganismo antigo. O Japão é bem
um exemplo típico, ultra-típico talvez, de todo este processus
que tentamos descrever. O grupo ideológico e político que o elevou à categoria
de grande potência e que ambicionou para ele o domínio do mundo,
foi precisamente um destes grupos neo-pagãos obstinadamente apegados
aos velhos conceitos de divindade do Imperador, etc.
Ora, um fenômeno mais lento, porém não menos vigoroso
que o do Japão, se deu em todo o mundo oriental. A Índia está na
iminência de conquistar, em virtude deste fenômeno, a sua independência,
o Egito e a Pérsia ocupam hoje em dia uma situação avantajada
na vida internacional, e progridem a passos rápidos. Bem antes disto,
Mustafá Kemal renovara a Turquia. Todas estas nações,
estas potências podemos dizer, se sentem orgulhosas de seu passado, de
suas tradições, de sua cultura, e desejam conservá-las
com afinco, ao mesmo tempo, mostram-se ufanas de suas riquezas naturais, de
suas possibilidades políticas e militares, e do progresso financeiro
que estão alcançando. Dia a dia elas se enriquecem, constroem
cidades dotadas de um aparelho governamental eficaz, de uma polícia
bem adestrada, de universidades estritamente pagãs mas muito desenvolvidas,
de escolas, hospitais, museus, tudo enfim que para nós significa de
algum modo poder e progresso material. Nas suas arcas, o ouro se vai acumulando.
Ouro significa possibilidade de comprar armamentos. E armamentos significam
prestígio mundial.
É interessante notar que o exemplo nazista impressionou fortemente
o Oriente. Se um grande país como a Alemanha tem um governo que abandona
o Cristianismo e não cora de voltar aos antigos ídolos, o que
há de vergonhoso em que um chinês ou um árabe permaneçam
em suas religiões tradicionais?
Tudo isto transformou o
mundo islâmico e determinou em todos os povos
maometanos, da Índia ao Marrocos, um estremecimento que significa que
o sono milenar acabou. O Paquistão - estado muçulmano hindu em
vésperas de independência - o Irã, Irak, a Turquia, o Egito
são os pontos altos do movimento de ressurreição islâmica.
Mas na Algéria, no Marrocos, na Tripolitânia, na Tunísia,
a agitação também vai intensa. O nervo vital do islamismo
revive em todos estes povos, fazendo renascer neles o senso da unidade, a noção
dos interesses comuns, a preocupação da solidariedade, e o gosto
pela vitória.
Nada disto ficou no ar.
A Liga Árabe, uma confederação
vastíssima de povos muçulmanos, une hoje todo o mundo maometano.
E’, às avessas, o que foi na Idade Média a Cristandade.
A Liga Árabe age como um vasto bloco perante as nações
não árabes, e fomenta por todo o norte da África a insurreição.
A evasão do grão mufti foi uma clara manifestação
da força dessa Liga. A soltura de Abd-el-Krim é mais do que isto,
uma afirmação do propósito deliberado em que está a
Liga de intervir nos assuntos da África Setentrional, promovendo a independência
da Argélia, Tunísia, Tripolitânia e Marrocos. É o
que demonstramos nos "Sete Dias em Revista" do último número.
Será preciso ter muito talento, muita perspicácia, informações
excepcionalmente boas, para perceber o que significa este perigo?
Legionário, 15 de
junho de
1947.
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