Deputados
de comissão que discute tema retiram a proposta da pauta
na Câmara para modificá-la e evitar rejeição
O projeto de lei do aborto elaborado por uma comissão tripartite montada
pelo governo federal sofreu ontem sua primeira derrota na Câmara dos
Deputados. Na iminência de vê-lo rejeitado, parlamentares que compõem
a CSSF (Comissão de Seguridade Social e Família) decidiram retirá-lo
da pauta, modificá-lo e reapresentá-lo na próxima terça-feira.
Em comum acordo com o movimento feminista, a estratégia da deputada
Jandira Feghali (PC do B-RJ), relatora do projeto, é manter apenas a
despenalização -suprimir os artigos 124, 126, 127 e 128 do Código
Penal, que tipificam crimes relacionados ao aborto consentido pela gestante.
Dessa forma, ficaria fora do texto a regulamentação do projeto.
O texto que seria votado ontem propunha a descriminalização do
aborto até a 12ª semana de gestação ou em qualquer
idade gestacional quando a gravidez implicasse risco de vida à mulher
ou em caso de má-formação fetal incompatível
com a vida.
Também assegurava que o SUS (Sistema Único de Saúde) realizasse
a interrupção da gravidez e que os planos de saúde
cobrissem os custos.
A ministra Nilcéia Freire (Política para as Mulheres), cuja pasta
coordenou os trabalhos da comissão tripartite, não foi encontrada
ontem para comentar a decisão da Câmara. Segundo a sua assessoria,
ela estava no interior do Rio cumprindo compromissos da sua agenda. Além
do apoio político, o governo gastou cerca de R$ 5.000 só com
passagens aéreas a membros da comissão tripartite.
A Folha apurou que, além dos grupos religiosos, parlamentares sofrem
pressão dos planos de saúde. O setor rejeita o aumento de custos
que a aprovação do projeto acarretaria pelo fato de obrigá-lo
a custear o aborto das usuárias.
Ainda assim, até anteontem à noite, havia a expectativa de que
o projeto seria aprovado, com margem estreita de votos. Mas, ontem, duas horas
após o início da sessão, a ala parlamentar contrária à descriminalização
do aborto já afirmava ter a maioria dos votos dos parlamentares presentes.
Platéia
A platéia, formada majoritariamente por pessoas ligadas a grupos religiosos,
ajudou. Além de vestirem camisetas com fotos de bebês estampados
e distribuírem miniestatuetas de fetos, muitos agitavam as mãos
com rosários.
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) também pressiona
o Congresso, assim como o fez quando a proposta estava no âmbito
do governo federal.
Para Feghali, a retirada do projeto não representa um recuo, mas sim
uma chance de reformular a proposta para tornar mais factível a sua
aprovação. Durante a sessão de ontem na Câmara,
alguns deputados propuseram mudanças no projeto como condição
de votarem favoravelmente a ele, mas pelo menos outros oito já se posicionaram
contrários à proposta em qualquer situação.
Segundo a deputada, o importante é garantir a descriminalização,
trazer o debate para o âmbito da saúde pública e enfrentar
a indústria clandestina do aborto.
O deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) também concorda que a descriminalização é a
parte mais importante do projeto. "Os países que despenalizaram
a prática tiveram redução drástica no número
de mortes maternas."
Na avaliação do deputado Luiz Bassunda (PT), presidente da Frente
Parlamentar em Defesa da Vida, a estratégia não vai funcionar. "Descriminalizar
não é a solução. Precisamos encontrar formas de
evitar o aborto em qualquer circunstância. A vida é inviolável
desde a concepção."
O deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL), que integra a CSSF, defende a
criminalização máxima da mulher que pratica o aborto.
Projeto de sua autoria que tramita na Câmara prevê que o aborto
seja considerado crime hediondo.