BRASÍLIA - Dois dias depois de o presidente Luis Inácio Lula
da Silva ter anunciado para esta semana a tão aguardada regulamentação
da Lei de Biossegurança, o procurador-geral da República, Antonio
Fernando Souza, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer favorável à ação
direta de inconstitucionalidade (adin) para suprimir o artigo da lei que permite
o uso de células-tronco de embriões para fins de pesquisa e terapia.
Lula fez a promessa na quarta-feira passada em seu discurso de abertura da
Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. A lei está aprovada
desde março. A adin foi proposta em maio pelo ex-procurador-geral da
República Cláudio Fonteles e argumenta que há vida nos óvulos
fecundados destruídos durante os estudos. Por isso, de acordo com o
procurador, a lei fere a Constituição, que garante a todos o
direito inviolável à vida. Além de requerer a inconstitucionalidade
do artigo, Fonteles pediu ao STF que realize audiência pública
com especialistas sobre o assunto.
Na adin, o Ministério Público usa opiniões de cientistas
para definir o momento inicial da vida humana, o que "aconteceria na e
a partir da fecundação", daí a necessidade de se
respeitar a inviolabilidade do direito à vida desde o início
da formação do embrião. Os depoimentos se chocam com a
visão de cientistas favoráveis aos estudos com células-tronco
embrionárias.
O parecer de Antonio Fernando de Souza será analisado pelo relator
da adin, o ministro do STF Carlos Britto.
CONCEITUAÇÃO
Pela Lei de Biossegurança, os embriões usados são os
obtidos a partir da fertilização in vitro, armazenados em laboratórios,
que não serão usados e que estão congelados há pelo
menos três anos. As pesquisas só podem ser feitas com autorização
dos genitores. A retirada das células-tronco só é possível
com a destruição do embrião, que no momento se chama blastocisto
e possui cerca de cem células.
Cientificamente, não há consenso sobre quando começa
a vida. Alguns cientistas defendem o mesmo critério para a morte (quando
a atividade cerebral cessa). Um blastocisto não apresenta qualquer atividade
cerebral, por isso países que permitem as pesquisas com células-tronco
embrionárias estabeleceram um limite de idade de até 14 dias,
quando ainda não há resquício de sistema nervoso no embrião.
Para outros cientistas, a vida se inicia quando o embrião é implantado
no útero, quando o feto pode ter uma vida independente da mãe
ou no momento da fecundação.
São todos defensores desta última vertente os cientistas consultados
pelo Ministério Público, como o francês Jérôme
Lejeune, da Universidade René Descartes, em Paris. Na sua opinião,
qualquer método artificial para destruí-la não passa de
um assassinato. A posição é compartilhada por Denirval
da Silva Brandão, da Academia Fluminense de Medicina: para ele, aceitar
que depois da fecundação existe um ser humano não é uma
hipótese metafísica, mas uma evidência experimental.
Para a geneticista Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo,
que não foi ouvida pelo Ministério Público, a escolha
dos especialistas mostra que o procurador-geral escutou só o que desejava. "Não
há uma definição científica aceita (para a vida).
O que está na adin baseia-se em outros valores não-científicos",
diz. "Se a vida surge no momento da fecundação, então
toda a área de fertilização assistida sofre implicações.
Como devemos lidar com os embriões que estão congelados, alguns
esquecidos?"
Alguns grupos já começam a criar linhagens nacionais de células-tronco
para pesquisa. Se o STF aceitar a adin, os projetos devem ser abandonados e
o setor de biotecnologia volta ao cenário que existia antes da lei,
quando apenas células-tronco embrionárias trazidas de outros
países podiam ser usadas. "Isso interfere na independência
do País em se desenvolver na área", afirma Lygia.
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