Associação dos Fundadores
29/05/2007
São Paulo, 26 de abril de 2007
Festa de Mater Boni Consilii a Genazzano
A Sua Santidade Bento XVI
Cidade do Vaticano
Beatíssimo Padre,
No momento em que a Nação brasileira se apresta a receber a honrosa
visita de Vossa Santidade, apresentamos aqui a homenagem de nosso profundo
respeito e os protestos de fidelidade à Cátedra de Pedro, bem
como nossas orações na intenção de que a Divina
Providência favoreça com assinaladas graças os dias em
que permanecerá nesta Terra de Santa Cruz.
Os que assinamos esta missiva
temos a honra de ser discípulos do eminente,
intrépido e saudoso líder católico, Plinio Corrêa
de Oliveira; e de tê-lo coadjuvado na fundação da Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade,
a TFP, a pujante associação constituída por católicos
praticantes (alguns deles intelectuais e outros homens de ação)
que marcou decisivamente a história do Brasil contemporâneo.
Ao longo de décadas, sob a direção de Plinio Corrêa
de Oliveira e, após seu falecimento, trilhando as vias de espiritualidade
e de ação que ele encetou, empregamos o melhor de nossas vidas
em esclarecer a opinião pública, e especialmente os ambientes
católicos, acerca dos erros e tramas do comunismo e do socialismo, em
seus diversos modelos. Com o intuito específico de preservar na sociedade
temporal o que resta de Civilização Cristã, inspirados
nos ensinamentos tradicionais do Supremo Magistério, temos participado
ativamente dos debates e polêmicas que foram sendo suscitados na sociedade
brasileira e que colocam em risco a permanência de tais valores nas instituições,
nas leis e nos costumes.
Nessa qualidade, pedimos
vênia para depositar a Vossos pés algumas
reflexões que se nos afiguram aptas a enriquecer a visão do panorama
brasileiro e latino-americano, certos de que Vossa Santidade acolherá com
benevolência essa modesta expressão do sensus fidelium de católicos
leigos que, conforme sua vocação específica, há tanto
labutam em favor de uma ordem social cristã, contra as manobras da esquerda
vetero ou neomarxista, ou ainda católica progressista.
Tais reflexões, Santo Padre, têm em vista a defesa dos “princípios
não negociáveis”, a respeito dos quais Vossa Santidade
já se referiu.
A visita de Vossa Santidade
se dá em um momento de crucial importância
para o Continente latino-americano. E, no atual contexto, é evidente
o alcance da próxima reunião plenária do Conselho Episcopal
Latino-Americano (CELAM) a que Vossa Santidade dará início em
Aparecida. Importância para o futuro da Igreja no Continente latino-americano
e também para o futuro da Igreja universal, uma vez que, pela preponderância
que alcançou e por constituir hoje o maior bastião católico,
a América Latina condiciona os passos desta.
Santidade, convém ressaltar de início, que, neste contexto latino-americano,
o atual governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva — como
todos os governos dos vários tipos de esquerda — é convictamente
propulsor de uma “revolução cultural” que visa transformar
as mentalidades, de modo a promover a alteração profunda das
maneiras de sentir, de atuar, de pensar, enfim, os modos de viver coletivos
e individuais. Uma primeira desagregação da moral dos indivíduos
acarretaria a destruição da noção tradicional da
família enquanto célula básica da sociedade.
Em nome da tolerância e de pretensos clamores sociais, tal “revolução
cultural” defende ainda a não discriminação de minorias “marginalizadas” (homossexuais,
prostitutas, drogados, criminosos, etc.) as quais deveriam ser acolhidas na
sociedade e ver respeitados seus comportamentos alternativos e imorais. Em
conseqüência, qualquer posição moralista passa a ser
vista com desdém e qualificada de hostil. A tais minorias se somariam,
para formar um neoproletariado, outros grupos previamente “conscientizados”,
como as chamadas nações indígenas, os ecologistas, as
feministas, e grupos étnicos e raciais.
Ora, Santo Padre, o Presidente
Lula da Silva, em obediência a esta diretriz
ideológica, está aproveitando o início de seu segundo
mandato para lançar uma ampla ofensiva contra os valores morais cristãos,
fundamento de nossa sociedade.
Nestes dias que antecedem
Vossa viagem, seu governo desencadeou uma orquestrada campanha para a liberalização da prática
do aborto, com a qual se comprometeu em carta perante organismos internacionais.
O Ministro da Saúde, afirmando que o aborto é uma questão
latente na sociedade e que a oposição de boa parte da população à prática
do mesmo se deve a uma insuficiência de debate, defendeu a legalização
do aborto como uma questão de saúde pública.
A Ministra da Secretaria
de Política para Mulheres declarou-se favorável à retomada
do debate sobre o aborto e à discussão no Congresso Nacional
da proposta que permite a realização do mesmo em rede pública,
até à 12ª semana.
Também nestes dias, Santidade, o Supremo Tribunal Federal analisa a
constitucionalidade da Lei de Biossegurança, já em vigor, que
autoriza as pesquisas com células-tronco de embriões humanos.
E, infelizmente, há razões para temer que a suprema corte do
País julgue que tais pesquisas, que envolvem a morte de seres humanos,
não viole a Constituição brasileira.
Fala-se igualmente nos
meios oficiais de um plebiscito sobre o mal nominado casamento homossexual
e tramita no
Congresso Nacional um projeto de lei de
combate à chamada homofobia, altamente atentatório às
mais elementares liberdades religiosas e civis.
O próprio Presidente Lula da Silva fez declarações, por
ocasião do Dia Internacional da Mulher, em que justificou comportamentos
contrários à moral sexual pregada pela Santa Igreja, não
se inibindo de atacá-La em seu discurso.
Para os católicos brasileiros, pois, Santo Padre, o momento é particularmente
delicado.
Estão eles perante uma grave ofensiva do poder público à moral
individual católica, bem como à sagrada instituição
da família, própria a corroer na sociedade os pilares básicos
de uma ordem social cristã; por outro lado, presenciam eles os contínuos
e obstinados esforços para debilitar o instituto da propriedade privada,
sobretudo a rural, o que, levado a seu termo, poderá causar desastres
sociais e materiais de inenarrável alcance para o porvir de nossa Nação.
Quase vinte anos depois
do colapso do “socialismo real” na Europa
e de seu descrédito na América Latina, nosso Continente assiste
ao assustador processo de construção de um proclamado “socialismo
do século XXI”, eivado de todos os erros que levaram os regimes
totalitários comunistas, em nome da libertação do povo,
a manterem nações inteiras em condições de escravidão
indignas do homem, “vergonha de nosso tempo”, segundo as palavras
da Instrução “Libertatis nuntius”, aprovada por S.S.
João Paulo II, e da qual Vós sois o primeiro signatário.
Tomando como inspiração o regime de miséria e despotismo
no qual jaz a desditada Cuba sob o jugo castrista, renascem na região
os velhos fantasmas socialistas (o populismo autoritário, o estatismo
confiscatório, o anti-americanismo obcecado e virulentamente anticapitalista).
Tudo a partir da Venezuela, pela mão do Coronel Hugo Chávez,
o qual, malbaratando seus petrodólares, intervém escancaradamente
na vida política e até nos processos eleitorais de países
como o México, a Argentina, o Peru, a Bolívia, o Equador, a Nicarágua
e, por vezes, até em nosso querido Brasil, sob o olhar displicente e
amigo do governo do Presidente Lula da Silva.
No quadro dessa ofensiva
neo-comunista, o governo do Presidente Lula da Silva — há pouco
reeleito — ocupa um lugar muito peculiar. Com efeito, em contraste com
o “chavismo”, é ele apresentado, até em foros internacionais,
como líder de uma série de governos latino-americanos perfilados
a uma esquerda dita moderada, a qual encarnaria um socialismo renovado, moderno,
respeitoso dos valores da democracia representativa, da ortodoxia macroeconômica,
bem como das leis de mercado. Graças à sua aura de operário
e de homem do povo que galgou à Suprema Magistratura, graças
a seu pragmatismo ideológico, Lula é apontado como um líder
amigo dos pobres, um dirigente moderado capaz de conter os arroubos “chavistas”.
Santidade, é-nos penoso dizê-lo, mas se não contasse com
o respaldo religioso, tal ofensiva neocomunista não teria qualquer viabilidade
de êxito no público brasileiro e latino-americano. Por isso, as
correntes católicas progressistas, mais ou menos influenciadas pela
Teologia da Libertação — a qual continua viva e atuante,
segundo um de seus mais destacados próceres, Frei Betto — passou
a ter presença forte em governos latino-americanos, do qual o Brasil é um
caso especialmente significativo; e tornou-se uma das principais articuladoras
e instigadoras dos chamados movimentos sociais. A atuação da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) ou do Conselho Indigenista Missionário
(CIMI), são, em nosso País, dois exemplos gritantes de apoio
eclesiástico a atividades muitas vezes ilegais e violentas.
Em seus devaneios pseudo-cristãos não hesitam sequer essas correntes
católicas progressistas em continuar a apoiar grupos guerrilheiros,
como aquele que há anos semeia o terror e a morte entre inocentes na
Colômbia e, segundo tudo indica, ameaça em breve espalhar-se por
outras regiões do Continente.
Tal envolvimento eclesiástico em ações simbólicas
de ataque à propriedade privada e à ordem social vigente — fundado
numa distorcida e excludente “opção preferencial pelos
pobres” — acabou por afastar do redil sagrado milhões de
fiéis, numa apostasia sem precedentes. Como pôde constatar ironicamente
alguém no prestigioso “New York Times”, “os católicos
optaram pelos pobres e os pobres optaram pelos [protestantes] evangélicos”.
As esquerdas — e muito acentuadamente as citadas correntes católicas
progressistas — alardeiam a respeito de nosso Continente, e mais particularmente
de nosso querido Brasil, um quadro das condições sociais, e das
questões especificamente temporais, distorcido, parcial e inverídico.
Ora, quando analisada objetivamente a realidade — e, portanto, longe
destes clichês deformantes — constata-se que no Brasil tem havido
um ponderável aumento de riqueza, com a melhora de todas as classes
sociais, e que uma significativa mobilidade social fez surgir nas últimas
décadas uma numerosa e pujante classe média.
Santo Padre, somos favoráveis e desejamos de todo coração
a melhora das condições de vida de setores ainda pobres da América
Latina; mas, tendo em vista os erros teóricos e os fracassos do socialismo,
consideramos que as vias justas e adequadas para realizar tal melhoria consiste
no incentivo da iniciativa e propriedade privadas, segundo os princípios
da doutrina católica.
O Brasil e toda a América Latina gozam das melhores condições
para trilhar as vias de um progresso sadio e proporcionado às imensas
reservas naturais de seu território e à riqueza de alma de seus
povos, fruto da mestiçagem, em graus diferentes em cada nação,
do sangue europeu, aborígene e africano, sob o influxo da caridade cristã.
Um progresso econômico e social harmonioso que, se favorecido por políticas
sábias e oportunas, transformará o bloco latino-americano numa
das grandes potências deste novo milênio.
É de notar também que, por sua homogeneidade cultural e, sobretudo,
por sua religiosidade entranhada, o secularismo ateu que varre a Europa não
encontra no povo latino-americano verdadeira acolhida.
Não é exagerado afirmar que o Brasil e toda a América
Latina vivem um dilema primordialmente religioso e moral, bem como também
sóciopolítico. Permanecerem fiéis a si mesmos, a suas
tradições cristãs, e a seus hábitos salutares de
uma entranhada harmonia social, ou deixarem-se levar pelos devaneios dos que
desejam impelir nossas nações para uma situação
a-religiosa, atéia, de completo permissivismo moral e de um regime sócioeconômico
miserabilista. Não foi talvez por acaso que um órgão internacional
de alto prestígio dedicou sua matéria de capa à “Batalha
pela alma da América Latina”.
Nesse dilema, nessa “batalha pela alma da América Latina” temos
como certo que o Brasil desempenha papel de crucial importância. Com
mais de cento e oitenta e oito milhões de habitantes (na sua maioria
católicos, embora infelizmente os ventos da apostasia já tenham
feito sentir seus terríveis efeitos), com seu território continental
e com a projeção em diversos campos que o País vem ganhando, é muito
verossímil que, em várias circunstâncias, o destino do
mundo possa ser marcado decisivamente pelos rumos que assuma nosso País.
Nas crises que agitam o
mundo e o nosso Continente, a palavra de Vossa Santidade é decisiva.
As multidões que, durante Vossa próxima visita, acorrerão
de todo o Brasil para manifestar sua fidelidade ao Vigário de Cristo
na Terra, farão resplandecer aos olhos do mundo a vitalidade da fé no
Novo Continente e a confiança com que o povo brasileiro olha para a
Sé de Pedro em busca de soluções apropriadas para suas
dificuldades presentes.
Ora, Santo Padre, o mais
desconcertante e mais doloroso para os católicos
brasileiros é considerar a disparidade de atitude da Sagrada Hierarquia
no Brasil com aquela que atualmente segue a Santa Sé na defesa das raízes
cristãs da Europa e no confronto com o laicismo que visa erradicá-las.
De um lado, face à ofensiva governamental em matérias morais — e
mais concretamente no grave assunto do aborto — as atitudes e declarações
eclesiásticas provenientes do Episcopado têm sido tímidas,
pouco incisivas no que diz respeito aos aspectos religiosos e morais do tema,
o que é muito grave. Ora essa omissão é de molde a gerar
grande confusão entre os próprios católicos, sobretudo
se se levar em consideração que os abortistas dão como
exemplo o ocorrido recentemente em Portugal, nossa antiga metrópole
a que nos ligam tantos e tão próximos laços históricos,
de afeto e, sobretudo, de Fé. Distorcendo acintosamente o que se passou
naquele país, por ocasião do recente referendo sobre o aborto,
tentam de modo sibilino convencer que Portugal, país tradicionalmente
católico, optou majoritariamente a favor do aborto. E que, portanto,
não haveria contradição com a religiosidade e catolicidade
de nossa gente, a aprovação do mesmo em nosso querido Brasil.
De outro lado, prestigiosas
figuras da Conferência Nacional do Bispos
do Brasil (CNBB) continuam a fazer, no campo sócio-político,
graves incursões em matérias especificamente temporais — às
vezes estritamente técnicas — alheias a sua competência
religiosa e moral. E não se eximem de exigir do governo uma maior radicalidade
e velocidade nas transformações das estruturas e condições
sócio-econômicas, com o conseqüente desrespeito ao princípio
da propriedade privada.
Assim nós Vos dirigimos
aqui
um filial apelo!
Pedimo-Vos, Santo Padre,
que relembreis ao povo brasileiro, como estais fazendo em nível universal desde o início de vosso pontificado, o quanto
o aborto fere a Lei de Deus e a própria Lei Natural, sendo importante
fator de destruição da sociedade; e que animeis paternalmente
nosso Episcopado a que se empenhe na batalha da defesa do sagrado direito da
vida, bem como dos princípios morais e das legítimas liberdades
religiosas ameaçados por projetos como o dito casamento homossexual
ou o combate à chamada homofobia.
Por outro lado, atendei
a nossas preocupações quanto à atuação
da “esquerda católica” e sua obstinada pregação
a favor da solução antinatural e violenta dos problemas sociais
e da ruptura das instituições, tendo em vista o ensinamento tradicional
da Igreja sobre a propriedade privada, a livre iniciativa e a harmonia social
de uma sociedade de legítimas e proporcionadas desigualdades.
Por tudo isto, Santidade,
a imensa maioria de nosso povo, profundamente religioso, pacífico
e laborioso, ficar-Vos-ia eternamente reconhecida!
Santo Padre, cheios de
confiança, nós Vos imploramos que acolhais
tais anseios de alma dessa parte do rebanho que a Divina Misericórdia
Vos confiou e que espera ansiosamente Vossa visita. E pedimos a Nossa Senhora
Aparecida, Rainha e Padroeira do País, que conceda especiais graças
para a Nação brasileira durante vossa estadia entre nós.
Nessa expectativa, apresentamos
a Vossa Santidade nossa filial homenagem e rogamos para os dirigentes, cooperadores
e correspondentes da Associação
dos Fundadores — entidade que congrega atualmente, no Brasil, os
discípulos de Plinio Corrêa de Oliveira, defensores impertérritos
dos valores perenes da tradição, da família e da propriedade — Vossas
preciosas bênçãos e orações.
Adolpho Lindenberg
Paulo Corrêa de Brito
Filho
Eduardo de Barros Brotero
Plinio Vidigal Xavier da Silveira
Luiz Nazareno de Assumpção
Filho
Celso da Costa Carvalho Vidigal
Caio Vidigal Xavier da Silveira
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