Aborto: um dilema para o eleitorado católico

Folha de São Paulo - Opinião
24/11/2006

BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA


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Os candidatos não viram todo o potencial político que teriam à disposição caso se opusessem à esquerdização que vai arruinando o país

UM DOS fenômenos que mais se têm generalizado na realidade político-social das sociedades modernas é o divórcio profundo entre o público, de um lado, e o mundo político, a mídia e a publicidade, de outro.

A exigüidade deste artigo não me permite a análise acurada desse fenômeno. Mas a menção a alguns fatos tornará vivo no espírito dos leitores aquilo a que me refiro.

Um dos maiores projetos políticos das últimas décadas é, por certo, a Comunidade Européia. Apresentada incansavelmente pelas tubas da publicidade como um anseio dos povos europeus, foi "evoluindo" de uma mera união aduaneira para uma ousada federação de nações, sem fronteiras, com moeda única e tendendo para uma unidade política e militar.

É verdade que, quando os povos eram consultados diretamente, sobrevinham oposições, as quais os políticos habilmente contornavam, fazendo ouvidos moucos aos verdadeiros anseios das populações.

Assim, o mundo político-publicitário prosseguiu sua aventura até chegar a propor uma Constituição para toda a Europa comunitária. As derrotas de tal proposta no plebiscito na França e, logo em seguida, na Holanda deixaram a nu o profundo divórcio da opinião pública com seus dirigentes, condenando o projeto da Europa unida a um letargo que se arrasta até agora. .

Volto-me para a realidade brasileira e não tenho dificuldade em constatar que esse divórcio se dá aqui também -e tende a agravar-se. A falta de sincronia profunda e vital dos dirigentes do Estado e, mais amplamente, do mundo político-publicitário com os ideais e os modos de ser autênticos da nação é de molde a gerar, mais cedo ou mais tarde, uma situação imprevista e até dramática.

Recentemente, reportagem publicada por esta Folha deu conta de uma pesquisa em que 47% do eleitorado brasileiro se definiu como de direita, 23% de centro e apenas 30% de esquerda. Mais ainda, a maioria demonstrou adotar posições conservadoras, como a condenação ao aborto e às drogas e a defesa de medidas duras contra o crime. E, nesses quesitos, os eleitores mais jovens se mostraram mais conservadores que os mais velhos. Realidade bem diversa da que nos é cotidianamente apresentada..

Entretanto, onde estavam os representantes do mundo político para essa corrente de opinião direitista e conservadora? Pelo contrário, pareciam os candidatos convencidos de que, quanto mais se colorissem de tintas esquerdistas, tanto mais ganhariam terreno na simpatia popular.

Aparentavam não avaliar corretamente todo o potencial político que teriam à sua disposição caso se opusessem com firmeza à esquerdização sub-reptícia, mas efetiva, que vai arruinando o país.

A estranheza, a apreensão e a sensação de inautenticidade de muitos de nossos compatriotas em relação ao processo eleitoral talvez provenha exatamente disso. O que se constatou na recente disputa eleitoral, como largamente tem sido apontado, foi a ausência de temas de real interesse na discussão das propostas de governo dos candidatos.

A ação impune dos movimentos sociais, como o MST, e a reforma agrária confiscatória parecem ter sido olvidados. O combate ao crime e o desarmamento, que levaram a um resultado inesperado e espetacular no referendo das armas, foram silenciados. O aborto, um outro tema, crucial, que encontra forte oposição na opinião pública, foi também esquecido. .

Para nos referirmos a este último, é preciso levar em conta que a questão do aborto afeta profundamente a opinião pública -mais particularmente a opinião católica- em sua escolha eleitoral por atentar contra os princípios morais ensinados pela igreja e reiteradamente relembrados pelos sumos pontífices.

João Paulo 2º, na Carta Encíclica "Evangelium Vitae", relembra que, "dentre os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente grave e abjurável". Frisa ainda o pontífice a grave responsabilidade moral que pesa sobre os legisladores que promovem e aprovam leis abortistas.

O PT -principal partido da coalizão de forças que apoiou o presidente Lula à reeleição-, em suas diretrizes para a elaboração do programa de governo para a eleição presidencial deste ano, prometeu empenho na descriminalização do aborto. Estavam os católicos conscientes desse dado? Tiveram os eleitores uma resposta clara sobre esse assunto da parte dos candidatos, não apenas enquanto indivíduos, mas do ponto de vista de seus programas de governo? Infelizmente, não...

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DOM BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA, 65, é tetraneto de dom Pedro 1º.
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