Parecer é contra uso de células-tronco

O Estado de Sao Paulo - Vida&
21/11/2005

Gilse Guedes
Colaborou: Cristina Amorim

Texto entregue por procurador-geral diz que pesquisas com células de embrião, previstas na Lei de Biossegurança, são inconstitucionais


BRASÍLIA - Dois dias depois de o presidente Luis Inácio Lula da Silva ter anunciado para esta semana a tão aguardada regulamentação da Lei de Biossegurança, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer favorável à ação direta de inconstitucionalidade (adin) para suprimir o artigo da lei que permite o uso de células-tronco de embriões para fins de pesquisa e terapia.
Lula fez a promessa na quarta-feira passada em seu discurso de abertura da Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. A lei está aprovada desde março. A adin foi proposta em maio pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles e argumenta que há vida nos óvulos fecundados destruídos durante os estudos. Por isso, de acordo com o procurador, a lei fere a Constituição, que garante a todos o direito inviolável à vida. Além de requerer a inconstitucionalidade do artigo, Fonteles pediu ao STF que realize audiência pública com especialistas sobre o assunto.

Na adin, o Ministério Público usa opiniões de cientistas para definir o momento inicial da vida humana, o que "aconteceria na e a partir da fecundação", daí a necessidade de se respeitar a inviolabilidade do direito à vida desde o início da formação do embrião. Os depoimentos se chocam com a visão de cientistas favoráveis aos estudos com células-tronco embrionárias.

O parecer de Antonio Fernando de Souza será analisado pelo relator da adin, o ministro do STF Carlos Britto.

CONCEITUAÇÃO

Pela Lei de Biossegurança, os embriões usados são os obtidos a partir da fertilização in vitro, armazenados em laboratórios, que não serão usados e que estão congelados há pelo menos três anos. As pesquisas só podem ser feitas com autorização dos genitores. A retirada das células-tronco só é possível com a destruição do embrião, que no momento se chama blastocisto e possui cerca de cem células.

Cientificamente, não há consenso sobre quando começa a vida. Alguns cientistas defendem o mesmo critério para a morte (quando a atividade cerebral cessa). Um blastocisto não apresenta qualquer atividade cerebral, por isso países que permitem as pesquisas com células-tronco embrionárias estabeleceram um limite de idade de até 14 dias, quando ainda não há resquício de sistema nervoso no embrião.

Para outros cientistas, a vida se inicia quando o embrião é implantado no útero, quando o feto pode ter uma vida independente da mãe ou no momento da fecundação.

São todos defensores desta última vertente os cientistas consultados pelo Ministério Público, como o francês Jérôme Lejeune, da Universidade René Descartes, em Paris. Na sua opinião, qualquer método artificial para destruí-la não passa de um assassinato. A posição é compartilhada por Denirval da Silva Brandão, da Academia Fluminense de Medicina: para ele, aceitar que depois da fecundação existe um ser humano não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental.

Para a geneticista Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo, que não foi ouvida pelo Ministério Público, a escolha dos especialistas mostra que o procurador-geral escutou só o que desejava. "Não há uma definição científica aceita (para a vida). O que está na adin baseia-se em outros valores não-científicos", diz. "Se a vida surge no momento da fecundação, então toda a área de fertilização assistida sofre implicações. Como devemos lidar com os embriões que estão congelados, alguns esquecidos?"

Alguns grupos já começam a criar linhagens nacionais de células-tronco para pesquisa. Se o STF aceitar a adin, os projetos devem ser abandonados e o setor de biotecnologia volta ao cenário que existia antes da lei, quando apenas células-tronco embrionárias trazidas de outros países podiam ser usadas. "Isso interfere na independência do País em se desenvolver na área", afirma Lygia.


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