O referendo que não houve
10/04/2007
José Carlos Sepúlveda da Fonseca
Velhaca
manipulação da opinião pública pela esquerda,
em Portugal, falseou o resultado do referendo sobre a liberalização
do aborto, abrindo caminho para aprovação de lei abortista
A
imprensa brasileira noticiou — sem esconder certa euforia — a
aprovação pelo Parlamento português da legalização
do aborto, em decorrência do referendo do dia 11 de fevereiro p.p, no
qual, ainda segundo o noticiário, a maioria dos portugueses se teria
pronunciado a favor da “matança dos inocentes”.
No Brasil, diversas vozes evocam
o exemplo português para retomar sua
ofensiva abortista. Afirmam que, se até em Portugal (país católico
e tradicional) o povo em sua maioria votou a favor do aborto livre, não
faz sentido que o Brasil continue a proibi-lo.
Afinal, o que há de verídico neste quadro apresentado pela mídia
e pelos promotores do aborto a qualquer preço? Terá a maioria
dos portugueses dito sim ao aborto livre? Será a recente lei, aprovada
pelos partidos da esquerda expressão legítima da chamada vontade
popular?
Como não raramente acontece, este quadro é simplista
e, mais ainda, altamente tendencioso.
Forjar um apoio popular
Aliança estratégica em prol
do aborto: José Sócrates, primeiro-ministro socialista |
Cada vez que o tema do aborto era
levantado, fazia-se sentir uma forte reação à idéia
de liberalizá-lo. Entretanto urgia à esquerda, atualmente no
governo, impor ao país sua agenda libertária, até mesmo
para atender às exigências da União Européia.
Só uma consulta popular poderia dar foros de “legitimidade democrática” a
uma futura legislação abortista. Numa jogada política
de evidente risco, o primeiro-ministro socialista José Sócrates
necessitava forjar um apoio popular que lhe possibilitasse avançar com
a agenda tão a gosto de seu “moderado” Partido Socialista
e das esquerdas mais radicais.
Uma pergunta enganosa...
...e Francisco Louçã, líder da extrema-esquerda |
Em Portugal não se referendam leis. Apenas são levadas a consulta
popular perguntas, cuja resposta sinalize a intenção do eleitorado
e permita ou impeça a elaboração de dispositivos legais.
Já na formulação da pergunta teve início a manipulação
que viria a marcar todo o referendo. Enunciava ela a despenalização
da interrupção voluntária da gravidez, mas continha em
si duas outras questões que, conjugadas, acarretavam na prática
a liberalização do aborto até à décima semana,
se o SIM fosse vencedor.
Servia como uma luva a toda a manobra
demagógica montada pelas esquerdas,
e à qual a mídia viria a dar preciosa colaboração.
... e suspeita de inconstitucionalidade
Aprovada no Parlamento, a pergunta
foi enviada pelo presidente da República,
ao Tribunal Constitucional.
Uma acesa disputa dividiu as opiniões naquele órgão,
pois o Tribunal viu-se obrigado a ponderar a questão fundamental da
inviolabilidade da vida humana, consagrada na Constituição. Por
uma apertada votação (sete votos a seis) a pergunta foi declarada
constitucional.
Segundo o professor Mário Pinto, da Universidade Católica, a
leitura do acórdão “permite concluir que a tese que venceu
tangencialmente se exprime por uma argumentação manifestamente
injusta e absurda: em que, por um lado, não se protege realmente o direito
do embrião à vida (que é o direito fundamental entre os
fundamentais); por outro lado, se absolutizam abstratamente interesses e direitos
da mulher” (“Público”, Lisboa, 15-1-07).
Diversos juristas portugueses, entre
os quais um dos mais importantes constitucionalistas do país, continuam a sustentar a inconstitucionalidade da pergunta,
e portanto das conseqüências legais do referendo.
Manobra publicitária
ludibriou o eleitorado
Para fugir à discussão do aborto, a esquerda
montou o psicodrama dos julgamentos e prisões de mulheres |
Convocado o referendo, todos os
abortistas, a começar pelo primeiro-ministro,
puseram em marcha uma operação para ludibriar o eleitorado.
Sabiam pela experiência do anterior referendo (1998) que a discussão
de princípios lhes era altamente desfavorável. Tinham igualmente
noção de que os inúmeros avanços da ciência
médica tornavam árdua qualquer discussão a respeito da
vida.
Conhecedores de que, na época presente, muitas vezes as massas se deixam
mover mais pelas emoções do que pela razão, os abortistas
precisavam fugir ao essencial da discussão (o direito ou não
ao aborto) e encenar um verdadeiro psicodrama social: a prisão das mulheres
e o flagelo do aborto clandestino.
Todos passaram a afirmar que só estava em causa a despenalização
das mulheres que praticavam aborto. Os slogans se repetiam por toda a parte,
em folhetos, cartazes e propagandas: pelo fim das prisões; para acabar
com a humilhação; pelo fim da perseguição judicial
e da criminalização das mulheres. Em vão se procuraria
um cartaz de propaganda do SIM em que se defendesse o direito ao aborto, ou
sequer se mencionasse o termo.
Mas a montagem dos adeptos do SIM
tinha ainda o despudor de afirmar taxativamente que sua escolha se baseava
no respeito pela vida. Insistiam na inoperância
da lei para evitar o aborto. A “prova” estava no número
de abortos clandestinos realizados no país, a mais alta taxa da União
Européia, segundo eles. Urgia acabar com o flagelo do aborto clandestino, única
forma de as mulheres serem dignamente atendidas e... dissuadidas de abortar.
Não satisfeitos com todo este enganoso quadro, era preciso completá-lo
com acusações contra os movimentos do NÃO. Estes foram
acusados de intolerantes, de não desejarem resolver nenhum problema,
apenas querendo manter o status quo para punir as mulheres, realçando
que só o SIM era tolerante, já que não obrigava ninguém
a interromper a gravidez.
Mídia: a “imparcialidade” parcial
A imprensa portuguesa, na sua quase generalidade, veio fazer coro a toda essa
imensa montagem.
A postura da maioria dos órgãos midiáticos foi astuta.
Era necessário manter uma aparência de imparcialidade, própria
a uma imprensa dita livre e pluralista. Fizeram-no dando igual espaço,
nos debates falados e escritos, a representantes do SIM e do NÃO.
Entretanto, a cobertura de tudo
o que dizia respeito ao referendo era altamente tendenciosa. A começar pelo destaque preferencial dado às
iniciativas de campanha dos abortistas, sobretudo pela ampla cobertura das
iniciativas
do primeiro-ministro e de outros elementos do governo socialista a favor do
SIM.
Ademais os noticiários faziam eco à psicodramaturgia montada
em torno da “humilhação” das mulheres e dos males
do aborto clandestino. Os portugueses eram quase diariamente bombardeados por
relatos escabrosos de mulheres “desesperadas” que buscavam o aborto
de “vão de escada”, e até de mortes decorrentes dessa
prática. O grande ausente era sempre o bebê inocente, condenado
arbitrariamente à morte.
Nunca um relato de uma mãe em situação desesperadora,
mas que tivesse sabido encontrar forças ou tivesse sido amparada para
não praticar tal crime; nunca um relato de uma mãe arrependida
do aborto que praticara; nunca um relato de mulheres que abortaram e depois
sofreram graves traumas psicológicos. Os meios de comunicação
pareciam “desconhecer” toda esta parte da realidade.
É significativo do patrulhamento reinante na mídia o episódio
envolvendo a Rádio Renascença, emissora católica portuguesa,
a qual decidiu posicionar-se oficialmente a favor do NÃO. A reação
do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas não se
fez esperar, tachando de "absurda" a postura assumida pela direção
da emissora, considerando que assim colocava em causa o direito de opinião
dos jornalistas.
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Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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